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Estado de Minas

Uso abusivo de Ritalina para aumentar concentra��o � perigo para a sa�de

Medicamento para tratamento de TDHA tem sido utilizado por estudantes. Pesquisa aponta que 3% a 6% da popula��o mundial usa psicoestimulantes


postado em 22/07/2018 06:00 / atualizado em 26/07/2018 11:45

Bruno*, que começou a tomar o remédio de forma indiscriminada na faculdade, entrou num quadro agudo de depressão (foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Bruno*, que come�ou a tomar o rem�dio de forma indiscriminada na faculdade, entrou num quadro agudo de depress�o (foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
 

Foram seis meses usando Ritalina, conhecida como a “p�lula da intelig�ncia”. Era o fim da gradua��o e Bruno* precisava se concentrar e ter foco para fazer os trabalhos de conclus�o de curso e carimbar a formatura. Seguiu os passos de uma amiga e passou a usar o rem�dio de forma indiscriminada e indevida. Mas, o est�mulo se transformou em torpor e o professor, hoje com 31 anos, viu sua vida se arrastar para o fundo do po�o, num quadro agudo de depress�o. “A faculdade � muito dif�cil e queremos nos sair bem de qualquer maneira. O medicamento fazia efeito, pois n�o pensava em mais nada, s� no que precisava fazer, ou seja, estudar. N�o pensava nem sequer que devia comer. � como se estivesse morto naquilo ali. Ela tolhe a puls�o da sua vida”, conta.


Estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, mostra que 3% a 6% da popula��o mundial usa psicoestimulantes para trazer mais concentra��o nos estudos e aumentar o desempenho na escola, na faculdade ou em concursos. Esses medicamentos s�o indicados para melhorar a cogni��o de pacientes diagnosticados com transtorno de d�ficit de aten��o e hiperatividade (TDAH) – Ritalina, Concerta e Venvanse s�o os mais populares. Entre os adolescentes, at� um ter�o deles toma a droga como propulsor cognitivo ou para uso recreativo. Profissionais da sa�de alertam: sem indica��o cl�nica, o uso abusivo pode ser nefasto.

O psiquiatra Renato Ara�jo destaca que o uso indevido desse tipo de medicamento ocorre em todas as faixas de idade. Na inf�ncia, os pr�prios pais s�o os respons�veis por dar o rem�dio aos filhos, na expectativa de um rendimento escolar satisfat�rio. Adolescentes e jovens usam para melhorar o desempenho na escola ou na faculdade e tamb�m em festas e baladas. Adultos apelam para a Ritalina para melhorar a performance em cursinhos e concursos. Para essas pessoas que n�o t�m o TDAH, a expectativa � de que o rem�dio desempenhe o mesmo papel no corpo saud�vel, fazendo “bombar” a capacidade de estudar. Renato Ara�jo, diretor da Cl�nica Mangabeiras, na Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, e especialista em neuromodula��o, afirma que a p�lula da intelig�ncia n�o produz efeitos nesses casos ou �, no m�nimo, question�vel. “Esses medicamentos usados em pessoas saud�veis melhoram a intelig�ncia, a cogni��o do paciente, a ponto de irem melhor em estudo ou concurso? � como se fosse uma bomba muscular. Estudos modernos mostraram que n�o h� efic�cia comprovada de que melhoraram o desempenho em pessoas sem a doen�a. � mais uma sensa��o subjetiva”, afirma.

O m�dico explica que o TDAH � normalmente identificado na inf�ncia ou, tardiamente, em quem n�o teve o diagn�stico precoce ou � portador de uma forma leve da doen�a. O paciente apresenta dificuldades em tr�s esferas em maior ou menor grau: hiperatividade (crian�a agitada, inquieta, n�o consegue ficar parada em lugar algum), impulsividade (por causa disso, pode at� ser agressiva) e desaten��o (a crian�a fica “no mundo da lua” e n�o consegue ter a aten��o sustentada). De acordo com o psiquiatra, meninos costumam apresentar o subtipo hiperativo e meninas, o desatento. Al�m desse, h� o subtipo combinado, com todas as caracter�sticas. “H� outros sinais, como dificuldade em aprendizado e na motricidade fina, associada � dislexia. A resposta em crian�as e adultos que tratam o TDAH � muito boa � medica��o. Quando bem indicada, pode trazer benef�cios diversos”, diz. O rem�dio pode ser associado ainda ao tratamento de pacientes com quadro grave de depress�o, para melhorar a energia.

"Voc� n�o consegue nem mais ler os textos. A�, sai dali para ir ao psiquiatra e tomar antidepressivo. � um c�rculo muito perverso"

Bruno*, 31 anos, professor



Mas, mesmo em pessoas com diagn�stico positivo para a enfermidade, podem ocorrer efeitos colaterais: ins�nia, falta de apetite, perda de peso e irritabilidade. Algumas crian�as ficam ainda mais agitadas e indiv�duos com propens�o psiqui�trica podem desenvolver quadros psic�ticos, ressalta o m�dico. Quem usa sem necessidade pode, al�m desse quadro, criar depend�ncia qu�mica. “Os psicoestimulantes t�m baixo potencial de depend�ncia, mas quando ingeridos de maneira abusiva e sem prescri��o m�dica, em doses cada vez maiores, causam a necessidade de uso constante. Em doses altas, pode dar euforia e sensa��o de prazer. Pode ser usado como uma coca�na. H� pacientes, inclusive, que quebram a medica��o para cheir�-la”, relata o psiquiatra.

MERCADO PARALELO
No consult�rio, ele diz que � comum receber pais � procura do medicamento por causa do baixo rendimento escolar dos filhos. “Na consulta, percebemos outros quadros. �s vezes, a ansiedade � dos pr�prios pais. No caso de concurseiros, muitos falam abertamente que querem o rem�dio para estudar”, diz. H� ainda quem simule sintomas da TDAH para conseguir a receita especial do rem�dio tarja preta (venda controlada) e quem compre diretamente com pacientes. O estudo de Harvard revela que 25% de adolescentes com o transtorno de hiperatividade e d�ficit de aten��o vendem a medica��o, fomentando, assim, um mercado paralelo e perigoso. A experi�ncia do m�dico Renato Ara�jo n�o o deixa mentir: nos �ltimos anos, tem aumentado o uso indiscriminado de psicoestimulantes. “A competi��o tem ficado cada vez maior e precoce. H� um componente importante da nossa sociedade atualmente, de que tudo tem que dar resultado.”

Medicamento para TDHA vem sendo cada vez mais usado para aumentar concentração nos estudos, mas de forma abusiva representa riscos à saúde(foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
Medicamento para TDHA vem sendo cada vez mais usado para aumentar concentra��o nos estudos, mas de forma abusiva representa riscos � sa�de (foto: Beto Novaes/EM/DA Press)


O Minist�rio da Sa�de e nem a Secretaria de Estado de Sa�de t�m a dimens�o do consumo de metilfenidato, o princ�pio ativo que d� nome aos psicoestimulantes, uma vez que ele n�o faz parte da Rela��o Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) do Sistema �nico de Sa�de (SUS). De acordo com o minist�rio, alguns estados e munic�pios inclu�ram a subst�ncia na rela��o local e fazem a distribui��o. “Sendo assim, a pasta publicou recomenda��es para que todos os gestores locais elaborem protocolos cl�nicos e diretrizes terap�uticas para controlar, de forma mais efetiva e eficiente, o uso desse rem�dio, que pode desencadear efeitos colaterais”, informou, por meio de nota. Em Minas, n�o h� distribui��o pelo sistema p�blico. (*) Nome fict�cio

 

Consumo alarmante

 

O Brasil desconhece o tamanho do problema relacionado ao mau uso de rem�dios com indica��o para tratar transtorno de d�ficit de aten��o e hiperatividade (TDAH). A Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) n�o tem o dado consolidado com a evolu��o das vendas de metilfenidato, princ�pio ativo desses medicamentos. Por ser uma subst�ncia controlada, todas as vendas no varejo farmac�utico s�o informadas para a ag�ncia – ela s� � comercializada mediante apresenta��o de receita m�dica. Mas, a Anvisa informa que isso n�o exclui a oferta do medicamento de forma irregular em lugares fora das drogarias autorizadas. “Por�m, os usu�rios devem ter bastante cautela com esse tipo de produto, pois n�o h� nenhuma garantia de sua origem e composi��o”, afirmou, por meio de nota.

Ins�nia, falta de apetite, perda de peso e irritabilidade. Algumas crian�as ficam ainda mais agitadas e indiv�duos com propens�o psiqui�trica podem desenvolver quadros psic�ticos.

Sem estat�sticas oficiais, a percep��o fica por conta de quem est� nos consult�rios atendendo quem toma irregularmente os medicamentos esperando melhorar o desempenho acad�mico. A conselheira e coordenadora da Comiss�o de Psicologia Escolar e Educacional do Conselho Regional de Psicologia, Stela Maris Bretas Souza, classifica como “alarmante” a quantidade de metilfenidato – o princ�pio ativo dos populares Ritalina, Concerta e Venvanse – consumida no Brasil. “Geralmente, � indicado para crian�as com comportamento muito agitado ou desatentas para ver se, controlando a agita��o e melhorando a aten��o, consequentemente, melhora o desempenho escolar. O medicamento ajuda a impulsionar foco e aten��o, fazendo o menino ficar mais centrado e, logo, com desempenho mais desej�vel”, diz Stela.

Mesmo diante de indica��o cl�nica, a psic�loga questiona a prescri��o: “N�o h� comprova��o cient�fica da hiperatividade enquanto doen�a”, afirma. Ela relata conhecer v�rios casos de pessoas que se preparam para fazer concurso p�blico e que conseguem receita para a compra do rem�dio, na expectativa de se concentrar mais para render mais. “A que pre�o? Que pre�o estamos pagando com o uso indiscriminado da medica��o?”, questiona.

� o pre�o que Bruno diz n�o querer mais pagar. Diante do psiquiatra, simulava sintomas pr�prios de TDAH para obter a receita. “O fato de o rem�dio dar o foco n�o significa ter atividade social normal. Pelo contr�rio. � altamente prejudicial. Quando ativamos o c�rebro para falar de v�rios assuntos, o organizamos para pensar. A Ritalina diminui essa m�ltipla aten��o. A pessoa fica boba, mata o desejo ligado a essa hiperatividade. Fica concentrada em determinado assunto e n�o pensa em mais nada”, conta.

Depois de usar o medicamento por longo per�odo, o professor entrou em depress�o, teve s�ndrome do p�nico e ficou inseguro. O �pice veio quando um dia, num m�s de julho, ele largou os livros na mesa e entrou no chafariz da universidade onde estudava, em Belo Horizonte. “Pensei que nada fazia sentido, queria me sentir vivo. Os guardas me levaram, torci a roupa e voltei para estudar”, lembra. Dali, ele foi encaminhado ao servi�o de psicologia da universidade, onde encontrou apoio para reverter o quadro.

“Tinha dificuldade de estudar, mas era uma quest�o de foco, concentra��o e objetivo e n�o de doen�a. As pessoas veem falta de foco como transtorno de d�ficit de aten��o e hiperatividade. Isso n�o � uma enfermidade. � disciplina que voc� p�e em sua vida. Mas, para facilitar, muita gente quer um rem�dio. Estamos numa �poca de medicaliza��o de tudo”, diz. “S�o pais que trabalham, n�o d�o conta da educa��o dos filhos e d�o Ritalina �s crian�as. N�o conseguem ver por que o menino est� sem foco, se est� dormindo na hora certa, por exemplo. � uma indisciplina que compromete a educa��o”, avalia. Bruno conta que, em determinado momento, al�m da depend�ncia, passa o suposto efeito da intelig�ncia. “Voc� n�o consegue nem mais ler os textos. A�, sai dali para ir ao psiquiatra e tomar antidepressivo. � um c�rculo muito perverso.”

Por meio de nota, o laborat�rio Novartis, que produz os comprimidos com o nome comercial de ritalina, informou que n�o endossa o uso de seus produtos fora das especifica��es de seus respectivos registros e promove apenas o uso aprovado em bula de seus medicamentos. "A Novartis repudia veementemente o uso indevido do cloridrato de metilfenidato e enfatiza que o medicamento deve ser usado somente conforme as indica��es em bula e mediante a prescri��o de um m�dico especializado", afirma o texto. "A seguran�a dos tratamentos e a sa�de das pessoas s�o premissas fundamentais para a Novartis. A empresa acredita que � preciso apoiar o fortalecimento do respeito � prescri��o m�dica e a ades�o ao tratamento designado pelo profissional da sa�de", conclui.

 

(foto: Quinho/Arte EM)
(foto: Quinho/Arte EM)
 

RITALINA

 

O QUE � Assim como concerta e venvanse, a ritalina � um psicoestimulante indicado para melhorar a cogni��o de pacientes diagnosticados com Transtorno de D�ficit de Aten��o e Hiperatividade (TDAH). Feitos � base de derivados da anfetamina, esses medicamentos atuam aumentando os n�veis de dopamina em importantes regi�es cerebrais. Ajusta foco e aten��o para, nos casos de diagn�stico positivo para a doen�a, melhorar o desempenho escolar. Pode ser associado ainda ao tratamento de pacientes com quadro grave de depress�o, para melhorar a energia.


USO IRREGULAR Estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, mostra que 3% a 6% da popula��o usa psicoestimulantes para outro fim: trazer mais concentra��o nos estudos e aumentar o desempenho na escola, na faculdade ou em concursos. Entre adolescentes, essa propor��o chega a 35%. Grande parte de quem n�o tem indica��o cl�nica compra o medicamento de pacientes com TDAH, criando um mercado paralelo.


EFEITOS COLATERAIS Ins�nia, falta de apetite, perda de peso e irritabilidade. Algumas crian�as ficam ainda mais agitadas e indiv�duos com propens�o psiqui�trica podem desenvolver quadros psic�ticos. Pessoas que usam sem necessidade podem, al�m de ter as rea��es pr�prias do medicamento, ficar dependente da droga.


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