
Do barro nasceu a arte; na arte, se fortaleceram as vidas; e, para as vidas e a arte, vem agora o reconhecimento. Em cerim�nia marcada por emo��o e alegria, o artesanato em barro do Vale do Jequitinhonha se tornou, ontem, patrim�nio imaterial de Minas – o registro contempla saberes, of�cio e express�es art�sticas –, ap�s vota��o un�nime do Conselho Estadual do Patrim�nio Cultural (Conep). “� um momento hist�rico para todos n�s, artes�os e artes�s do Vale. Temos uma cultura ancestral, que passou pelo �ndios e chegou aos nossos tempos sem perder as caracter�sticas. Considero esse reconhecimento um presente para a atividade”, afirmou Vilma Gomes dos Santos, que participou da sess�o na sede do Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico (Iepha-MG), na companhia das conterr�neas �urea Gomes Barbosa e Maria do Carmo Barbosa.
Para chegar � decis�o de ontem, uma equipe do Iepha, em parceria com o Instituto Sociocultural Valemais, elaborou, no per�odo de setembro de 2017 a setembro �ltimo, o dossi� com pesquisas de campo, levantamento hist�rico, pesquisas bibliogr�fica e documental e, principalmente, o cadastramento de 122 pessoas dedicadas ao of�cio em 21 munic�pios do Alto, M�dio e Baixo Rio Jequitinhonha. Nas entrevistas, tiveram destaque moradores de Turmalina, Minas Novas, Ponto dos Volantes, Cara�, Itinga, Itaobim e Ara�ua� e muitos apontam o reconhecimento como fator de melhoria social, econ�mica e valoriza��o cultural.
“Foi um trabalho desafiador, com um longo estudo e conhecimento, pois se trata de atividade cont�nua, que n�o se esgota num dossi�”, afirmou a presidente do Iepha, Michele Arroyo, tamb�m secret�ria-executiva do Conep. Assim, explica Michele, s�o necess�rias as salvaguardas para preservar a arte em barro e garantir todas as informa��es � futuras gera��es. Ela adiantou que est� em andamento um document�rio sobre o setor e a publica��o do Cadernos do Patrim�nio, editado pela institui��o. Presidindo o conselho, o secret�rio de Estado da Cultura, Angelo Oswaldo, comemorou o resultado da atividade no Jequitinhonha, a quem chamou de “arte pura”.
SANTO BARRO Um dos destaques da reuni�o foi a leitura do parecer elaborada pela relatora Priscila Freire, colecionada da arte do Jequitinhonha e doadora de todo seu acervo � Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). ”Esse santo barro das barrancas do Jequitinhonha. Foi por esse caminho, na poeira, atravessando de canoa os rios ou riachos que Miras Ribeiro do Vale me ensinou o que era essa regi�o distante que nos parecia como f�bula. Esses rinc�es desconhecidos para mim e que ela bem tra�ava quando de l� vinha.” Miras foi coordenadora da loja da Codevale em BH, na d�cada de 1970.
E mais: “A arte do povo se refere a um padr�o permanente e determinado por sua origem, sendo marcado por composi��es originais e surpreendentes. Ao contr�rio do singelo, do simpl�rio, essas obras apresentam grande complexidade em sua produ��o, mesmo porque esses artistas expostos hoje a processos tecnol�gicos novos n�o se afastam de suas ra�zes e dos motivos que importam a eles resguardar. ‘Sou diferente de todo mundo’, declarou um deles” completa. Segundo Priscila Freire, o registro e a implanta��o do Plano de Salvaguarda para o artesanato em barro do Vale do Jequitinhonha “d� a possibilidade de garantir as condi��es de manuten��o e a prote��o de a uma das mais importantes tradi��es do meio rural de Minas”.
Na tarde de ontem, diante do pr�dio do Iepha, no Bairro de Lourdes, na Regi�o Centro-Sul da capital, as tr�s artes�s de Turmalina mostraram pe�as “modeladas na argila” ao longo dos anos na regi�o e hoje integrantes de acervos em BH (panelas, bonecas, filtros e pratos). “Esse � um trabalho que passa de pai para filho, de m�e para filha, e tem muita import�ncia no Vale. Esperamos que valorize ainda mais o setor”, disse �urea, da Associa��o dos Lavradores e Artes�os de Campo Alegre, comunidade rural de Turmalina. J� Maria do Carmo, mais conhecida como Do Carmo, acha fundamento a divulga��o do trabalho “que muitos consideram obra de arte”. E se disse orgulhosa por isso.
As tr�s artes�s de Turmalina citaram homens e mulheres fundamentais no trabalho em barro, como dona Izabel, j� falecida, de Ponto dos Volantes, que transmitiu ensinamentos aos filhos Gl�ria e Amadeu, Ulisses Mendes, de Itinga, Lyra Marques, de Ara�ua�, Dona Zezinha, de Turmalina, Jo�o Alves, de Taiobeiras e outros mestres e mestras no seu of�cio. De acordo com o trabalho da equipe do Iepha, que envolveu historiadores e antrop�logos, ainda predomina na atividade a m�o de obra feminina (84%), sendo a aprendizagem transmitida pelos familiares e mestres (66%) e com participa��o ativa em associa��es (81%) e compartilhamento do saber.
Otimista, o presidente da oscip Instituto Sociocultural Valemais, Guilardo Veloso, ressaltou que o reconhecimento de agora abre portas para a valoriza��o da atividade, embora veja gargalos na comercializa��o e no escoamento da produ��o. Se resolvidas essas quest�es, acredita, poder� haver mais renda e melhoria de vida.