
Brumadinho – “Tinha ido a Brumadinho pagar umas contas e comprar algumas coisas para a mercearia. Se eu tivesse adiantado o passo em uns 15 minutos, poderia n�o estar aqui conversando com voc�.” A declara��o do comerciante Hilton Souza Ribeiro, de 54 anos, nascido e criado no C�rrego do Feij�o, mostra o misto de incredulidade e dor que tomou conta do distrito marcado pelo rompimento da barragem da Vale que j� matou 157 pessoas e somava at� ontem 182 desaparecidos sob a lama de rejeitos. Hilton � dono da mercearia que � a maior refer�ncia da vila. Duas semanas depois da cat�strofe protagonizada pela Vale, que segundo as investiga��es foi informada sobre problemas na barragem dois dias antes do rompimento, a comunidade vive a d�vida sobre o futuro enquanto se ressente pela falta da vida tranquila do passado. O bate-papo na pra�a, as atividades comunit�rias no campo de futebol, a pescaria e os passeios sem hora marcada pelas ruas numeradas de um a sete s�o as lembran�as mais marcantes da popula��o, que tem cerca de 600 moradores e agora cobra da mineradora o resgate das condi��es de antes da trag�dia.
Em frente ao ponto onde as pessoas podem comprar g�neros aliment�cios, cosm�ticos, itens de papelaria e at� cal�ados fica a pra�a da comunidade. Ponto de encontro preferido da popula��o para atualizar as �ltimas hist�rias, como tentavam fazer na quarta-feira o aposentado H�lio Gon�alves Maia, de 74, e o trabalhador de servi�os gerais Luiz Cust�dio da Silva, de 55. Mas, diferentemente dos assuntos de que costumavam tratar antes da trag�dia, agora o tema n�o foge do desastre, at� porque Luiz ainda vive o luto pela perda da esposa, Diomar Cust�dia dos Santos Silva, de 57, que trabalhava na Pousada Nova Est�ncia e � uma das v�timas desaparecidas na lama.
“Eu queria achar minha esposa, para ter paz para seguir a minha carreira. Hoje � um dia e o amanh� � outro, mas a sensa��o que tenho � de que esse amanh� nunca vai chegar. O C�rrego do Feij�o perdeu a gra�a”, diz ele. Diomar � uma das v�timas que ainda n�o foram encontradas. Enquanto tentava consolar o amigo, H�lio se lembrava de que quando nasceu, h� 74 anos, o C�rrego do Feij�o j� abrigava a atividade econ�mica que gerou a trag�dia de 15 dias atr�s. A empresa que atuava no in�cio era a Companhia de Minera��o Ferro e Carv�o, depois Ferteco Minera��o, companhia posteriormente adquirida pela Vale. “Toda vida aqui foi muito bom, sempre foi muito gostoso viver no Feij�o. Espero que Deus ajude e melhore, porque eu penso que sem emprego a tend�ncia � cair a qualidade. A Vale tinha que ter mais responsabilidade, o ideal seria funcionar com toda a seguran�a poss�vel”, diz o aposentado.

Enquanto H�lio espera o tempo passar na pra�a, � surpreendido por Maria Cristina Ferreira Anselmo, de 37, que carrega a filha Ana Dhulya, de 3, e a sobrinha Gabriela, de 2. “Fala com o vov� para ir l� em casa depois, filha”, diz ela para a pequena que leva em um dos bra�os. Apesar de tratar H�lio como av� da crian�a, eles n�o s�o parentes. “Aqui � assim, todo mundo se conhece. Lembro que as casas foram aumentando nas ruas de terra, que hoje j� s�o asfaltadas”, conta.
Diferentemente de Bento Rodrigues, distrito de Mariana arrasado pela lama da Barragem do Fund�o em novembro de 2015, em C�rrego do Feij�o a lama n�o destruiu a comunidade em si. As v�timas em sua maioria s�o trabalhadores que atuavam na �rea da Vale e tamb�m h�spedes e funcion�rios da Pousada Nova Est�ncia, al�m de pessoas que estavam em propriedades rurais. As casas da �rea urbanizada continuam de p�. O preju�zo material foi maior na comunidade do Parque da Cachoeira, bairro de Brumadinho que fica mais pr�ximo do n�cleo urbano da cidade da Grande BH, onde vivia a maioria dos 112 desabrigados.

SETE RUAS As principais vias da pequena comunidade de C�rrego do Feij�o v�o de um a sete, conforme indicam plaquinhas colocadas nas esquinas. Uma rua n�o numerada � a Nossa Senhora das Dores, uma das principais, que passa na parte de cima da pra�a. Por ela, � poss�vel acessar outras vias vicinais, de terra, que tamb�m concentram casas pertencentes ao vilarejo.
Em uma dessas ruas mora o almoxarife Adilson Lopes Silva, de 35 anos. H� 17 ele vive no C�rrego do Feij�o, para onde foi com a fam�lia depois de deixar Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha, em busca de oportunidades de trabalho no setor miner�rio. Ele trabalha na Minera��o Ibirit� (MIB), que opera perto da Vale, em C�rrego do Feij�o. O pai, Levi Gon�alves da Silva, de 59, era funcion�rio de uma empresa terceirizada que prestava o servi�o de limpeza dos vag�es dos trens carregados de min�rio at� a onda de lama passar por seu local de trabalho e deix�-lo desaparecido. “Aqui no C�rrego do Feij�o era bom demais. As casas s� ficavam abertas, todos se conhecem, � muito sossegado. Mas nossa paz acabou com essa lama. Queremos nossa qualidade de vida de volta”, cobra.
Adilson conta ainda que discutia com a Vale a coloca��o de uma caixa-d’�gua para atender a parte da comunidade. Mas acabou ficando sem �gua, pois relata que, quando a empresa esteve no local para iniciar a instala��o do novo reservat�rio, acabou cortando sua liga��o e ele ficou sem abastecimento. Agora, espera que a Vale instale a caixa, pois o trabalho que seria feito por ele, pelo pai e por um colega de trabalho do pai perdeu dois ter�os da for�a. “A lama levou meu pai e o colega que ia ajudar e eu n�o tenho condi��es psicol�gicas de fazer mais nada”, completa.
Em nota, a Vale informou que presta apoio � popula��o do C�rrego do Feij�o e de outras comunidades, em conjunto com a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros. Contudo, segundo a mineradora, a prioridade m�xima, neste momento, � a busca pelos desaparecidos. Quanto ao fornecimento de �gua, a mineradora pontuou que tem mapeado todas as demandas da comunidade com a Empresa de Assist�ncia T�cnica e Extens�o Rural do Estado de Minas Gerais (Emater). At� a �ltima segunda-feira, a Vale afirma ter entregado “mais de 600 mil litros de �gua pot�vel � �rea rural atingida, para atividades de dessedenta��o animal e irriga��o”. Ainda conforme a companhia, cerca de 16 mil litros de �gua mineral foram transportados para o consumo humano. Demandas pelo fornecimento de �gua, entre outras, podem ser registradas nos telefones 0800 031 0831 (Al� Brumadinho), 0800 285 7000 (Al� Ferrovias) e 0800 821 5000 (Ouvidoria da Vale).

Trauma dif�cil de tirar da mem�ria
Duas semanas depois do rompimento da barragem da Vale em C�rrego do Feij�o, o futuro da comunidade � incerto. O l�der comunit�rio Luciano de Oliveira Lopes, de 48 anos, dono de um lava-jato no vilarejo, diz que todos ainda est�o cheios de d�vidas quanto aos pr�ximos meses. “Tem que fazer uma an�lise, para saber se podemos ficar aqui de forma saud�vel. Depois que tiver todos os laudos aprovando, vamos come�ar a pensar se vamos ficar, se o C�rrego do Feij�o vai ser reconstru�do. Muitas pessoas moram aqui faz muitos anos e por isso t�m uma grande identidade com este lugar”, afirma.
Apesar de ainda esperar decis�es para definir o futuro, Luciano j� adianta que provid�ncias ser�o cruciais, principalmente do ponto de vista psicol�gico, para as fam�lias do vilarejo. Elas assistiram a um festival de corpos sendo transportados em helic�pteros, especialmente no campo de futebol, que � a casa do Novo Ideal, time amador da comunidade que subiu para a 1ª Divis�o do Campeonato Metropolitano. “Algumas m�es j� disseram que n�o querem seus filhos l�”, afirma. O campo � um dos principais s�mbolos do C�rrego do Feij�o, pois tamb�m � usado para atividades com as crian�as da comunidade e para festas do vilarejo, como a Festa do Feij�o e a festa do Dia das Crian�as.
Outro problema s�o os acessos, j� que a lama imp�s bloqueios na liga��o de 14 quil�metros entre a comunidade e Brumadinho. “Agora precisamos andar 80 quil�metros para chegar ao Centro de Brumadinho”, acrescenta Luciano. O problema do acesso trava a vida da popula��o, que fica sem op��es vi�veis para seguir as rotinas que existiam antes da trag�dia. O operador de m�quinas pesadas M�rio Alves de Oliveira, de 37, trabalha no Tejuco, outro vilarejo de Brumadinho, e gastava 10 minutos de moto at� o trabalho. Agora, no caminho mais vi�vel para motocicletas, gasta mais de 40 minutos. “Esses dias eu n�o estou trabalhando, j� que as tr�s op��es que eu tinha est�o fechadas”, diz ele.