
Eram 19h daquela quinta-feira, 5 de outubro, quando o helic�ptero pousou trazendo a primeira crian�a, exatas oito horas depois do telefonema informando sobre a trag�dia em uma creche em Jana�ba, no Norte de Minas, e pedindo ajuda ao Hospital de Pronto-Socorro Jo�o XXIII, em Belo Horizonte, para o atendimento �s v�timas. N�o se sabia ao certo quantas chegariam, apenas que 16 pessoas, a maioria crian�as, estavam entubadas na Santa Casa de Montes Claros, e que havia pelo menos 70 feridos. Foi o bastante para soar no maior hospital de refer�ncia em trauma da Am�rica Latina o alarme que deflagrou o Plano de Atendimento a M�ltiplas V�timas, protocolo tido como o mais completo do pa�s. Por meio dele, em quest�o de minutos s�o reorganizados espa�os e equipes para acolher v�timas em caso de desastres e trag�dias. De sobreaviso em �poca de riscos extras trazidos por comemora��es com grandes p�blicos, como as festas de fim de ano, chuvas intensas e movimento extra nas estradas, o HPS abriu suas portas ao Estado de Minas para mostrar como esse sistema de retaguarda � posto em pr�tica.
A trag�dia de Jana�ba acabou se transformando no maior teste do protocolo de emerg�ncia. “Foram v�rias v�timas que chegaram ao mesmo tempo. Quando ocorreu o rompimento da barragem em Mariana (em novembro de 2015), vieram em torno de 12 v�timas para o hospital, mas de forma esparsa”, disse. Por�m, na situa��o mais grave atendida pelo hospital, o Plano de Atendimento de M�ltiplas V�timas ainda n�o existia: o inc�ndio no Canec�o Mineiro, em 2001, que matou sete pessoas e quando 250 atendimentos foram feitos na unidade.

TODOS EM ALERTA Dos 2,7 mil funcion�rios do Jo�o XXIII, 800 foram treinados para operar sob as condi��es rigorosas do protocolo de emerg�ncia. Na trag�dia de Jana�ba, o diretor Marcelo Lopes conta que recebeu a liga��o que fez soar o alarme na unidade �s 11h. Diante dos n�meros de feridos previamente informados, autorizou imediatamente a transfer�ncia de todos os pacientes para Belo Horizonte e orientou ainda o munic�pio acionar a For�a Nacional, que chegou a disponibilizar equipes m�dicas e aeronave da For�a A�rea Brasileira (FAB) – que, por uma quest�o de log�stica, n�o chegou a decolar.
Na ocasi�o, foi posto em pr�tica o �ltimo dos tr�s n�veis de acionamento, que variam de acordo com a condi��o e o n�mero de pacientes. No primeiro, a resposta � dada com os meios dispon�veis no hospital e n�o se altera o fluxo de atendimento habitual do pronto-socorro, adaptando apenas a classifica��o de risco de cat�strofes. No segundo, j� ocorre uma reorganiza��o de fun��es das equipes, embora tamb�m seja mantido o fluxo e adaptada a classifica��o. No terceiro, al�m de redimensionamento de fun��es, h� convoca��o de recursos externos (municipais, estaduais ou federais).
Assim, o atendimento habitual do HPS � desviado para outras unidades que tenham condi��es de receber os casos, garantindo prioridade �s v�timas do evento de maior porte. No caso de Jana�ba, foram acionados tamb�m o Pronto-Socorro Risoleta Neves, o Hospital Municipal Odilon Behrens, unidades de pronto-atendimento (UPAs) da capital, al�m do Hospital Infantil Jo�o Paulo II. Essas institui��es de sa�de disponibilizaram vagas para pacientes do pr�prio HPS e para aqueles da trag�dia em estado menos grave, com intuito de liberar no Jo�o XXIII leitos para os casos mais urgentes e complexos.
Ao contr�rio do dia e que o viaduto caiu, na ocasi�o da trag�dia na creche a prepara��o foi feita com calma, uma vez que, mesmo em transporte a�reo, os primeiros pacientes demorariam a chegar, por causa dos 547 quil�metros entre a cidade do Norte de Minas e a capital. A sala de politraumatizados foi parcialmente esvaziada, com 20 dos 28 pacientes remanejados para ambulat�rios. As salas de reanima��o e de tom�grafo tamb�m foram preparadas.
Para atender as v�timas, quatro leitos de CTI adultos foram liberados. Uma enfermaria inteira foi adaptada para se transformar em CTI infantil, com leitos para seis crian�as. Dois hospitais da Rede Fhemig (Funda��o Hospitalar do Estado de Minas Gerais) enviaram monitores para os equipamentos ligados aos pacientes e a Secretaria de Estado de Sa�de (SES) mandou imediatamente 10 monitores novos que estavam em estoque para ser destinados a unidades de sa�de do interior. Acionado o plano, todos os atendimentos programados do hospital, entre eles, cirurgias, foram suspensos.

Corredor de urg�ncia e prioridade a v�timas
Enquanto o hospital se preparava, o Corpo de Bombeiros liberou um corredor de tr�nsito para a passagem das ambul�ncias que traziam pacientes, e, no hospital, isolou o trajeto do heliponto at� a sala de politraumatismo. Oito pediatras aguardavam a chegada da primeira crian�a, vinda de helic�ptero: o menino Gabriel Carvalho de Oliveira, de 5 anos. Em 15 minutos ele estava no bloco cir�rgico, enquanto a aeronave retornava para buscar mais v�timas.

O plano foi desativado 24 horas depois, mas com o Hospital de Pronto-Socorro de sobreaviso para continuar recebendo v�timas. Ao todo, 15 pessoas foram para o Jo�o XXIII, sendo que quatro n�o resistiram (uma adulta e tr�s crian�as). “No s�bado (seguinte � trag�dia), ao preparar o boletim m�dico, o primeiro nome era o do Mateus (Mateus Felipe Rocha Santos, de 5 anos, que havia sido transferido de Montes Claros naquele dia, em estado grave, e n�o resistiu). Lembrei quando o tiramos do helic�ptero, e imaginei as crian�as acuadas naquela sala em chamas. Porque crian�a, diferentemente do adulto, n�o corre se v� a porta aberta. Ela fica retra�da”, conta o m�dico, emocionado. “O que mais nos sensibilizou n�o foi s� o fato de serem queimados, mas de serem crian�as.”
Duas pessoas continuam internadas no Jo�o XXIII: uma crian�a de 5 anos e uma mulher de 42. Para Marcelo Lopes, o trabalho e a resposta no atendimento em um caso como o de Jana�ba atestam a capacidade do maior hospital de trauma da Am�rica latina, e s�o uma garantia aos pacientes de que, se todos est�o sujeitos a situa��es de rotina que podem levar a grandes acidentes, h� um gigante de prontid�o para casos de emerg�ncia: “Em uma unidade deste tamanho, pode estar faltando alguma porta, itens da estrutura e do dia a dia. Mas a experi�ncia da equipe � um diferencial. E recurso para paciente a gente n�o deixa faltar”.
Entenda o Plano de Atendimento a M�ltiplas V�timas
» O plano foi criado para atender situa��es em que se identifique a necessidade de esfor�os extras no Hospital Jo�o XXIII de forma ordenada e planejada
» Principais riscos: acidentes de tr�nsito, viol�ncia urbana, enchentes e desabamentos, acidentes qu�micos e biol�gicos, explos�es de bombas e inc�ndios
» Em caso de cat�strofe, o HPS pode receber at� 80 v�timas – 20% de sua capacidade media habitual (cerca de 400 pacientes)
» O protocolo est� em sua 22ª vers�o, e j� foi acionado 14 vezes, mas a �ltima, da trag�dia de Jana�ba, � considerada um dos grandes testes do plano, diante da concentra��o na chegada de pacientes e da gravidade dos queimados
» O plano prev� tr�s n�veis de gravidade: No primeiro, n�o se altera o fluxo de atendimento habitual do pronto-socorro, adaptando apenas a classifica��o de risco de cat�strofes. No segundo, ocorre a reorganiza��o de fun��es da equipe, mas tamb�m � mantido o fluxo e adaptada a classifica��o. No terceiro, al�m de redirecionamento de fun��es, s�o convocados recursos externos