
Ela chegou no in�cio de uma tarde de sol, recebida com alegria, muito carinho e abra�os. Na cabe�a, os curativos deram lugar a uma pequena coroa. E o abandono foi substitu�do por um novo lar, cheio de amor, cuidados e novos amigos, e longe da viol�ncia que atinge in�meros animais em Minas Gerais e no restante do pa�s, a exemplo de casos recentes que foram divulgados. Com a ado��o, a cadela Serena, resgatada baleada em uma estrada que liga Caet� a Bar�o de Cocais, na Regi�o Central de Minas, ganha um final feliz e � s�mbolo de uma mudan�a de comportamento na sociedade. As den�ncias de maus-tratos contra os animais v�m aumentando e, no mesmo ritmo, a sociedade cobra puni��es mais rigorosas aos respons�veis.
N�meros do Disque-Den�ncia mostram um grande salto de 2014 at� agora. Naquele ano, em Belo Horizonte, foram 134 den�ncias de crimes contra os animais pelo telefone 181. Em 2015, o n�mero subiu para 732 e em 2016 j� eram 1.453, aumento de 98% em um �nico ano. Em 2017, houve pequena redu��o, com 1.347 den�ncias em BH. J� em 2018, de janeiro a agosto foram 944 den�ncias, segundo a Secretaria de Estado de Seguran�a P�blica (Sesp). O aumento tamb�m � observado em outros munic�pios mineiros. A pasta informa que os maus-tratos aos animais figuram entre as 10 den�ncias mais frequentes no servi�o telef�nico.
Os registros de maus-tratos aos animais, ou seja, casos que geraram boletins de ocorr�ncia, tamb�m aumentaram. Durante todo o ano de 2017, foram 1.487 registros em Minas Gerais. Desses, 1.232 foram feitos de janeiro a outubro. Em 2018, no mesmo per�odo, foram 1.462, aumento de 18% em rela��o ao ano anterior. Na capital mineira, foram 164 registros de maus-tratos em 2016, sendo 140 de janeiro a outubro. Em 2018, de janeiro a outubro, foram 150 em BH.
Na Grande BH, a hist�ria da cadela atingida por um tiro na cabe�a em julho comoveu a popula��o e gerou grande mobiliza��o tanto para o custeio do tratamento veterin�rio quanto para encontrar o respons�vel pelo crime. O inqu�rito foi encerrado em setembro e a Pol�cia Civil indiciou o dono de um s�tio por maus-tratos e posse ilegal de arma de fogo. A corpora��o concluiu que ele deu a ordem para que a cadela fosse baleada. Em depoimento, o homem afirmou que havia um “acordo” entre vizinhos para atirar em animais que entrassem nas propriedades. Duas armas foram apreendidas na casa. Uma testemunha citada no inqu�rito disse � pol�cia que o tiro partiu do s�tio do indiciado e que ele viu a cadela sangrando e “apavorada”.

SEQUELAS O tempo em que viveu nas ruas e a agress�o n�o deixaram apenas sequelas f�sicas em Serena, que perdeu dentes e 40% da l�ngua, mas tamb�m gerou traumas emocionais. “Ela n�o ficou com medo deles (c�es). Ela tem medo de gente s�”, conta a fot�grafa Solange Castilho sobre as primeiras horas com a cadelinha, que foi entregue a ela no condom�nio onde mora em Nova Lima, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Ela cuida de alguns c�es e de uma gata no im�vel, mas a maioria deles – quase 50 – vive na fazenda que ela mant�m com o marido em Boa Esperan�a, no Sul de Minas Gerais. L�, cada animal tem uma casinha para dormir e comida � vontade.
Solange soube do caso por meio das redes sociais da cl�nica veterin�ria onde Serena estava internada ap�s passar pela cirurgia de reconstru��o da face, no Bairro Serra, Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte. O trabalho fez com que as cicatrizes externas praticamente desaparecessem. “Quase morro de tristeza ao ver um bichinho maltratado. S� n�o pego mais porque n�o tenho espa�o. S�o todos adotados. Normalmente s�o cachorros deixados na porta da fazenda, ou encontrados na beira da estrada”, conta a fot�grafa.
“H� alguns dias, levei um que foi atropelado, quebrou a perninha. Estou sempre fazendo alguma coisa. Toda hora tem uma pessoa me chamando e pedindo ajuda.” A cadela foi entregue a ela pela equipe da cl�nica em 31 de outubro. Refletindo sobre o caso de Serena e o abandono de animais, Solange foi enf�tica: “Acho que o ser humano � muito cruel. Ele faz as piores atrocidades”.
PENA MAIS DURA No primeiro fim de semana de dezembro, a morte da cadela Manchinha gerou uma onda de protestos nas ruas e nas redes sociais. Imagens de c�meras de seguran�a em uma unidade do Carrefour de Osasco, na Grande S�o Paulo, mostraram um seguran�a terceirizado da loja atacando o animal com uma barra de alum�nio. Ela acabou morrendo em decorr�ncia dos ferimentos.
Um abaixo-assinado pedindo a pris�o do respons�vel pela morte do animal chegou a mais de 1 milh�o de assinaturas. Tamb�m foi proposto o boicote � rede de lojas, alvo de manifesta��es. Manchinha ficava solta no local do crime e recebia alimentos de clientes e funcion�rios. Informa��es d�o conta de que um superior pediu que o funcion�rio “sumisse” com a cadela de l�, pois o local passaria por uma vistoria. A Pol�cia Civil de S�o Paulo investiga o caso. O Minist�rio P�blico do estado tamb�m instaurou um inqu�rito civil para apurar a morte da cadela.
Diante da como��o e da press�o da sociedade civil, em 11 de dezembro, a C�mara dos Deputados e o Senado aprovaram projetos semelhantes para endurecer a pena para maus-tratos aos animais dom�sticos, domesticados, nativos ou ex�ticos no Brasil. O texto aprovado pela C�mara aumenta a pena dos atuais tr�s meses a um ano de pris�o, al�m de multa, para entre um e quatro anos. A multa ser� mantida. Tamb�m h� agravante se houver zoofilia.
A proposta ser� analisada pelos senadores, que, por sua vez, enviaram aos deputados o Projeto de Lei do Senado (PLS) 470, de 2018. Semelhante ao da C�mara, contempla aumento de pena para at� quatro anos de deten��o, com possibilidade de multa mantida, mas tamb�m estende a autua��o aos estabelecimentos comerciais ligados ao crime, mesmo que por omiss�o ou neglig�ncia. A multa pode variar de um a mil sal�rios m�nimos. O projeto tramitou em car�ter de urg�ncia ap�s ser apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede) motivado pelo caso de Manchinha. Mas � importante destacar que, segundo o C�digo Penal Brasileiro, para come�ar a cumprir a pena em regime fechado o criminoso deve ter sido condenado a pena superior a oito anos de reclus�o.
Popula��o est� mais atuante
Relatos de agress�o ou neglig�ncia chegam constantemente �s redes sociais do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais (MMDA). A coordenadora, Adriana Ara�jo, destaca que a entidade, prestes a completar 15 anos, provoca os �rg�os p�blicos para a cria��o de leis de prote��o e tamb�m exige seu cumprimento. Um exemplo � a Lei Estadual 22.231, de 20 de julho de 2016, que define multa de at� R$ 3 mil para quem maltratar algum animal em Minas. Adriana observa que as pessoas est�o mais atuantes na prote��o dos bichos, mas, para ela, faltam a��es mais contundentes do poder p�blico. “A popula��o est� cada vez mais exercitando sua cidadania. Os crimes continuam e a gente percebe que o poder constitu�do s� est� agindo quando provocado. N�o percebemos uma a��o proativa, eles precisam ser acionados. Isso a gente n�o considera bom. Precisamos que eles cumpram o que � da sua compet�ncia.”
Entre as den�ncias que chegam ao MMDA est�o abandono de c�es e gatos, animais de grande portes soltos nas ruas, rinhas (galos, c�es e at� can�rios), com�rcio de animais em m�s condi��es, tr�fico de animais silvestres, ca�a, rodeios e vaquejadas e zoofilia. O caso envolvendo Serena foi um dos acompanhados de perto pela entidade. Adriana orienta que testemunhas de viol�ncia ou abandono de animais devem denunciar na Pol�cia Militar, Pol�cia Militar Ambiental, Pol�cia Militar Rodovi�ria (PMRv), se nas MGs, ou Pol�cia Rodovi�ria Federal (PRF), se nas BRs, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov�veis (Ibama), Minist�rio P�blico de Minas Gerais ou tamb�m pelo telefone 181, Disque-Den�ncia, de forma an�nima. V�deos e fotos tamb�m contribuem para a den�ncia.
Para a coordenadora da entidade, al�m de leis mais rigorosas, � preciso investir na educa��o da sociedade para coibir os maus-tratos aos animais. “Os pr�prios servidores p�blicos n�o conhecem a legisla��o. A gente aborda os �rg�os p�blicos de prote��o dos animais e eles n�o conhecem a Lei 22.231, de 2016. Tem que criar leis, aumentar o rigor, dar ampla publicidade e capacitar os �rg�os p�blicos.”
Criada em 2013 em Belo Horizonte, a Delegacia Especializada em Investiga��o de Crimes Contra a Fauna trata principalmente dos crimes de maus-tratos e tamb�m posse de animais silvestres em desacordo com a legisla��o vigente, segundo o delegado Vladimir Alessandro Soares, que responde pela delegacia e � chefe da Divis�o de Meio Ambiente da Pol�cia Civil.
Para o delegado, n�o falta engajamento da popula��o, mas muitas den�ncias que chegam � delegacia acabam n�o sendo de maus-tratos, como c�es que latem muito e chamam a aten��o de vizinhos. Mesmo assim, a equipe sempre vai aos locais para verificar a situa��o. “Teve uma den�ncia de que alguns animais estavam subnutridos em determinado local. A equipe foi e constatou que a ra�a era de porte esguio. Era uma caracter�stica do animal, que tem complei��o mais magra, pernas compridas”, exemplificou. Ele aproveitou para orientar os cidad�os sobre situa��es que podem configurar o crime. “Maus-tratos podem ser desde agress�o f�sica, mutila��o do animal, ao abandono. A m� alimenta��o (deixar sem �gua, sem comida em determinado local), deixar em local insalubre e a falta de higieniza��o do local onde os animais ficam tamb�m configuram maus-tratos. O que ajuda muito nosso trabalho � a excelente qualifica��o da equipe de investigadores. Entre eles temos uma veterin�ria e tr�s bi�logos. D� uma tranquilidade saber que eles v�o ao local e entendem da mat�ria que est� sendo tratada”, ressaltou.
Casos que ganharam repercuss�o
Mortos pelo tutor
Em 12 de novembro, um homem de 43 anos foi preso pela morte de tr�s c�es em Sabar�, na Regi�o Metropolitana em Belo Horizonte. Segundo a Pol�cia Militar (PM), os animais estavam sob os cuidados dele e foram encontrados mortos dentro de uma lixeira ap�s a den�ncia an�nima de uma testemunha da agress�o. Inicialmente, o homem negou a den�ncia e disse que n�o havia animais na casa. No entanto, os policiais viram sangue e fezes no quintal do homem, que acabou confessando. Conforme a PM, ele disse ter matado os c�es porque eles latiam muito e choravam � noite. De acordo com a Pol�cia Civil, ele foi autuado por maus-tratos no artigo 32 da Lei 9.605, a chamada Lei de Crimes Ambientais. Ap�s ser ouvido por um delegado, teve a fian�a arbitrada em R$ 2 mil. Como n�o pagou naquele momento, o agressor foi encaminhado ao sistema prisional. A Secretaria de Estado de Administra��o Prisional (Seap) informou que ele recebeu alvar� de soltura de liberdade provis�ria ap�s o pagamento da fian�a.
Manchinha

Cadela que ficava em uma unidade do Carrefour foi morta ap�s ser atingida por uma barra de alum�nio por um seguran�a em Osasco, na Grande S�o Paulo. Ela chegou a ser socorrida, mas n�o resistiu ao ferimento. O seguran�a foi afastado e disse que n�o tinha inten��o de atingir o animal. O local foi alvo de protestos que mobilizaram a sociedade civil e famosos como a atriz e apresentadora Tat� Werneck e a tamb�m apresentadora e ativista da causa animal Luisa Mell. A Delegacia do Meio Ambiente de Osasco apontou o seguran�a como respons�vel pela agress�o e ele deve responder em liberdade pelo crime de abuso e maus-tratos a animais. Ap�s o epis�dio, a rede de supermercados anunciou iniciativas internas e externas para ado��o de animais abandonados, castra��o, al�m de sensibiliza��o e treinamento dos funcion�rios.
Filhote amarrado em lixeira
Um filhote de cachorro foi resgatado por policiais militares que patrulhavam o Bairro Guarani, Regi�o Norte de Belo Horizonte, na madrugada de 12 de dezembro. Um dos militares se comoveu e adotou o animal, que estava chorando e muito assustado. O filhote estava amarrado em uma lixeira e quase se enforcando, segundo os policiais do 13º Batalh�o da PM.
Abandonados no Santa L�cia

Reportagem do Estado de Minas publicada em 14 de dezembro mostra que cerca de 30 c�es e 20 gatos, entre filhotes e adultos, foram deixados para tr�s na Avenida Nossa Senhora do Carmo, na sa�da para a BR-356, depois da desapropria��o de im�veis para as obras da Via do Bic�o, no Aglomerado Santa L�cia, Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte. As fam�lias foram transferidas para apartamentos. Atualmente, eles s�o alimentados por uma moradora do Morro do Papagaio que precisa de apoio para tratar dos animais.
Agredida a chineladas

Em 25 de dezembro, uma jovem publicou no Facebook um v�deo que mostra a vizinha agredindo uma cadela chamada Cindy, no Bairro Provid�ncia, Regi�o Norte de Belo Horizonte. Ao notar que estava sendo filmada dando chineladas no animal, a mulher ainda jogou �gua na dire��o da mo�a. Dois dias depois, de posse de um mandado de busca e apreens�o, a Pol�cia Civil resgatou a cadela, que foi entregue a uma mulher que ter� a guarda tempor�ria dela at� defini��o da Justi�a. A agressora ser� intimada a prestar depoimento e o resultado da investiga��o ser� encaminhado ao Minist�rio P�blico.
Alguns canais de den�ncia
- Disque-Den�ncia: 181
- Ibama: 0800 61 8080
- Pol�cia Militar: 190
- Companhia de Pol�cia Militar de Meio Ambiente em BH: (31) 2123-1600/1605/1615
- Delegacia Especializada em Investiga��o de Crimes Contra a Fauna: Rua Benardo Guimar�es, 1.571, 2º andar, Bairro Funcion�rios. Belo Horizonte. Funciona das 8h30 �s 18h30. Telefone: (31) 3212-1356
- Coordenadoria Estadual de Defesa da Fauna (do Minist�rio P�blico de Minas Gerais): (31) 3330-9911. E-mail [email protected]
- Movimento Mineiro pelos Direitos Animais: https://www.facebook.com/movimentomineiroDA