
A pr�-hist�ria de Minas ganha novas luzes da ci�ncia, recebe o olhar cuidadoso de um pesquisador europeu e valoriza ainda mais o legado do dinamarqu�s Peter W. Lund (1801-1880), chamado de Dr. Lund, que viveu 46 anos em Lagoa Santa, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, e se tornou o pai da paleontologia brasileira. Ao visitar nessa sexta-feira o Parque Estadual do Sumidouro, onde est�o a Gruta da Lapinha, o Museu Peter Lund e outros equipamentos, o geneticista Eske Willerslev, diretor do Centro de Excel�ncia em Geogen�tica do Museu de Hist�ria Natural da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, afirmou que est� em Lagoa Santa a “chave” para se entender os primeiros povoamentos da Am�rica do Sul, as correntes migrat�rias e outras quest�es ligadas � origem, mediante o sequenciamento de genomas.
Na entrada de uma gruta no parque administrado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), com a chuva dando uma tr�gua, Willerslev n�o escondia a admira��o, mesmo j� estando l� cinco meses antes. O desgosto s� ocorreu mesmo no Museu Peter Lund, inaugurado em 2012. Ao ver os 80 fragmentos de f�sseis humanos e de animais cedidos a Minas pela Dinamarca, num sistema de comodato, ele n�o escondeu a decep��o com o pequeno acervo. “� uma vergonha estar aqui isso. Parecem ossos de galinha. Houve mais valoriza��o do turismo do que da ci�ncia”, criticou. No museu, est�o f�sseis de megafauna, como pregui�a gigante, tigre-dentes-de-sabre e outros.
Ainda irritado com o que viu no museu, Willerslev afirmou que entre os milhares de f�sseis enviados por Lund � Dinamarca, h� caixas que nunca foram abertas. “Poucos se encontram em exposi��o num museu”, contou, ao lado, o doutorando em antropologia molecular, Peter de Barros Damgaard, de 26 anos, nascido em Copenhague, filho de uma mineira de Pouso Alegre, no Sul de Minas, e de um dinamarqu�s. Para garantir o interc�mbio e troca de informa��es, ele vai ficar um tempo imerso em pesquisas na UFMG. Toda a visita foi acompanhada por uma equipe do pa�s escandinavo, que grava um document�rio e, na v�spera, o grupo esteve no Centro Arqueol�gico Anette Laming Emperaire (Caale), em Lagoa Santa.
O gerente do Parque Estadual do Sumidouro/IEF. Rog�rio Tavares, informou que houve um processo de articula��o entre a Dinamarca e o governo de Minas, (em 2009), para trazer os f�sseis. “Esse comodato abriu as portas para que novos ossos viessem para c�, o que ainda n�o ocorreu, devido a uma s�rie de problemas. Mas o consulado do pa�s est� sempre fazendo acompanhamento aqui”, disse Tavares.
ADMIRA��O J� em visita ao Museu Arqueol�gico da Regi�o de Lagoa Santa, conhecido como Museu da Lapinha e a poucos metros do outro centro cultural, o geneticista abriu o sorriso. E n�o se conteve: “Espetacular! Essa � uma riqueza, muito melhor do que o outro”. Na constru��o que lembra um castelinho, e est� em funcionamento h� 45 anos, se encontram cerca de 40 mil pe�as, entre f�sseis, cer�micas, animais taxidermizados e outros, comprados ou coletados pelo h�ngaro Mih�ly B�nyai. A diretora e filha do fundador, Erika B�nyai, se mostra feliz com os elogios e acredita que tem grande expectativa para conhecer os resultados das pesquisas de Willerslev, como a data��o exata da ocupa��o da regi�o de Lagoa Santa. “Existe muita pergunta sem resposta”.
Durante todo o dia, o geneticista foi acompanhado pelo professor Luiz Souza, do Laborat�rio de Ci�ncias da Conserva��o (Lacicor) e do Centro de Conserva��o e Restaura��o de Bens Cultura da EBA/UFMG. Souza ressaltou o car�ter “important�ssimo” da visita de Willerslev. “Junto ao objetivo de se buscarem mais amostras para an�lises, pretendemos tamb�m retomar antigas negocia��es entre a UFMG e o Museu de Hist�ria Natural da Dinamarca, a fim de promover maior integra��o e valorizar os trabalhos de Lund na regi�o de Lagoa Santa”. Ele adiantou que, segunda-feira, o grupo estar� no Museu Nacional, do Rio de Janeiro (RJ), para coletar amostras do cr�nio de Luzia, o mais antigo f�ssil humano encontrado na Am�rica.
Ao final da visita, na parte da manh�, e olhando para Peter, o geneticista resumiu seu projeto, de forma simp�tica: “Ele tem sangue brasileiro e dinamarqu�s. Ent�o, esse interc�mbio tem que unir for�as de ambas as partes”.
MARCOS DA HIST�RIA
» 1801
Nasce na Dinamarca Peter W. Lund, que viveu 46 anos na regi�o de Lagoa Santa e � considerado o pai da paleontologia, arqueologia e espeleologia brasileiras
» 1832
Lund (1801-1880) faz as primeiras descobertas de f�sseis em cavernas e abrigos de Lagoa Santa
» 1845
Paleont�logo envia ao rei da Dinamarca a cole��o de f�sseis encontrados na regi�o de Lagoa Santa
» D�cada de 1950
Pesquisadores da Academia Mineira de Ci�ncias e do Museu Nacional do Rio de Janeiro retomam as escava��es na regi�o
» 1974
Miss�o franco-brasileira, chefiada por Annette Laming Emperaire (1917-1977), faz escava��es, at� 1976, em Lagoa Santa
» 1975
Annette Laming encontra na Lapa Vermelha IV o cr�nio de Luzia, o f�ssil humano mais antigo com data��o do Brasil
» 1998
Antrop�logo Walter Neves, da Universidade de S�o Paulo, estuda e data (11,4 mil anos) o cr�nio de Luzia
» 2010
Em maio, governos de Minas e da Dinamarca fecham acordo para cess�o, em comodato, de f�sseis para exposi��o em Lagoa Santa
» 2012
Em 21 de setembro, � inaugurado o Museu Peter Lund, inspirado na trajet�ria do naturalista dinamarqu�s pela regi�o de Lagoa Santa
tr�s perguntas para...
Peter de Barros Damgaard, doutorando em antropologia molecular
Como nasceu o projeto de pesquisa?
Estive aqui em Lagoa Santa h� cinco anos, fiquei muito impressionado com tudo, e ent�o falei sobre o assunto com o dr. Eske Willerslev (diretor do Centro de Excel�ncia em Geogen�tica do Museu de Hist�ria Natural da Universidade de Copenhague, na Dinamarca). Ele veio uma primeira vez e retorna agora.
O que ser� feito?
Estudos para identificar o in�cio do povoamento na Am�rica do Sul. Lagoa Santa � uma regi�o muito rica. H� muito para ser pesquisado. Gostaria de dizer que a reconstitui��o facial de Luzia (est� no Museu Nacional, no Rio de Janeiro) � fantasiosa, art�stica. H� muita confus�o nos tra�os.
Como ser� seu trabalho neste projeto?
Em breve, vou ficar trabalhando em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais, para fazer a conex�o com a Dinamarca. H� muito a ser feito. No meu pa�s h� f�sseis enviados h� mais de um s�culo por Dr. Lund que ainda est�o em caixas.
