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Estado de Minas

Israel e Palestina encontram a paz no Mercado Central de BH

Os fortes la�os de amizade entre uma �rabe e um judeu que vivem em Belo Horizonte provam que a uni�o entre os povos � poss�vel. Os amigos defendem o di�logo e a toler�ncia


postado em 14/05/2018 06:00 / atualizado em 14/05/2018 07:32

Amigos há 24 anos, a comerciante palestina Hana Ahmad Khaouli e o médico judeu Selmo Geber compartilham a paixão pela comida e pela família(foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
Amigos h� 24 anos, a comerciante palestina Hana Ahmad Khaouli e o m�dico judeu Selmo Geber compartilham a paix�o pela comida e pela fam�lia (foto: Beto Novaes/EM/DA Press)

Alegria espont�nea, olhares fraternos e hist�rias de longos tempos, num cen�rio que junta a cultura mineira ao sabor da confraterniza��o. Olhando o abra�o carinhoso de Hana Ahmad Khaouli, de 74 anos, palestina mu�ulmana natural de Haifa, e Selmo Geber, de 53, judeu, carioca, criado em Belo Horizonte, imposs�vel n�o ficar emocionado e refletir por alguns segundos sobre a busca de paz no Oriente M�dio, embora haja eternos conflitos nessa terra t�o distante, e em outros cantos do mundo. Na manh� de s�bado, no Mercado Central, na Regi�o Centro-Sul da capital, os dois amigos contaram casos, falaram de comida – paix�o de ambos –, conversaram sobre a fam�lia e tamb�m a respeito dos 70 anos de cria��o do Estado de Israel, que ser�o lembrados hoje, 14 de maio. Se o marco hist�rico desperta comemora��es entre os judeus e protestos no mundo �rabe, de forma alguma interfere nas �timas rela��es entre a comerciante e o m�dico especializado em fertiliza��o in vitro. “Somos todos da mesma ra�a”, avisa a palestina de voz firme.

A loja D’Hana Emp�rio �rabe, no tradicional mercado, tem clientes fi�is e interessados em vasculhar as prateleiras � procura de temperos t�picos, gr�os como a lentilha vermelha, bebidas, azeites e um quibe de ficar na mem�ria e no paladar, claro, por muito tempo. Selmo faz parte da freguesia cativa e revela que, por duas ou tr�s vezes, almo�ou com a fam�lia, sem se incomodar em ficar sentado na escada da loja, na maior intimidade. “Dona Hana � como se fosse uma tia para mim, somos amigos h� mais de 20 anos, para ser exato, h� 24. Num desses almo�os, fez at� carneiro, e nem precisa dizer que estava uma del�cia.”

A frase � a senha para dona Hana explicar como se deu a aproxima��o e se fortaleceram os la�os de afeto. Quando o primeiro neto nasceu, ela logo se encarregou de procurar um m�dico para fazer a circuncis�o no menino, pr�tica comum entre judeus e mu�ulmanos. “Mas queria um m�dico judeu. Eles sabem fazer isso muito bem”, recorda-se a comerciante com seu portugu�s claro, e vestida, para este encontro especial, com uma t�nica (“taft�”, soletra) no tom lil�s e com bordados. Ao ouvir o nome de Selmo, tratou logo de fazer contato. E, a partir da�, mais dois netos passaram pelo mesmo processo nas m�os dele. “Entre os judeus, a circuncis�o � feita no oitavo dia ap�s o nascimento; com os mu�ulmanos, em uma semana a partir dessa data”, explica o m�dico, que � um dos donos da Cl�nica Origen, no Bairro de Lourdes, em BH.

Diante de quibes preparados na hora por Amine, filha de dona Hana, os dois saboreiam hist�rias de seu povo, passeiam pelas trajet�rias particulares e mant�m a confian�a num mundo melhor. “Amo o Brasil, n�o admito que ningu�m fale mal daqui. Belo Horizonte, de forma especial, me acolheu, quando cheguei nesta cidade em 1980”, proclama a comerciante. Formado em medicina na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Selmo concorda plenamente e confessa que quando ouve algu�m criticando o Brasil ou a capital mineira fala de forma direta: “Ent�o, procure outro lugar para viver!”.

TRAJET�RIAS Por v�rias vezes, o rep�rter e o m�dico elogiaram a boa forma de dona Hana e a beleza da sua t�nica, o que fez seus olhos brilharem e os l�bios repetirem agradecimentos. Matriarca de uma fam�lia composta por cinco filhos (uma filha faleceu), 10 netos e dois bisnetos, sendo um residente na Holanda, a comerciante conta um pouco da sua trajet�ria, que come�ou na cidade portu�ria de Haifa. Ao Brasil, chegou h� 46 anos, fugindo da guerra civil no L�bano, onde morava com o marido natural desse pa�s, e trazendo tr�s filhos, um de colo. Os dois �ltimos nasceram em S�o Paulo (SP) e Goi�nia (GO).

A chegada a BH, em 1980, ocorreu de forma inesquec�vel. “Na �poca, n�o havia o aeroporto de Confins, s� o da Pampulha. E tudo estava enfeitado, com tapete vermelho. Era o dia da chegada do papa Jo�o Paulo II. A diferen�a � que desembarcamos �s 19h e ele �s 4h.” Mas logo veio uma decep��o da qual Hana n�o se esquece. “N�o falava nada de portugu�s e me disseram que havia um clube liban�s em Belo Horizonte. Estava me preparando para ir � praia, quando me informaram que a mais pr�xima ficava a 400 quil�metros. Chorei muito. Sou louca pelo mar, pois nasci em Haifa e morei em Sidon, no Sul do L�bano. Por isso mesmo, comprei depois de muito tempo um apartamento em Guarapari (ES).”

Certa de que encontrou aqui a “terra prometida”, dona Hana esbanja vitalidade e coragem ao falar do passado e futuro. “Fiz muitas amizades, desde que tive minha loja no Bairro Floresta. Aqui no Mercado Central, j� estive em outro espa�o e agora estou me preparando para expandir os neg�cios: vou tamb�m para o Mercado da Boca (Jardim Canad�, em Nova Lima, na Grande BH) e Feira dos Produtores, no Bairro Cidade Nova, na Regi�o Nordeste da capital.”

Selmo ouve atentamente cada detalhe e diz que descende, do lado paterno, de judeus poloneses, e, do materno, de judeus de Israel, da cidade de Safed, “um local de muita religiosidade”. Casado duas vezes – da primeira uni�o, tem filhos de 25 e 23, e do segundo um beb� de 10 meses –, o m�dico aproveita a oportunidade para contar um pouco dos prim�rdios dos povos �rabes e judeus, a partir do patriarca Abra�o, da mulher Sarah, que deu origem aos judeus, e da escrava Agar, aos �rabes, al�m de outras passagens b�blicas do Velho Testamento. “Somos povos irm�os”, destaca.

ALEGRIA Novamente, abra�ado com dona Hana, Selmo revela um ponto em comum entre judeus e palestinos. “A alegria de viver. As festas s�o com muita m�sica, dan�a e comida.” A comerciante concorda e elogia as qualidades do amigo, um profissional que trabalha e “faz bem-feito”. E n�o se cont�m: “Ele � da minha ra�a”. Na despedida dessa manh� t�o recheada de amizade e s�mbolo de uni�o, os dois dizem acreditar na toler�ncia e no di�logo como forma de se resolverem os conflitos em Israel entre judeus e palestinos. “A intoler�ncia � bilateral”, resume Selmo. Para a comerciante, o caminho da paz passa pelo entendimento. “N�s estamos aqui no Brasil, o conflito � longe. Tenho muitos amigos e clientes judeus. Ent�o, � preciso buscar a compreens�o”, acredita. 

 

Amor e compreens�o

(foto: Beto Novaes/EM/DA Press - 16/04/2016)
(foto: Beto Novaes/EM/DA Press - 16/04/2016)

Em 16 de abril de 2006, domingo de P�scoa, o Estado de Minas reuniu no alto da Serra do Curral, na Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, duas crian�as e um adolescente para falar sobre a paz no mundo. Segurando um globo terrestre, num contraste com o c�u muito azul daquela manh�, estavam l� Ahmad Khawli, mu�ulmano e Laura Costa Drigo, cat�lica, ambos de 10 anos, e o judeu Daniel Berger, de 15, representando as tr�s maiores religi�es monote�stas do mundo. Em clima de confraterniza��o, o trio falou sobre as chances para a paz e uni�o entre os povos, certos de que n�o dependia de ra�a ou credo, mas sim de amor e compreens�o. Ahmad, neto de Hana Ahmad Khaouli, comerciante palestina e dona de loja no Mercado Central, manifestou seu desejo de estudar direito, o que se concretizou, para satisfa��o de dona Hana, que conta um pouco de sua hist�ria nesta p�gina.

Hist�ria de resist�ncia e �dio m�tuo


Ao longo de d�cadas, o mundo acompanha, sempre com aten��o e sobressaltos, o constante clima de tens�o em Israel, pa�s do Oriente M�dio, que completa 70 anos de cria��o. Em 18 de abril, a partir do p�r do sol, os judeus deram in�cio �s comemora��es, pois seguem o calend�rio pr�prio, bem diferente do gregoriano e baseado em ciclos da Lua. As celebra��es foram antecedidas pelo Yom Hazikaron (Dia em Mem�ria dos Soldados Ca�dos de Israel), homenagem aos militares que morreram no conflito �rabe-israelense, em 1948, e �s v�timas de terrorismo.Nos �ltimos dias, bastou ler os jornais ou ligar a televis�o para ver novos conflitos entre judeus e palestinos. Ser� que tudo isso um dia vai ter fim? “A paz � poss�vel, mas pouco prov�vel”, responde o professor Jorge Lasmar, de rela��es internacionais da PUC Minas, e autor do livro Oriente M�dio. Na avalia��o dele, trata-se de um processo lento e demorado, que envolve muitas negocia��es e esbarra na resist�ncia de ambos os lados e no �dio m�tuo. “Basta lembrar que no Muro das Lamenta��es, em Jerusal�m, ningu�m pode entrar com s�mbolos religiosos.”

Entre os maiores conflitos na regi�o, entre �rabes e judeus, est�o a Guerra dos Seis Dias (1967); o Yom Kippur, assim denominada por ter se iniciado justamente nas comemora��es desse feriado, um dos mais importantes dos judeus; a Intifada, por parte dos palestinos, com uso de armas rudimentares, como paus e pedras. O professor destaca as desigualdades entre judeus e palestinos, tendo em vista o desenvolvimento econ�mico e poderio b�lico de Israel.

Para compreender melhor tudo isso, � preciso saber que a hist�ria do povo judeu, que passou 2 mil anos sem ter um territ�rio fixo, come�ou a mudar no fim do s�culo 19, quando milhares deles retornaram ao antigo reino de Israel (ent�o territ�rio da Palestina), em um movimento conhecido como sionismo. No entanto, o territ�rio era ocupado por �rabes. Com a chegada dos judeus � regi�o, em ondas migrat�rias que se prolongaram at� o final dos anos 1930, deu-se in�cio a um per�odo de muitos conflitos entre judeus e palestinos. Com a ascens�o do nazismo na mesma d�cada, houve um grande fluxo de judeus para a regi�o, fugidos do Holocausto, que exterminou cerca de 6 milh�es de judeus.

BRASILEIRO Em 1947, a Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) decidiu criar o Estado de Israel, dividindo o territ�rio da Palestina, que estava sob mando brit�nico na �poca, em dois. O advogado e diplomata brasileiro Oswaldo Aranha (1894-1960), ent�o presidente da Assembleia Geral da ONU, foi quem anunciou a aprova��o da Resolu��o 181, que decretava a formaliza��o de Israel.

Se os judeus ficaram satisfeitos com a proposta, os palestinos a repudiaram. Em 1948, logo ap�s a declara��o de independ�ncia de Israel, come�ou o conflito conhecido pelos judeus como a Guerra da Independ�ncia; e pelos palestinos como a Cat�strofe (Nakba), pois milhares deles tiveram que fugir ou foram expulsos de suas casas. O conflito acabou em 1949, ap�s um cessar-fogo.

Apesar dos conflitos que fazem parte da hist�ria e do cotidiano da regi�o, Israel conseguiu se estabelecer como uma democracia est�vel, tem a economia mais desenvolvida da regi�o. “O Brasil � um grande parceiro econ�mico de Israel, fazendo importa��es em torno de 20% desse pa�s”, diz o professor Jorge Lasmar. 


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