
Negra e pobre, a mineira passou por duas fam�lias adotivas. Logo cedo, aprendeu a lutar contra o racismo e o preconceito, al�m de superar os obst�culos da vida. Ela conta que, para sobreviver, j� catou latinhas, vendeu cigarros e vela em porta de cemit�rio, e, por fim, passou em um concurso para gari, que acabou sendo anulado. Com 18 anos, deixou a quente Manga e morou em Bras�lia (DF) e em outras cidades brasileiras. Tamb�m j� viveu uma experi�ncia na �frica.
As dificuldades, Alline afirma que encarou j� na inf�ncia. “Desde muito cedo fazia troca de alimentos com o povo de Manga. Com 8 anos, vendia vela na porta do cemit�rio da cidade”, relembrou a emigrante, em entrevista ao Estado de Minas. Ainda na cidade natal, revela que chegou a catar latinhas para sobreviver.
Ao atingir a maioridade, conta, fez um concurso p�blico para gari na Prefeitura de Juven�lia (a 80 quil�metros de sua terra natal, tamb�m no Norte de Minas). Foi aprovada em primeiro lugar, mas no dia de tomar posse ficou sabendo que o concurso tinha sido contestado na Justi�a.
Naquele momento, ela decidiu deixa a regi�o para tentar a sorte em Bras�lia, onde trabalhou como faxineira, bab� e tamb�m como auxiliar de servi�os gerais em um quartel da Pol�cia Militar (PM), ap�s aprova��o em processo seletivo. Depois, passou a morar em Paraty, litoral Sul do Rio de Janeiro, onde trabalhou como gar�onete, e continuou a encarar a dureza. “De dia, vendia doces. Depois do trabalho, quando o bar fechava, vendia cigarros”, relata.

AMPLIANDO O HORIZONTE Em 2014, ela ganhou uma bolsa em um programa de interc�mbio do governo brasileiro e passou um per�odo em Mo�ambique, na �frica, onde colaborou com um projeto de alfabetiza��o de 100 crian�as. “(A experi�ncia) mudou meu rumo e ampliou meus horizontes, com o conhecimento pr�tico de uma mulher negra viajando sozinha”, descreve.
Apesar de n�o ter diploma superior, isso n�o significa que nunca teve contato com as universidades. Alline conta que passou em vestibulares em duas universidades brasileiras renomadas. A primeira foi a de Bras�lia (Unb), onde foi aprovada pelo sistema de cotas para o curso de gest�o de agroneg�cios, mas acabou n�o se interessando e n�o chegou a fazer a matr�cula.
Depois, foi aprovada para o curso de licenciatura em geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Eu s� assisti a um dia de aula”, lembra. Mas, nesse caso, existia o pleno interesse de Alline em fazer o curso. O motivo da desist�ncia foi a sua pr�pria condi��o de vida. “Estava lutando pela minha sobreviv�ncia. Tive que escolher entre estudar ou sobreviver. Preferi sobreviver”, acentua.
Diferen�as gigantescas
A emigrante mineira Alline Pereira explica que trabalha como faxineira em Nova York, nos Estados Unidos, por op��o: “Foi uma escolha que fiz para este momento. O servi�o de faxina aqui � muito mais valorizado. Faxineira ganha tanto quanto um m�dico”, disse. “Acordo �s 7h, pego trem, volto para casa �s 17h. Tenho disposi��o para ler, escrever e viver uma vida social. No Brasil, as faxineiras acordam �s 5h para ir ao trabalho, pegam �nibus e chegam em casa �s 19h. Chegam cansadas e o seu sal�rio est� muito distante do sal�rio de um m�dico”, compara. “Fazer faxina � uma intelectualidade. Quando entro numa casa h� toda uma ordem e sequ�ncia para realizar o servi�o. Aqui n�o � igual ao regime do Brasil, que ainda � escravocrata. Aqui, uma faxineira ganha o mesmo sal�rio que a classe m�dia”, reitera.
As dificuldades ao longo da vida n�o a impediram em nada de ser uma mulher culta e adepta das leituras. “A vida foi a minha universidade: eu, sem curso superior, sem nada, adquiri todas essas informa��es. Aprendo e pesquiso muito. Minha constru��o identit�ria � baseada no que aprendi lendo os autores acad�micos Angela Davis e Frantz Fanon”, relembra. “Com Angela Davis, em Mulheres, ra�a e classe, identifiquei que em todo esse processo da constru��o de minha identidade, g�nero, ra�a e classe sempre caminharam juntos. Sou mulher negra e pobre. Com Frantz Fanon, no livro Peles negras, m�scaras brancas, de uma forma muito radical, eu me descolonizei, modifiquei totalmente o meu ser, me libertei”, relata Alline, que tamb�m pretende lan�ar um livro sobre a sua experi�ncia de vida.
Ela afirma que pretende, durante a palestra na Cuny, focalizar a sua luta como ativista contra o preconceito em defesa dos direitos das mulheres. “Vou enfatizar meu ativismo, no sentido amplo, como enfrentei sistemas interligados de opress�o, que instrumentos utilizei (incluindo ideias, conceitos e teorias), com quem articulei e lutou comigo. Que pessoas, comunidades, institui��es me deram – ou negaram– oportunidades e como minha luta se integrou ou integra �s outras lutas para transforma��o social. E, talvez mais importante, mostrar como aprendi a “ler o mundo”, como dizia Paulo Freire (educador brasileiro).”