
“Hoje ele entende o que aconteceu, mas fala que queria ter uma m�quina do tempo. Se pudesse voltar atr�s, n�o deixaria o pai ir trabalhar naquele dia.” A frase � da dona de casa e artes� Roseli Aparecida Gomes dos Santos, de 48 anos, e reproduz o pensamento do filho de 7. O garoto Pedro Emanuel vive desde 5 de novembro de 2015 sem o pai, Claudemir Elias dos Santos, na �poca com 41. O motorista de caminh�o-pipa trabalhava para a Integral Engenharia quando a avalanche de lama da barragem de Fund�o, da Samarco, varreu o subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana, deixando 19 mortos e um rastro de destrui��o que alcan�ou o Oceano Atl�ntico. H� dois anos lutando para se manter de p�, Roseli e o filho passam at� hoje por terapia. Depois de largar o trabalho como empregada dom�stica, ela tenta se manter ativa novamente atuando como artes�, incentivada pelo filho.
O drama da desestrutura��o da fam�lia e da vida de Roseli persegue boa parte dos familiares das 19 pessoas que perderam suas vidas com o desastre ambiental, que completa dois anos no domingo. De acordo com a Samarco, al�m dos R$ 100 mil pagos aos parentes a t�tulo de adiantamento da indeniza��o, em janeiro de 2016, j� foram firmados 10 acordos, no valor de R$ 9 milh�es, para repara��es dos parentes. O processo criminal foi suspenso pela Justi�a para an�lise de escutas telef�nicas e mensagens que a defesa dos acusados alega ter sido ilegal. O Minist�rio P�blico Federal aguarda a aprecia��o dessas provas pela per�cia do tribunal, mas garante que s�o legais, algumas delas providenciadas pelos pr�prios acusados.
“Isso � uma coisa que n�o vai sair nunca da mem�ria. N�o s� pelo fato de o meu esposo ter morrido, mas por conta da trag�dia em si, que destruiu tantas vidas. Eu ia muito a Bento Rodrigues. Tinha muitas amizades e trabalhei com muita gente de l�. Depois da trag�dia, nunca mais tive coragem de voltar”, afirma Roseli. Hoje, incentivada pelo filho Pedro, ela voltou a produzir. Faz panos de prato e pinta em tecidos. Mas quando Claudemir morreu, largou o trabalho de empregada dom�stica, pois tinha perdido a vontade de viver. Por isso, considera muito importante o atendimento que mant�m at� hoje com uma psic�loga para ela e para o filho.
No primeiro ano, os custos eram mantidos pela Integral, mas hoje quem arca com a despesa � a pr�pria Roseli, cuja fonte de renda principal � a pens�o do INSS pela morte do marido, com quem viveu por 11 anos. Muito querido em Santa Rita Dur�o, distrito de Mariana, Claudemir era um homem muito dedicado � fam�lia e por isso Roseli s� pensa em reproduzir no filho as qualidades do pai. “Eu penso em dedicar a minha vida ao meu filho. � uma forma de prestar uma homenagem ao Claudemir, porque meu filho era tudo para ele. Era um xod� com o menino”, afirma.
Talvez o abandono que as fam�lias das v�timas do rompimento alegam sentir seja um drama ainda maior para a t�cnica em enfermagem Jaqueline Aparecida Dutra, de 41. A morte do marido, o motorista da Ideal, uma prestadora de servi�os da Samarco, representou mais do que a perda do companheiro amado e arrimo da fam�lia. Ela perdeu um aliado importante no cuidado de que tanto precisa o filho Leonardo, de 2 anos e quatro meses. O menino nasceu com uma grave paralisia cerebral que lhe for�a respirar com a ajuda de aparelhos, ter a necessidade de uma cadeira de rodas especial e a alimenta��o com uma f�rmula especial que custa cerca de R$ 100 cada lata. “Conto com a ajuda da fam�lia, dos amigos e da Prefeitura de Mariana, porque da Samarco s� tenho indiferen�a. Nenhum apoio, nem psicol�gico, nem financeiro”, afirma. Segundo ela, da indeniza��o de R$ 100 mil paga em janeiro, ela efetivamente recebeu apenas R$ 20 mil, uma vez que o marido tinha outros quatro filhos que tamb�m tinham direito aos recursos.
Sofrimento e luta em defesa do filho
Enquanto a Samarco n�o negocia uma indeniza��o que ela considera decente, a mulher se vira como pode para prover o filho Leonardo. “S� o aluguel do respirador fica em R$ 1,5 mil e a prefeitura de Mariana � que est� pagando, mas n�o sei at� quando. A f�rmula muitas vezes falta na distribui��o, a mesma coisa s�o as fraldas. Da� tenho de me virar para pagar por isso. Estou at� organizando uma rifa para conseguir a cadeira de rodas adaptada, que custa R$ 5 mil”, conta. De acordo com ela, a mineradora chegou a oferecer um valor irris�rio de acordo e depois desapareceu. “Parece que est�o deixando a coisa correr para prescrever na Justi�a, especialmente na Justi�a do Trabalho. Est�o tentando ganhar tempo em cima do meu sofrimento. Hoje, vivo em fun��o do meu filho e de como conseguir dinheiro para o tratamento dele”, desabafa.
As saudades da m�e s�o um luto que s� agrava o sofrimento que a dona de casa Marli de F�tima Fel�cio Felipe, de 33, sente por ter de morar no n�cleo urbano de Mariana, onde est� longe dos familiares e falta �gua constantemente. Ela e a m�e, Maria das Gra�as Celestino da Silva, de 64, a Gracita, estavam ainda mais pr�ximas depois que o irm�o se casou e Gracita foi morar com ela e as duas filhas, de 5 e de 11 anos, no subdistrito de Bento Rodrigues. “Minha m�e era uma av� muito carinhosa com minhas filhas e at� hoje elas ficam tristes pela perda dela. Mal acreditam”, conta Marli. A �ltima not�cia que teve da m�e foi de uma vizinha que por pouco tamb�m n�o foi engolida pela lama. “Mam�e saiu de casa para fazer a sobrancelha numa vizinha. Quando estava passando pelo quintal da casa de uma amiga, essa mulher viu quando a lama veio e disse que minha m�e caiu de cara no barro e sumiu”, afirma.
Segundo ela, a Samarco s� a procurou uma vez, em 2015, e teria marcado outra reuni�o com o seu irm�o na �ltima semana para acertar uma indeniza��o. De acordo com a Samarco, a mulher j� consta na rela��o das pessoas que negociaram um acordo indenizat�rio. “Quero receber logo o que a gente tem direito, a casa, que seja igual � antiga ou diferente, s� n�o aguento mais � morar em Mariana. Aqui tudo � ruim. Falta �gua e temos de pedir para os vizinhos, n�o temos liberdade para ter cria��o, horta, aqui � uma pris�o”, considera.
A saudade do marido, Daniel Altamiro de Carvalho, de 53, tamb�m funcion�rio da Ideal, aperta mais com a conquista que uma das filhas est� perto de atingir, que � a formatura na faculdade de engenharia de produ��o, em Ouro Preto. “Ele era dedicado demais � fam�lia e tinha muito orgulho das duas filhas. Agora que a mais velha, de 23 anos, vai se formar no final do ano que vem, a gente fica imaginando como o Daniel estaria feliz e realizado. E isso nos foi tirado por esse desastre terr�vel”, lamenta a vi�va dele, T�nia Penna de Carvalho, de 50. Segundo ela, desde que o marido morreu n�o recebeu qualquer apoio da Samarco al�m do adiantamento da indeniza��o. “Nem ligaram para saber se a gente precisava de alguma coisa. Chegaram a oferecer uma indeniza��o rid�cula, mas vamos resolver isso na Justi�a. Vamos at� o final. A saudade do Daniel � grande demais. Foi muito dif�cil para mim, e minhas filhas ajudaram muito na �poca a resolver os problemas, isso nos uniu ainda mais”, conta.
DEPOIMENTO
Mateus Parreiras - Rep�rter
A guerreira Jaqueline
"Quando a barragem da Samarco se rompeu, eu j� tinha terminado meu expediente no jornal e estava em casa, carregando no colo o meu filho Ot�vio, de 3 meses. E foi com ele agarrado a mim que recebi a not�cia do desastre. Isso desencadeou uma sequ�ncia de quase dois meses de trabalho intenso, durante a qual praticamente morei em Mariana, ampliando demais as saudades e pensamentos sobre o meu filho. Talvez por isso tenha me impactado tanto a hist�ria de Jaqueline, vi�va do motorista Vando Maur�lio, morto no rompimento da barragem. O casal tem um filho da mesma idade do meu, o Leonardo, que nasceu com uma grave paralisia cerebral. Vando nem sequer teve tempo de ficar comseu menino no colo, porque o bebezinho ficou quatro meses internado numa UTI. Como uma guerreira, Jaqueline tenta com o aux�lio p�blico, de familiares e de amigos custear o tratamento do Leonardo. O menino precisa de respirador artificial, n�o tem ainda uma cadeira de rodas e consome uma f�rmula em p� que custa R$ 100 a lata. Foi de arrepiar. Um exemplo e um drama que t�m feito com que eu abrace ainda mais forte meu pequeno Ot�vio."