
H� 10 anos, um tremor de terra pela primeira vez provocava morte no pa�s e abalava tamb�m as estruturas da sismologia brasileira. Em 9 de dezembro de 2007, o fen�meno de 4,9 graus na Escola Richter, que praticamente devastou a comunidade rural de Cara�bas, no munic�pio de Itacarambi (Norte de Minas), matou a menina Jessiquele Oliveira Silva, ent�o com 5 anos, que dormia em casa com a fam�lia quando as paredes vieram abaixo. Seis pessoas ficaram feridas, duas delas com traumatismo craniano. Das 77 casas da localidade seis ficaram completamente destru�das e as demais tiveram as estruturas abaladas. Com isso, todas as fam�lias foram removidas para a �rea urbana de Itacarambi, a 30 quil�metros, onde passaram a morar em um conjunto habitacional constru�do pelo governo do estado.
Al�m da como��o, o tremor de Cara�bas passou a ser considerado um marco na sismologia brasileira. “Foi um acontecimento que, apesar de triste e lament�vel, teve reflexos significativos sobre o pensamento das pessoas em geral e de n�s, sism�logos. Serviu para mostrar que, diferentemente do que se pensava, a terra pode tremer no Brasil, e com consequ�ncias tr�gicas”, afirma o professor Lucas Vieira Barros, do Observat�rio Sismol�gico da Universidade de Bras�lia (UnB), respons�vel pelos estudos sobre o abalo s�smico na comunidade rural, cuja causa foi uma falha geol�gica existente na regi�o. “Foi um aviso de que dever�amos intensificar os estudos e investiga��es sobre o potencial dos sismos brasileiros”, acrescenta.
O especialista salienta que, passada uma d�cada, a ci�ncia avan�ou em rela��o aos sismos no pa�s. “Cresceu muito nosso conhecimento sobre as ocorr�ncias s�smicas, no espa�o e no tempo, embora ainda seja pouco entendida a sismicidade do interior continental est�vel, como � o caso do Brasil”, afirma. Mas Lucas Barros destaca que os tremores continuam imprevis�veis. “Os sismos brasileiros podem ser trai�oeiros. Podem acontecer em qualquer lugar, sem nenhum sinal. Cara�bas/Itacarambi foi um caso desses. Naquela vila, que era habitada havia mais de um s�culo, ningu�m nunca havia ouvido falar sobre tremores de terra”, exemplifica.
O especialista da UnB lembra que Minas Gerais � um “estado s�smico”. Foi a unidade da federa��o com maior registros de tremor de terra no ano passado, conforme estudo da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), na qual foi criado um n�cleo de sismologia e uma rede sismogr�fica, em parceria com a UnB. Com esses equipamentos s�o monitorados os abalos no Norte de Minas, inclusive na pr�pria cidade de Montes Claros, onde tamb�m h� uma falha geol�gica, segundo estudos da pr�pria UnB e do Centro de Sismologia da Universidade de S�o Paulo (USP).
Fam�lias ainda sofrem dificuldades
O drama enfrentado pelos moradores de Cara�bas em virtude do tremor de terra de Cara�bas, h� 10 anos, � lembrado por Jos� Camilo Alves, que, na ocasi�o, era o respons�vel pela Defesa Civil Municipal de Itacarambi. “Foi uma verdadeira trag�dia para as fam�lias da localidade”, recorda.
Ele explica que a comunidade vivia de pequenas lavouras e cria��es e, de repente, viu seu mundo desabar. Estudos identificaram uma falha geol�gica exatamente embaixo do povoado. Ap�s o fen�meno, todas as casas foram condenadas pela Defesa Civil.
Passada uma d�cada, os moradores que trocaram Cara�bas por moradias na sede de Itacarambi continuam em dificuldade. De acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, a maioria dos atingidos sobrevive gra�as ao aux�lio do Programa Bolsa-Fam�lia, do Governo Federal. Por outro lado, algumas fam�lias, devido � falta de emprego na cidade, mesmo com o alerta da Defesa Civil, voltaram a morar na localidade. Para isso, reformaram ou reconstru�ram moradias abaladas pelo tremor da madrugada de 9 de dezembro de 2007.
Entrevista
Professor Lucas Vieira Barros, doutor em sismologia do Observat�rio Sismol�gico da UnB
‘A terra pode tremer no Brasil, e com consequ�ncias tr�gicas’
O senhor esteve na ocasi�o em Cara�bas/Itacarambi, onde liderou o trabalho cient�fico. O que representou o fen�meno no hist�rico da sismologia do Brasil?
Foi um acontecimento que, apesar de triste e lament�vel, teve reflexos significativos sobre o pensamento das pessoas em geral e de n�s sism�logos. Serviu para mostrar que, diferentemente do que se pensava, a terra pode tremer no Brasil, e com consequ�ncias tr�gicas. Ele nos deu um aviso de que dever�amos intensificar os estudos e investiga��es sobre o potencial dos sismos brasileiros.
Que mudan�as trazem fatos desse tipo?
� da natureza humana melhor se preparar para fen�menos j� vivenciados. O terremoto de S�o Francisco, nos Estados Unidos, em 1906, matou muita gente, causando inclusive um inc�ndio da cidade, devido ao rompimento da tubula��o subterr�nea de g�s. Ele deu um impulso muito grande na compreens�o da mec�nica dos terremotos. Ap�s o terremoto de Sumatra, em dezembro de 2004, que gerou aquele mega tsunami e ceifou a vida de cerca de 310 mil pessoas, sistemas de alerta contra tsunamis foram criados e com certeza o poder de destrui��o de fen�menos semelhantes foi minimizado enormemente, embora n�o por completo. Nosso conhecimento sismol�gico pode mitigar, reduzir os efeitos dos terremotos, mas, infelizmente, nunca eliminar por completo.
Quais foram as conquistas da sismologia no Brasil nos �ltimos 10 anos?
Nestes 10 anos tivemos conquistas expressivas, mas gostaria de destacar duas. A primeira, o estabelecimento da Rede Sismogr�fica Brasileira. A segunda, a elabora��o do mapa de amea�a s�smica para o Brasil, que foi apresentado em dezembro de 2015, no Primeiro Simp�sio Brasileiro de Sismologia. Os dados dessa rede, que tem mais de 80 esta��es, s�o enviados em tempo real para os principais centros sismol�gicos do Brasil, na USP, em S�o Paulo; na UnB, em Bras�lia; no Observat�rio Nacional, no Rio de Janeiro; e na universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal. Isso possibilita estudar os terremotos de forma autom�tica e em tempo real. Em 20 de dezembro de 2009, como consequ�ncia direta do sismo de Cara�bas, instalamos l� a primeira esta��o sismogr�fica brasileira com transmiss�o de dados via sat�lite para Bras�lia. Foi um marco e hoje temos mais de 80 esta��es.