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Estado de Minas

A era dos rol�s: antigas tribos urbanas rompem barreiras e se misturam

Loteamento de territ�rios da cidade, que j� deu a t�nica de grupos unidos por aspectos como roupas ou estilo musical, ficou no passado: hoje, barreiras s�o fluidas e ''galeras'' se misturam


postado em 03/09/2018 07:00 / atualizado em 03/09/2018 08:35

Rodrigo de Castro Silva, de 16 anps. faz parte de vários grupos e é apaixonado por cultura nerd(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A )
Rodrigo de Castro Silva, de 16 anps. faz parte de v�rios grupos e � apaixonado por cultura nerd (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A )
Os dicion�rios s�o pontuais ao definir o significado de “tribo”: sociedade humana rudimentarmente organizada; grupo de pessoas que descendem do mesmo povo ou que partilha interesses, gostos, rela��es de amizade. Essa palavra de cinco letras, ao longo do tempo, ajudou a classificar in�meros grupos que surgiram especialmente desde os anos 1960, com a efervesc�ncia da contracultura, passando pelos yuppies na d�cada de 1980, at� meados dos anos 2000, quando era f�cil “bater o olho’’ e identificar quem fazia parte do grupo urbano dos rockeiros, dos nerds, dos clubbers, dos skinheads, dos punks, dos emos, do hip-hop e de outras classifica��es socialmente delimitadas. E continuam se reunindo nelas, embora os limites que os separem estejam a cada dia mais fluidos em tempos de uma sociedade que cada vez mais se organiza em redes.

A express�o “tribo urbana” foi criada pelo soci�logo franc�s Michel Maffesoli, em 1985, para nomear grupos que muito antes disso j� compartilhavam h�bitos, valores culturais, estilos musicais e ideologias pol�ticas. O termo ganhou for�a depois da publica��o do livro O tempo das tribos: O decl�nio do individualismo nas sociedades de massa. Segundo Maffesoli, o fen�meno se constitui nas “diversas redes, grupos de afinidades e de interesse, la�os de vizinhan�a que estruturam nossas megal�poles”. A historiadora Regina Alves da Silva, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que na capital mineira n�o foi diferente: “Tudo come�ou com as turmas de bairros e de escolas. Como ainda n�o havia internet, as pessoas se agrupavam conforme o local onde moravam. As rela��es entre vizinhos eram muito mais pr�ximas, assim como a rivalidade entre turmas de bairros”.

Al�m delas, muitas turmas se formaram. Uma delas composta por uma esp�cie de elite intelectual, que mal amanhecia j� perambulava pelas ruas da Bahia, Caet�s, Curitiba e Oiapoque, todas no Centro da capital mineira. Escritores que se tornariam famosos, como Fernando Sabino (1923-2004), H�lio Pellegrino (1924-1988), Paulo Mendes Campos (1922-1991) e Otto Lara Resende (1922-1992), e antes deles Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Pedro Nava (1903-1984) formaram uma trupe que deixou suas impress�es, hoje traduzidas em est�tuas, em diferentes espa�os da cidade.

Mais contestador, o movimento de contracultura, iniciado na d�cada de 60, dominou o mundo e se refletiu em Belo Horizonte. Foi quando grupos de cabelos longos, bolsas a tiracolo e sand�lias de couro cru se destacavam, tendo seu maior ponto de concentra��o na Pra�a da Liberdade, Centro-Sul de BH. Enquanto na pol�tica o regime militar dava as cartas, nas alamedas da Liberdade artistas pl�sticos, estudantes, professores e artes�os expunham os trabalhos de suas m�os, de forma espont�nea, no ent�o centro do poder administrativo estadual, onde se concentravam a sede do governo e suas principais secretarias. Foi a origem da “Feira Hippie”, que atra�a grande p�blico e foi a “av�” do evento que hoje toma conta da Avenida Afonso Pena aos domingos, sob o nome de Feira de Arte e Artesanato.

As amigas Lorrayne Stephane, Maria Luíza e Izabella Almeida: em comum, trajes pretos e cabelos raspados nas laterais (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A )
As amigas Lorrayne Stephane, Maria Lu�za e Izabella Almeida: em comum, trajes pretos e cabelos raspados nas laterais (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A )
J� na d�cada de 1980, a Liberdade abria as asas sobre outras tribos, cuja identidade n�o ficou marcada exatamente pela toler�ncia. A historiadora Regina Alves da Silva destaca o surgimento de dois grandes grupos: os skinheads, com inspira��o neonazista, e os punks. “De um lado, um grupo nacionalista que ganhou contornos nazistas e pregava a supremacia branca, os skinheads. Do outro, um grupo anarquista que usava cabelos coloridos, roupas rasgadas, correntes e penteados moicanos, os punks”, descreve a historiadora, destacando que as tribos refletiam tend�ncia registrada em outras partes do mundo.

Da mesma forma, surgiriam na capital mineira outras tribos: os g�ticos, f�s dos g�neros musicais g�tico, p�s-punk e darkwave, ostentavam visual sombrio; e os emos, adeptos de um g�nero musical que surgiu em 1980, mas se popularizou no Brasil nos anos 2000, cultuado por um grupo que usava trajes pretos, cabelos coloridos e franjas sobre os olhos. H� pelo menos cinco anos, ainda era poss�vel ouvir falar de confrontos entre grupos “rivais”, que tinham a Pra�a da Liberdade como uma esp�cie de territ�rio a ser disputado.

N�o muito longe dali, no “baixo-centro”, sob os arcos do Viaduto Santa Tereza, a periferia come�ava a rimar e a expressar, por meio do hip-hop e do rap, situa��es cotidianas vividas muito al�m da Regi�o Centro-Sul. Em um momento de “reocupa��o” de um local at� ent�o visto como marginalizado, surgem MCs, DJs, skatistas, grafiteiros e coletivos – que integram a cultura hip-hop. “Essa ocupa��o do viaduto come�ou com o street dance. Grupos se reuniam ali para treinar os passos. Por�m, no in�cio do mil�nio, eles foram violentamente retirados para a restaura��o do monumento”, conta a historiadora Regina Alves da Silva. Desde agosto de 2007, o lugar � palco do Duelo de Mcs, que revelou artistas hoje considerados refer�ncia em todo Brasil.

 

A era dos rol�s e dos coletivos

 

 

Se o conceito de tribo envolve a ideia de grupo, portanto, de segrega��o, hoje a tend�ncia � a mistura. A sexta-feira na Belo Horizonte de 2018 reflete um momento social de intera��o entre grupos com gostos mais ou menos distintos. P�s-doutor em ci�ncias sociais pelo Instituto de Ci�ncias Sociais da Universidade de Lisboa e fundador do Observat�rio da Juventude da UFMG, o professor Juarez Dayrell � enf�tico ao dizer que a palavra “tribo” vem mesmo sendo problematizada. “Primeiro, porque � associado a algo homog�neo e a uma cultura pr�pria, totalmente diferente de outras. Hoje, isso n�o reflete a realidade da juventude. Uma poss�vel substitui��o seria troc�-la por ‘coletivos’”, afirma o especialista, ressaltando que a juventude atual � muito din�mica. “Hoje, h� fluidez entre as fronteiras. Os jovens podem ser rappers, e, ao mesmo tempo, ir a um baile funk e participar de um coletivo negro. As coisas est�o mais dilu�das, e isso n�o significa que as culturas juvenis n�o estejam presentes”, explica Juarez Dayrell.

Atr�s dessa nova forma de agrupamento, o Estado de Minas percorreu tr�s pontos de refer�ncia na cidade: Pra�a da Savassi, Rua Sapuca� e Pra�a da Liberdade, localizadas nas regi�es Centro-Sul e Leste da capital. Foi nesse �ltimo endere�o que a reportagem encontrou Dara Santos e seus amigos. “Dentro do meu grupo, h� pessoas com gostos diversos, e que fariam partes de grupos diferentes. N�s somos compostos na maioria por pessoas LGBTs, que gostam do rock ao funk, passando pelo MPB, e ainda recitam pelos saraus da cidade”, contou a jovem de 20 anos, que resiste a rotular a “galera” com um nome ou tend�ncia espec�fica. “Acho que fazemos parte de um grupo padr�o em busca do n�o r�tulo”, tentou definir a jovem.

Como ela e seus amigos, o EM buscou outras “turmas”, para saber de que forma elas se identificam. Descobriu que se pode ser vegano, ciclista e rockeiro; pode ser fitness, geek e funkeiro. Nos novos dias, n�o importa qual “rol�” voc� frequenta: certamente, ser� recebido com um cumprimento de boas-vindas em um desses grupos onde o principal r�tulo, se existe um, chama-se diversidade.

 

 


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