

Mariana e Barra Longa – Na Justi�a criminal ou nos tribunais c�veis, a trag�dia do rompimento da Barragem do Fund�o permanece, tr�s anos depois – que se completam amanh� –, uma quest�o sem resposta para as quase 500 mil pessoas atingidas entre Minas Gerais e o Esp�rito Santo. Nem mesmo as fam�lias dos 19 mortos soterrados pelo tsunami de 40 milh�es de metros c�bicos (m³) de lama e rejeitos de min�rio de ferro receberam uma compensa��o financeira condizente com a sua perda. Segundo a mineradora Samarco, os acordos foram firmados com 16 fam�lias, mas a empresa n�o revela os valores pagos a esses parentes de v�timas, sendo que 14 deles trabalhavam no complexo miner�rio e outros cinco estavam no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana. “Aquilo que a gente mais quer � voltar a ter a nossa casa, nossos vizinhos. J� passou muito tempo para um sofrimento desses e a gente ainda ficava sem saber se ia ser pago, se ia ficar tudo por isso mesmo”, disse o comerciante Mauro Marques da Silva, de 49 anos, que vivia em Bento Rodrigues e atualmente mora numa casa alugada no Centro de Mariana. A estimativa mais otimista dos promotores de Justi�a que atuam na for�a-tarefa do Rio Doce � de que os ressarcimentos comecem a ser pagos em meados de 2020.
Mesmo nas a��es tidas como emergenciais, a repara��o ainda n�o � completa. Segundo a Funda��o Renova, 38 mil cadastros de atingidos foram feitos, sendo que 30.788 (79%) foram encaminhados para o Comit� Interfederativo (CIF), formado pelos governos nacional, de Minas Gerais e do Esp�rito Santo e seus �rg�os ambientais. Os cadastros abrangem em torno de 80 mil pessoas. Em Mariana, foram realizadas 897 entrevistas de cadastramento e 371 vistorias nos im�veis, de um total de 526 propriedades estimadas.
A Funda��o Renova contabiliza um pagamento de R$ 1,2 bilh�o a t�tulo de aux�lios e compensa��es, dos quais apenas R$ 314 milh�es indenizaram 7.527 pessoas por danos diversos ap�s o rompimento, uma m�dia de R$ 42 mil para cada atingido. Atualmente, 10.777 fam�lias recebem um aux�lio mensal de um sal�rio m�nimo, acrescido de 20% por dependente e do equivalente a uma cesta b�sica do Dieese. S�o 25.123 pessoas atingidas. Outros R$ 256 milh�es foram gastos para indenizar pessoas que ficaram sem abastecimento de �gua devido � polui��o do Rio Doce, como em Governador Valadares, maior munic�pio da bacia, com 280 mil habitantes. Ao todo, 254.288 pessoas foram indenizadas por danos decorrentes da suspens�o tempor�ria no abastecimento de �gua, uma m�dia de R$ 1.006. Mais de 1.500 atingidos ind�genas e oriundos de comunidades tradicionais do Rio Doce, como quilombolas, foram identificados e recebem o abastecimento de �gua por meio de caminh�es-pipa e po�os.

A brutal mudan�a na rotina dos atingidos, sobretudo os desalojados de Mariana, trouxe impactos � sa�de mental, mas at� hoje a extens�o desses danos ainda n�o � mensurada pela Renova. De acordo com a funda��o, ser�o realizados “estudos para avaliar dados epidemiol�gicos, de sa�de do trabalhador, sa�de mental e toxicol�gicos para identificar o perfil sanit�rio dos atingidos”. V�o ser reassentadas 225 fam�lias de Bento Rodrigues, 140 de Paracatu de Baixo e 26 de Gesteira (Barra Longa). As obras para o novo distrito de Bento Rodrigues come�aram em agosto e devem terminar no fim de 2020. O projeto urban�stico de Paracatu de Baixo foi aprovado em setembro, num terreno de 65 hectares indicado pela comunidade. Em Gesteira, o local escolhido fica a dois quil�metros das casas destru�das pela passagem da lama.
Nos tr�s anos dessa trag�dia, a Renova contabilizou cerca de mil obras de recupera��o de infraestruturas danificadas ap�s o rompimento, como casas, propriedades rurais e escolas, reconstru��o de pontes, cercas, currais, po�os artesianos e pinguelas, conten��es de taludes e encostas. Ao todo, 141,6 quil�metros de acessos foram reformados ou passaram por manuten��o e refeitos 205 quil�metros de cercamentos em propriedades rurais. Foram 101 resid�ncias e propriedades rurais reformadas, al�m de 26 com�rcios e 186 quintais e lotes. Tamb�m foram entregues a nova Pra�a Manoel Lino Mol, a Avenida Beira Rio, a Escola Municipal Gustavo Capanema, a quadra poliesportiva e a pra�a do distrito de Gesteira. Parte dos 157 mil metros c�bicos de rejeitos retirados do munic�pio foi deslocada para o Parque de Exposi��es para amplia��o da �rea.
A empresa contratada para apurar as causas e a din�mica do rompimento da Barragem do Fund�o apontou que houve erros no processo de constru��o do reservat�rio e tentativas infrut�feras de contornar os problemas.

Dezenove mortes e nenhum condenado
Laudo da empresa contratada para levantar quais as causas e a din�mica de rompimento da Barragem do Fund�o (veja mapa), a Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP (CGSH) deixa claro que houve erros no processo construtivo do reservat�rio, mas que tais problemas foram atropelados por tentativas infrut�feras de contornar os problemas.

A consultoria foi contratada justamente pelas mineradoras BHP Billiton e Vale, que s�o as controladoras da Samarco. Mesmo com essa indica��o de conhecimento dos problemas e de a Samarco assumir riscos de ir adiante com as obras de implanta��o e amplia��o do reservat�rio de quase 50 milh�es de metros c�bicos (m³) de rejeitos, at� hoje a Justi�a Federal n�o condenou ningu�m pelo maior desastre socioambiental do pa�s. Pelo contr�rio. O temor dos parentes das v�timas � de que manobras jur�dicas que t�m ocorrido possam tornar os crimes mais leves, livrando os executivos e administradores de penas severas. “Acho que v�o todos ficar sem puni��o. A empresa (Samarco) tem muita for�a. S� n�o pode mais do que Deus”, disse a dona de casa Marli de F�tima Fel�cio Felipe, de 34 anos, que perdeu a m�e na trag�dia, n�o foi indenizada e n�o acredita que a Justi�a punir� criminalmente os r�us.
Em 9 de outubro, nova derrota no caso das mortes de 19 pessoas. Um executivo da Samarco teve a den�ncia feita pelo Minist�rio P�blico Federal (MPF) revertida pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Regi�o (TRF-1) para inunda��o seguida de morte. A pena original poderia chegar a 30 anos, enquanto a do crime de inunda��o n�o passa de 8. Andr� Ferreira Cardoso era o representante da BHP Billiton no conselho da Samarco. Ele tamb�m recebeu um habeas corpus. Outro executivo, Jos� Carlos Martins, que integrava o conselho da Samarco em nome da Vale, teve a sua a��o extinta e o processo foi trancado. O MPF recorre da decis�o, que pode valer para os demais 21 acusados de homic�dio. Ao todo, 22 pessoas respondem por crime ambiental.
No momento em que a trag�dia completa tr�s anos – a data exata � amanh� –, o sentimento � de que uma justa repara��o ainda est� muito distante da vida dos atingidos. “N�o recebi nenhuma indeniza��o pela perda da minha m�e. N�o entrei no processo dos estrangeiros – que v�o processar a BHP Billiton no Reino Unido. Estou morando em Mariana, num lugar muito diferente do que tinha em Bento Rodrigues (o distrito mais arrasado do munic�pio)”, conta Marli. A m�e dela, Maria das Gra�as Celestino da Silva, de 64, tinha sa�do de casa na tarde do acidente para ir at� um pequeno estabelecimento comercial dentro da vila. Quando passou no quintal da sogra de Marli, as duas mulheres foram arrebatadas pela lama que desceu e soterrou Bento Rodrigues. “Minha sogra quebrou uma perna e sofreu muito para fugir com vida. Ela foi a �ltima pessoa que viu minha m�e sendo levada pela lama”, lembra a dona de casa.
Para ela, a entrega das casas de reassentamento que ser�o feitas em 2020 podem trazer um al�vio moment�neo, que s� vai poder ser sentido quando as pessoas finalmente se adaptarem. “� um lugar diferente daquele a que estamos acostumados. Por isso, temos que ir para l� e morar por um tempo para ver como vai ser, como ser�o as casas e a vizinhan�a”, afirma Marli. De acordo com a Funda��o Renova, que foi constitu�da para tratar da repara��o dos danos da trag�dia, o reassentamento na propriedade de Lavoura, a menos de dois quil�metros da antiga vila, dever� ficar pronto em 2020. “S�o 225 fam�lias em Bento Rodrigues, 140 em Paracatu de Baixo e 26 em Gesteira. At� que as vilas sejam reconstru�das, todos (os atingidos) t�m os gastos com moradia custeados pela Funda��o Renova, que atualmente aluga cerca de 300 casas na regi�o de Mariana (MG).
Comunidades como a do produtor rural de Barra Longa Mario Ant�nio Ferreira, de 70, ainda que n�o indenizadas, recebem aux�lios e passam por a��es que poder�o tornar suas atividades mais sustent�veis e adequadas � legisla��o ambiental. Ele, no caso, teve v�rios danos e nenhuma indeniza��o ainda. A lama isolou sua propriedade atolando estradas e destruindo pontes de comunidades onde havia estabelecimentos para venda de produtos e acesso a mantimentos. A rede de mata-burros que impedia a passagem da boiada tamb�m foi destru�da, bem como o acesso ao rio para a boiada beber e o caminho ao capim para o trato do gado. Como nenhuma dessas estruturas ainda n�o foi recuperada, a Funda��o Renova buscou outros meios auxiliando pastagens em locais mais altos e que eram menos produtivos, a renderem mais pelo sistema de revezamento e descanso chamado de piquetes. “A �gua aqui da nascente foi cercada e est� dando para abastecer o gado e a gente. Ainda falta muito, mas com a ajuda que estamos recebendo a gente est� conseguindo seguir adiante”, disso o produtor rural.
Impacto econ�mico
Outro grave problema causado pelo rompimento da Barragem do Fund�o foi a interrup��o dos trabalhos da Samarco, que tinha 5 mil empregados diretos e indiretos. Sem a Barragem do Fund�o para estocar os rejeitos da extra��o de min�rio de ferro, a Samarco s� poder� voltar a funcionar quando a cava da mina de Alegria Sul puder ser usada para o dep�sito desse material. A estimativa � de que essa cavidade, originalmente aberta para a extra��o de min�rio, esteja adaptada para receber rejeitos at� agosto de 2019. Ela foi projetada para receber 16 milh�es de metros c�bicos de rejeitos. A Barragem do Fund�o despejou 40 milh�es de metros c�bicos de rejeitos ao se romper, restando, ainda, cerca de 6,5 milh�es de metros c�bicos no local.
No pico das interven��es, cerca de 750 empregados diretos e indiretos ser�o contratados. A Samarco se comprometeu a empregar de 75% a 80% de m�o de obra local, o que trar� um certo al�vio � popula��o de Mariana, boa parte dela envolvida na atividade mineral e que sentiu diretamente o impacto da paralisa��o das opera��es da mineradora e de suas terceirizadas.
A Samarco obteve, em dezembro de 2017, junto � Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel de Minas Gerais (Semad), as licen�as pr�via (LP) e de instala��o (LI), que permitem a prepara��o do local. Mas, para operar, ainda precisa conseguir com os �rg�os ambientais o Licenciamento Operacional Corretivo (LOC). A expectativa � de que a autoriza��o seja concedida no ano que vem. Por isso, a empresa prefere n�o estimar uma data de retorno �s suas atividades.
REINO UNIDO O escrit�rio anglo-americano SPG Law vai apresentar processo �s cortes da Inglaterra e do Pa�s de Gales contra a BHP Billiton SPL, uma das controladoras da Samarco. A causa, estimada em 5 bilh�es de libras (cerca de R$ 24 bilh�es), previa arrolar cerca de 100 mil atingidos, mas esse n�mero foi superado, chegando � casa dos 200 mil.