O ano de 2018 ser� lembrado, no futuro, como aquele em que o pa�s perdeu parte da sua mem�ria em meio aos escombros do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Mas os brasileiros de agora t�m como registro e li��o para n�o esquecer os 50 anos de outro inc�ndio devastador para a educa��o e a cultura, que p�s fim a um dos primeiros col�gios de Minas: o Cara�a, cujas terras ficam entre Catas Altas e Santa B�rbara, na Regi�o Central. Numa madrugada fria de 1968, o fogo destruiu quase por completo a escola e o semin�rio. Cerca de 15 mil livros, alguns deles raros, se transformaram em cinzas. N�o houve v�timas.
As investiga��es mostraram que a origem das labaredas estava num fogareiro el�trico com 500ml de cola de couro de boi usada na recupera��o dos livros. A subst�ncia transbordou e o fogo se propagou no primeiro andar, num ambiente prop�cio, j� que o interior era todo de madeira. No escuro, um ex-aluno que estava na enfermaria, dormindo – a porta desse servi�o era em frente � encaderna��o – acordou assustado sentindo o forte cheiro de queimado e deu o alerta. A partir da�, os seminaristas, nos dormit�rios do terceiro andar, foram retirados. N�o houve feridos e se encerrou ali um cap�tulo na hist�ria da institui��o.

PERDAS Na edi��o de 29/5/1968, o assunto foi destaque no Estado de Minas: “O Col�gio Cara�a foi quase completamente destru�do, ontem, por um inc�ndio que durou oito horas e deu preju�zos de quase dois bilh�es de cruzeiros antigos. O fogo come�ou �s 3 horas da madrugada e foi debelado com o concurso de 100 homens do Corpo de Bombeiros. Somente a cole��o de livros da biblioteca do educand�rio, destru�da pelas chamas, estava avaliada em mais de um bilh�o de cruzeiros antigos. Outros danos foram provocados pela destrui��o dos laborat�rios, dormit�rios e salas de aula. Apenas a ala de resid�ncia dos padres, o refeit�rio e a igreja n�o foram atingidos”.

O diretor do Cara�a, padre Lauro Pal�, que estudou l� entre 1953 e 1956, acredita que o bem mais precioso que se perdeu com o inc�ndio foi “o ambiente que havia, a meninada estar no meio do mato, vivendo intensamente feliz uma vida de estudos, ora��o, amadurecimento, descobrimento do mundo. Hoje n�o conseguir�amos de novo aquela riqueza de afetos, aquele conjunto de coisas cerimoniosas que nos levavam da inf�ncia, pela adolesc�ncia, a uma juventude aberta, a uma vida adulta cheia de sa�de, de cultura, de desafios que venc�amos com naturalidade, com a simplicidade de quem sentia que estava preparado para a vida e suas tarefas”.
HIST�RIA Chamado de Col�gio Imperial, o Cara�a, por onde passaram mais de 10 mil alunos, abriu como escola em 1820 e s� fechou as portas para os alunos seminaristas em 1968. Quatro anos depois, embora sem deixar de ser uma casa religiosa, se transformou em pousada.

Al�m do conjunto hist�rico, onde sobressai a igreja em estilo neog�tico, h� a parte ambiental. Integrante da Reserva da Biosfera da Serra do Espinha�o, o Cara�a est� na categoria de Reserva Particular do Patrim�nio Natural (RPPN), com 19 mil hectares. Na regi�o, h� muitas variedades de orqu�deas e vivem centenas de esp�cies de p�ssaros e de dezenas de mam�feros, universo reconhecido pelos naturalistas que visitaram a regi�o, no s�culo 19, entre eles o franc�s Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853).
Conhecer o Cara�a � tamb�m entrar num livro de hist�ria do Brasil. As p�ginas dos prim�rdios citam a carta-patente, datada de 24 de abril de 1766, na qual o fundador do local, o portugu�s Carlos Mendon�a T�vora, conhecido como Irm�o Louren�o de Nossa Senhora – n�o h� registro da data de nascimento, apenas de sua morte, em 1819 – recebe autoriza��o do comiss�rio geral da Terra Santa nos reinos de Portugal e suas conquistas, Frei Manoel de S�o Carlos, para pedir esmolas e arrecadar dinheiro para a Ordem de S�o Francisco.
De acordo com as pesquisas, o Irm�o Louren�o, tido e havido como um homem misterioso, pois sua identidade nunca foi esclarecida, chegou � regi�o em 1763. Pertencente � fam�lia dos T�voras, nobre, ele teria escapado ao exterm�nio comandado pelo Marqu�s de Pombal, em Portugal, depois de um atentado ao rei dom Jos� I. O certo � que, 11 anos depois, ele inaugurou uma pequena capela em estilo barroco, da qual restam dois altares, restaurados, nas laterais da igreja que se v� hoje – datada de 1883, a substituta � considerada a primeira neog�tica do Brasil.
As terras do Cara�a chegaram �s m�os de dom Jo�o VI, que ficou no Brasil de 1808 a 1821, mediante testamento. Ao morrer, em 1819, Irm�o Louren�o, que est� enterrado dentro da igreja, sob o altar de Santo Ant�nio, legou a igreja e toda a �rea ao rei, desejando que ali fosse constru�da uma escola e que mantivesse o cunho religioso. Um ano depois, o monarca doou o conjunto � Congrega��o da Miss�o dos Padres Lazaristas, dando in�cio � fase denominada Cara�a portugu�s.
Eterniza��o on-line
Um site criado na internet busca unir a popula��o numa corrente para que o Museu Nacional do Brasil continue vivo, pelo menos em uma vers�o on-line. A p�gina EternoMuseuNacional.com convida todos que algum dia visitaram o local a postar as pr�prias fotos e v�deos do acervo em seus perfis no Instagram, usando a hashtag #EternoMuseuNacional. O conte�do ser� direcionado automaticamente para o site, onde os usu�rios poder�o visualizar todo o material. Aos poucos, o site pretende acrescentar informa��es descritivas para cada pe�a postada.
Tesouro da natureza

Tombado desde 1955 pelo Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan), o Cara�a fabrica vinhos, tem biblioteca com25mil livros, entre eles o
Incun�bulo, de 1489, e outro com anota��es feitas a bico de pena por dom Pedro II, mant�m as velhas catacumbas e se orgulha da tradicional visita noturna ao adrodo lobo-guar� (Chrysocyon brachyurus), sempre prontopara devorar peda�os de frango postos numa bandeja pelos padres vicentinos. A presen�a do lobo, sem d�vida, � atrativo para gente de todas as idades, principalmente para as crian�as.