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Estado de Minas

Crescem casos de atrito entre alunos e pais com professores

Especialistas apontam di�logo entre estudantes, docentes e familiares como op��o no processo educacional


postado em 05/03/2018 06:00 / atualizado em 05/03/2018 08:35

A pedagoga e psicóloga Flávia Fialho lembra que o processo de educação tira
A pedagoga e psic�loga Fl�via Fialho lembra que o processo de educa��o tira "a pessoa da zona de conforto" (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Ignorando o comando da professora para que guardasse o telefone celular, o aluno do 8o ano continuou �s gargalhadas com os colegas exibindo o conte�do das redes sociais. Repreendido mais de uma vez, recusou-se a dirigir-se � coordena��o da escola at� que fosse chamado o seguran�a para “escolt�-lo”. Aos berros, amea�ou a professora, que passou a viver intensa crise de ansiedade a cada retorno � sala de aula.

A hist�ria se passou em 2017 numa escola p�blica do interior de Minas. Mas como esta, todos os dias, in�meras outras, n�o apenas em escolas p�blicas como igualmente nas privadas, apontam para a rela��o conflituosa e tensa entre alunos e professores, numa era em que a autoridade de quem ensina est� longe de ser acatada sem questionamento. No mais recente epis�dio em Recife, a fam�lia de uma aluna que conversava em sala, acionou o Conselho Tutelar e o Minist�rio P�blico contra o docente que a mudou de lugar. Depois de ser inocentado, o professor buscou na Justi�a a indeniza��o pelo sofrimento que o caso lhe rendeu.

De caso em caso, � assim que a m�e, logo no segundo dia de aula de 2017, vestindo saia comprida para esconder as canelas roxas dos chutes que levava da filha de 10 anos que n�o podia ser contrariada, foi tirar satisfa��es com a professora da escola particular de classe m�dia de Belo Horizonte. A m�e queria deixar claro que n�o ficara satisfeita com a sinaliza��o de limites apresentados � menina, que deveria ser tratada como “cliente” ao estilo demandas atendidas ou o dinheiro de volta.

“Quando o aluno se coloca como cliente, h� invers�o na hierarquia: o professor passa a ser prestador de servi�o. E um prestador de servi�o n�o educa, n�o frustra, n�o exige nem demanda esfor�o. O processo de educa��o tira a pessoa da zona de conforto. E � preciso aprender a lidar com essa dor, pois � ela que nos torna resilientes”, considera Fl�via Fialho, pedagoga e psic�loga educacional do Col�gio Santo Ant�nio.

Mas se do lado dos professores a reclama��o da falta de limites dos pupilos e desqualifica��o da autoridade da escola e docentes pelas pr�prias fam�lias � recorrente; as queixas s�o igualmente intensas por parte dos estudantes. “Eles n�o se sentem reconhecidos como sujeitos de um corpo, sujeitos de uma voz, quando n�o s�o discriminados por sua origem e ou por dificuldade de aprendizagem”, considera Juarez Dayrell, pesquisador e professor da P�s-Gradua��o da Faculdade de Educa��o e membro do Observat�rio da Juventude, n�cleo de ensino , pesquisa e extens�o da UFMG.

Foi assim que certo aluno da escola p�blica, premiado em olimp�adas de matem�tica, acabara de perder os pais e, vivendo com o irm�o da m�e, surpreendera-se numa manh� com nova e dram�tica perda: o corpo do tio assassinado estava atravessado na sala da casa. Profundamente triste, quando uma semana depois finalmente o jovem conseguiu retornar � escola, foi duramente repreendido por ter estado ausente.

Sem sequer ter tido as suas raz�es indagadas, ao afastar bruscamente a m�o da coordenadora, o aluno protagonizou mais um drama que empurraria a sua vida para um novo fosso: o l�pis que carregava atingiu o olho daquela que o inqueria. “Esta � a faceta do problema que aponta para uma escola que escuta pouco, que desconsidera a interlocu��o com os alunos, n�o lhes atribuindo espa�o para emitir opini�o e falar de sua pr�pria vida”, avalia Juarez Dayrell.

Escola, professores, alunos, fam�lia, todos atores envolvidos no processo educacional, que deve estar, segundo a psic�loga educacional Fl�via Fialho, fortemente comprometido n�o s� com o aprendizado de conte�do formal, mas com a socializa��o da crian�a e a forma��o de um cidad�o. “H� alunos que desobedecem e que agridem. H� professores que n�o respeitam as diferen�as e diversidade entre os seus alunos. Al�m disso, temos fam�lias que s� ouvem os filhos e deslegitimam as considera��es dos professores. E, nas escolas p�blicas, que seriam utopias de inclus�o, ainda temos enormes car�ncias de estrutura e falta de profissionais como psic�logos”, assinala M�rio de Assis, da Federa��o das Associa��es, Pais e Alunos, das Escolas P�blicas de Minas Gerais.

Autoridade tem de ser constru�da

Pesquisador e professor universitário, afirma que é preciso a participação de todos, alunos, pais, docentes e educadores para dar sentido às regras que são partilhadas(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Pesquisador e professor universit�rio, afirma que � preciso a participa��o de todos, alunos, pais, docentes e educadores para dar sentido �s regras que s�o partilhadas (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

A quem apontar o dedo pela tens�o e conflitos de uma rela��o t�o complexo? “N�o podemos cair na armadilha de buscar culpados. S�o os professores, os alunos, a fam�lia? Enquanto buscamos culpa entre esses atores, corremos em c�rculo. A autoridade na escola precisa ser constru�da, com a participa��o de alunos, professores, familiares, funcion�rios, dando sentido �s regras partilhadas e aos limites, deveres e direitos de cada um”, assinala o pesquisador e professor da P�s-Gradua��o da Faculdade de Educa��o e membro do Observat�rio da Juventude, n�cleo de ensino, pesquisa e extens�o da UFMG, Juarez Dayrell.

E a autoridade � mais uma vari�vel, de um conjunto de conflitos intergeracionais. “H� quatro d�cadas, a autoridade era dada pela fun��o desempenhada em certas atividades. Assim, o fato de ser professor, independentemente de ser bom ou n�o, j� conferia autoridade. Para as novas gera��es, a autoridade � constru�da no dia a dia. N�o est� dada”, considera Dayrell, lembrando que qualquer rela��o humana traz conflito, que n�o � necessariamente algo negativo, j� que, ao super�-lo, se torna fator de crescimento.

Opini�o semelhante manifesta Eliane Vilassanti, coordenadora de projetos especiais da Diretoria de Pol�ticas intersetoriais da Secretaria Municipal de Educa��o de Belo Horizonte, doutora especializada na configura��o do clima escolar nas escolas p�blicas: “Conflitos escolares sempre ocorreram ao longo da hist�ria da educa��o escolar. O modelo de autoridade do professor foi ressignificado”, considera.

“Estamos em permanente e intenso processo de transforma��o social com o avan�o das comunica��es e tecnologias.A rela��o pedag�gica exige a autoridade do professor para orientar os processos de exerc�cios e comportamento. Mas essa autoridade, se antes era dada pelo cargo, deve hoje ser conquistada na rela��o cotidiana”, diz Vilassanti, lembrando que essas quest�es geracionais s�o ainda mais desafiantes quando se lida com adolescentes, que precisam do afastamento da autoridade do adulto para que testem a sua autonomia. “Por isso, no terceiro ciclo, do ensino fundamental e do ensino m�dio, as ocorr�ncias de conflitos s�o maiores”, diz ela.

A escola � deposit�ria de vidas em forma��o, que para l� transportam os dados de sua realidade e de seu contexto de vida, avalia Juarez Dayrell. Nesse sentido, esse espa�o social da diversidade reproduz as tens�es, desigualdades e as contradi��es da sociedade. Segundo as estat�sticas da Guarda Municipal de Belo Horizonte, entre janeiro de 2015 e janeiro de 2018, foram registradas nas 174 escolas p�blicas da capital mineira 1.946 ocorr�ncias, entre as quais, 132 por desacato, (6,8%), 190 (9,8%) por pertuba��o do trabalho ou sossego alheio, 384 por amea�as (19,7%) e 573 (29,4%) por chegarem �s vias de fato, seja com colegas ou com professores.

A articula��o entre escola, fam�lias e alunos em uma inst�ncia de poder no interior das escolas – os colegiados – s�o, na avalia��o do pesquisador Juarez Dayrell o espa�o apropriado para a constru��o do di�logo em torno do projeto pedag�gico, a constru��o da autoridade e a supera��o dos conflitos. “� nesse espa�o aut�nomo, com a participa��o e representa��o de todos os atores, que idealmente os conflitos e impasses podem ser resolvidos”, assinala, considerando que, na maioria das vezes, a judicializa��o dos conflitos � uma demonstra��o na falta de confian�a na capacidade da institui��o de ensino em resolv�-los.

Ensino m�dio

� no ensino m�dio onde est�o os maiores �ndices de evas�o escolar e repet�ncia. Segundo dados do Censo Escolar, nos primeiros anos do Ensino Fundamental a evas�o escolar em Minas Gerais � baixa, em torno de 0,3%; salta para em torno de 3% nos anos finais do Ensino Fundamental; e para quase 8% no Ensino M�dio. Tamb�m as taxas de reprova��o sobem de 7,4% no Ensino Fundamental para 13% no Ensino M�dio. Al�m disso, tanto na escola p�blica quanto na particular, o desempenho de alunos no �ndice de Desenvolvimento da Educa��o B�sica (Ideb) chega a cair, em m�dia, entre 40% e 60% entre os primeiros anos do ensino fundamental e os �ltimos do Ensino M�dio.

Espa�o para media��o


Superar os conflitos escolares depende da constru��o de espa�os de media��o nas escolas, que permitam ampliar o sentimento pertencimento de alunos, ou seja, o sentimento de que fazem parte de um coletivo em rela��o ao qual t�m direitos e deveres, responsabilidades e podem contribuir. Segundo Eliane Vilassanti, coordenadora de projetos especiais da Diretoria de Pol�ticas Intersetoriais da Secretaria Municipal de Educa��o de Belo Horizonte, um dos projetos estrat�gicos da Prefeitura de Belo Horizonte trata da implementa��o de um plano de seguran�a escolar e da implanta��o de uma c�mara de media��o de conflitos nos colegiados. “H� uma linha t�nue entre a indisciplina e o ato infracional. Estamos apostando que a escola aprenda por pr�ticas restaurativas a resolver os pr�prios conflitos, judicializando apenas os casos graves”, explica Vilassanti.

Fruto do Termo de Coopera��o T�cnica entre Estado de Minas Gerais, munic�pio de Belo Horizonte, Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG), Tribunal de Justi�a de Minas Gerais (TJMG) e Faculdade de Direito da UFMG, foi lan�ado na semana passada um novo programa que representa mudan�a de paradigma no tratamento dos conflitos e casos de viol�ncia verificados nas escolas. Elaborado com base nos preceitos da justi�a restaurativa, o programa – batizado de N�s – pretende solucionar conflitos de comportamento no �mbito escolar envolvendo infrator, v�tima e comunidade, como alternativa ao encaminhamento � Justi�a. Para isso, ser�o implantados N�cleos de Orienta��o e Solu��o de Conflitos Escolares (N�s) ou espa�os correlatos nas escolas municipais e estaduais da rede p�blica de ensino, al�m de capacitados seus integrantes.

A nova forma de tratar os conflitos registrados no ambiente escolar depender� da instala��o de n�cleos integrados por representantes da comunidade escolar, indicados pelas diretorias das escolas, entre professores, supervisores, auxiliares, pais, alunos, ex-alunos, entre outras pessoas relacionadas � rotina de cada escola. Inicialmente, cinco integrantes de cada escola receber�o a capacita��o, com previs�o de atendimento de 120 escolas estaduais e de 120 escolas municipais de Belo Horizonte. “Propomos que a pr�pria escola promova o di�logo e atue diante dos conflitos que possam ocorrer nos seus espa�os, evitando, sempre que poss�vel, o encaminhamento � Justi�a com solu��es que muitas vezes n�o atendem ao interesse daquela comunidade”, afirma o promotor de Justi�a da Inf�ncia e da Juventude de Belo Horizonte M�rcio Rog�rio de Oliveira.

 

 

 

 

 


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