
Concei��o do Mato Dentro – A primeira sensa��o � de encantamento. Depois, vem o impacto de cada detalhe. Finalmente, surge a necessidade premente de entender toda a hist�ria contada nas paredes e ao longo do tempo – desde a constru��o, no in�cio do s�culo 18. A Matriz de Nossa Senhora da Concei��o, em Concei��o do Mato Dentro, na Regi�o Central, traz � tona um tesouro para agu�ar os sentidos, especialmente o olhar que n�o se cansa de admirar cada cent�metro de beleza. Na capela-mor, durante trabalho de restaura��o, a surpresa: especialistas encontraram 10 pinturas contando a vida de Nossa Senhora e de Jesus – as cenas b�blicas estavam escondidas sob camadas de tinta. A expectativa � de que o servi�o termine em 2018, antes de 8 de dezembro, data consagrada � padroeira do munic�pio, localizado a 175 quil�metros de Belo Horizonte.
Tombada em 1948 pelo Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan) e interditada desde 2005, a matriz apresentava uma s�rie de problemas estruturais e nos elementos art�sticos. Entre as quest�es mais graves estavam a torre, a cobertura e o madeirame, que cedia lentamente, com risco de ruir, conforme documentou o Estado de Minas em reportagens. Os recursos para salvar a constru��o prov�m da mineradora Anglo American, por meio de uma medida compensat�ria firmada com o Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG). Os servi�os em andamento est�o a cargo da Cantaria Conserva��o e Restauro, com supervis�o do Iphan.
Para o administrador paroquial e reitor do Santu�rio do Senhor Bom Jesus de Matosinho, padre Jo�o Evangelista dos Santos, a conclus�o do restauro da �nica matriz da cidade, vinculada � diocese de Guanh�es, ter� um significado muito especial. “� o fim de uma hist�ria de luta, de um tempo de muito sofrimento”, resume. Segundo ele, j� foram gastos cerca de R$ 10 milh�es de reais na obra, incluindo recursos da Par�quia Nossa Senhora da Concei��o, da empresa e um aporte de R$ 350 mil da prefeitura. “A par�quia, sozinha, n�o teria condi��es de bancar a obra.”

COLETIVO O trabalho ganha cada vez mais intensidade no interior da igreja, onde atua uma equipe de 40 pessoas, entre restauradores e auxiliares (alguns da cidade) e t�cnicos. “A expectativa � conclus�o no fim do ano que vem, mas igrejas antigas sempre surpreendem, pois t�m a estrutura de madeira e adobe. Pode-se encontrar uma viga podre ou outro tipo de problema”, diz o coordenador da obra pela empresa, o engenheiro civil Alexandre Leal. Ele destaca a umidade como um fator de risco para as pinturas do s�culo 18 e adianta que foi feita a revis�o na cobertura e tomadas provid�ncias de seguran�a, a exemplo de parte el�trica, sistema contra raios e inc�ndios – projeto luminot�cnico est� previsto. Em agosto j� havia sido reativado o rel�gio.
Bandeirante, o precursor
Segundo os estudiosos, a edifica��o come�ou por iniciativa do bandeirante paraguaio Gabriel Ponce de Leon, que chegou � regi�o em 1702. “No ano seguinte, a mulher dele mandou vir de Itu (SP), a imagem da padroeira”, conta Ros�ngela Domingues, integrante da Cantaria, destacando que, em sinal de agradecimento por ter encontrado ouro, o desbravador pediu para ser enterrado na frente do altar-mor da igreja. Em 1722, o templo j� realizava cultos, mas as obras se estenderam por todo o s�culo 18, devido � falta de recursos para termin�-la. S� com o aux�lio real as interven��es foram conclu�das em 1807.
Em cada detalhe, a riqueza �nica
� frente da equipe de restauradores, Dulce Senra, da Cantaria, se entusiasma com cada novo detalhe da empreitada, em especial da capela-mor (com a��es adiantadas) e no ret�bulo colateral direito. “Estamos restaurando as t�buas do arco-cruzeiro e ainda vamos fazer o ret�bulo do lado esquerdo”, conta Dulce. Na capela-mor, ela vai mostrando as cenas da vida de Maria: do lado direito, a anuncia��o, a visita a Santa Isabel, a adora��o dos pastores e os reis magos encontrando o rec�m-nascido; do esquerdo, outras passagens da vida de Jesus, como o batismo, o falso pastor e o verdadeiro pastor, a tenta��o de Cristo, com recria��o de azulejaria. No alto, no forro, est� a Assun��o de Nossa Senhora, original que foi repintado com um Nossa Senhora da Concei��o e depois pelo Divino Esp�rito Santo. “Tudo � contado de forma bem linear, mas a autoria � desconhecida”, explica Dulce.

Quem acompanha a interven��o s� tem elogios. “Fico feliz s� de ouvir o som do rel�gio. Estou ansioso para que as portas sejam reabertas e a gente possa rezar l� dentro. � importante a conserva��o do patrim�nio”, diz o aposentado Nardy Jos� Barroso de Oliveira, de 56 anos, morador ao lado da igreja. Basta chegar � janela da casa para Nardy ver a edifica��o, da qual a m�e Jacy Barroso, de 85, foi zeladora. “A chave da matriz ficava aqui. Estamos muito felizes”.
Desde a interdi��o da Matriz Nossa Senhora da Concei��o, missas e outras cerim�nias religiosas s�o realizadas no santu�rio, na Igreja do Ros�rio e capelas. Em nenhum momento a comunidade cat�lica deixou de se preocupar com o templo barroco ou se esquece de sua hist�ria.
Acordo viabilizou reforma
A restaura��o dos elementos art�sticos da Matriz de Nossa Senhora da Concei��o, em Concei��o do Mato Dentro, na Regi�o Central, se tornou poss�vel gra�as ao termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre o Minist�rio P�blico de Minas Gerais, por meio dos promotores de Justi�a Marcos Paulo de Souza Miranda, ex-coordenador das Promotorias de Justi�a de Defesa do Patrim�nio Cultural e Tur�stico (CPPC), hoje na comarca de Santa Luzia, na Grande BH, e Marcelo da Matta Machado, de Concei��o do Mato Dentro. O valor hist�rico e cultural � ressaltado pela comunidade, e as pinturas internas, representando cenas da Paix�o de Cristo, foram consideradas “uma das mais encantadoras e delicadas do patrim�nio de arte religiosa do pa�s” pelo primeiro presidente do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan), o advogado, jornalista e escritor Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969).