
Oito barragens administradas pela mineradora Vale est�o em “severo risco de rompimento” e a empresa sabe disso desde outubro. Naquele m�s, a lista inclu�a outras duas estruturas, os reservat�rios 1 e 4-A da Mina C�rrego do Feij�o, que terminaram ruindo em 25 de janeiro, em Brumadinho, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, num desastre que j� contabiliza 160 mortos e 155 desaparecidos. O risco apontado para a barragem 1, que se rompeu e destruiu a 4A, era cinco vezes menor do que o de outras tr�s estruturas da lista, localizadas em Nova Lima. A informa��o consta de um documento da pr�pria empresa sobre a situa��o dos reservat�rios, obtido pelo Minist�rio P�blico (MP) de Minas, que protocolou uma a��o civil p�blica, no valor de R$ 500 milh�es, aceita pela 22ª Vara C�vel da Comarca de Belo Horizonte. O MP tornou p�blico o conte�do da a��o nesta ter�a-feira.
O fato de a lista incluir as estruturas do complexo da Vale em Brumadinho exp�e a fragilidade da fiscaliza��o do governo do estado, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel (Semad), e da Uni�o, a partir da Ag�ncia Nacional de Minera��o (ANM), de acordo com o MP. Segundo o �rg�o, “o fato mais assustador foi a informa��o de que as barragens da Mina C�rrego do Feij�o possu�am laudos que atestavam sua estabilidade e seguran�a, conforme se nota de informa��o extra�da diretamente da p�gina da Funda��o Estadual de Meio Ambiente (Feam)”.
Em nota, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel (Semad) informou que suspendeu, no dia 5 de fevereiro, as atividades nas oito barragens em severo risco no estado. De acordo com a pasta, a medida aconteceu logo depois do MP repassar ao �rg�o o teor da a��o. A Semad informou, ainda, que cabe ao governo do estado “a fiscaliza��o dos aspectos socioambientais desses empreendimentos”, enquanto a seguran�a diz respeito � Ag�ncia Nacional de Minera��o (ANM).

N�CLEOS URBANOS O Minist�rio P�blico tamb�m ressalta que a Vale n�o tem adotado “medidas minimamente necess�rias para manter a seguran�a de seus empreendimentos”, o que coloca em risco a vida humana e o meio ambiente. Segundo o �rg�o, todas essas barragens em risco iminente est�o “pr�ximas a n�cleos urbanos, havendo pessoas residentes ou transitando na zona de autossalvamento, ou seja, na regi�o do vale a jusante da barragem a uma dist�ncia que corresponde a um tempo de chegada da onda de inunda��o (lama) igual a 30 minutos ou 10 quil�metros”.
No caso da Barragem Laranjeiras (5,8 milh�es de metros c�bicos de capacidade), em Bar�o de Cocais, na Regi�o Central do estado, a inunda��o decorrente de uma eventual ruptura se estenderia por 183 quil�metros a jusante da estrutura, no Rio Piracicaba, pr�ximo � aflu�ncia com o Rio Doce, passando pelos munic�pios de S�o Gon�alo do Rio Abaixo, Bela Vista de Minas, Ant�nio Dias, Tim�teo e Coronel Fabriciano. A amea�a for�ou a evacua��o de 487 moradores das comunidades Socorro, Tabuleiro, Piteira e Vila do Gongo na sexta-feira. Eles permanecem fora de suas casas e est�o hospedados em seis hot�is da cidade e casas de amigos e familiares.
Em Menezes 2 (290 milh�es de m³), em Brumadinho, na Grande BH, o dano alcan�aria 5,5 quil�metros a jusante da estrutura, no Ribeir�o Ferro-Carv�o, antes da conflu�ncia com o Rio Paraopeba, atingindo ocupa��es rurais e urbanas. J� em rela��o �s barragens Capit�o do Mato (2 milh�es de m³) e Dique B (333 mil m³), a lama poderia alcan�ar 87 quil�metros, o que prejudicaria Nova Lima, Rio Acima, Raposos, Sabar�, Belo Horizonte e Santa Luzia.
Quanto � Barragem Taquaras (950 mil m³), no distrito de Macacos, na Regi�o Metropolitana de BH, a inunda��o percorreria 23 quil�metros, afetando o munic�pio de Nova Lima. J� em Forquilha 1(26 milh�es de m³), 2 (24 milh�es de m³) e 3 (18,2 mil m³), os rejeitos poderiam atingir 210 quil�metros, atingindo Ouro Preto, Belo Horizonte, Itabirito, Jaboticatubas, Lagoa Santa, Matozinhos, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Rio Acima, Sabar�, Santa Luzia, Taquara�u de Minas, Jequitib�, Funil�ndia.

Eros�o e liquefa��o previstas
O documento da Vale citado no processo cont�m informa��es do setor de gest�o de risco geot�cnico da empresa. De 57 barragens avaliadas, 10 estavam enquadradas na chamada Zona de Aten��o (Alarp Zone). A metodologia � usada internacionalmente para medir o qu�o aceit�veis s�o os riscos de uma barragem. Estruturas enquadradas na Alarp Zone s�o aquelas em que o risco � toler�vel apenas se a redu��o for impratic�vel ou se o custo for desproporcional � melhoria obtida. A barragem de Brumadinho estava enquadrada nessa categoria. A Vale informou que laudos de estabilidade n�o indicavam risco iminente em Brumadinho e a metodologia usa padr�o mais r�gido que a legisla��o nacional e internacional.
No caso da barragem de Brumadinho, dados da Vale atestam a possibilidade de eros�o interna e liquefa��o, causa tamb�m apontada pela investiga��o da Pol�cia Federal (PF) como a principal hip�tese para o desastre. A liquefa��o ocorre quando o volume – ou a press�o da �gua na barragem – aumenta por algum motivo. O fen�meno foi respons�vel pela trag�dia em Mariana, em 2015.
O material traz ainda gr�ficos que mostram o “potencial de perda de vida” dessas barragens. Em um cen�rio sem alerta � popula��o, o risco de atingidos aumenta em at� 10 vezes (de cem para mil v�timas). Em um cen�rio com alerta sonoro, o n�mero de atingidos seria, de no m�ximo, 10 atingidos.
Em Brumadinho, n�o houve acionamento das sirenes – segundo a Vale, elas foram engolidas pela lama. “Isso demonstra a absoluta necessidade da ado��o de medidas imediatas (...) sob pena de eventos similares”, indica a Promotoria. O documento embasou decis�o judicial no in�cio do m�s, que determinou que n�o haja atividades que possam aumentar o risco nas outras barragens citadas. A 22ª Vara C�vel da Comarca de BH determinou que a Vale apresente relat�rio por auditoria independente sobre a estabilidade das estruturas e informe eventual eleva��o dos riscos de rompimento.
Tamb�m determinou multa di�ria de R$ 1 milh�o em caso de descumprimento. A decis�o levou a Vale a suspender a produ��o da mina de ferro de Brucutu, a maior do tipo, em Bar�o de Cocais, na Regi�o Central. � �poca, a Vale informou que recorreria da decis�o e disse que as barragens de Ouro Preto j� n�o estavam operando. As demais estruturas, segundo a Vale, tinham o prop�sito exclusivo de conten��o de sedimentos e n�o de disposi��o de rejeitos.
Recontagem
O Corpo de Bombeiros cruzou dados das listas de desaparecidos em Brumadinho e encontrou diverg�ncias. Segundo o tenente Pedro Aihara, porta-voz da corpora��o, alguns nomes estavam repetidos nas compila��es feitas pelos diferentes �rg�os e pela Vale. “No momento de trag�dia, temos uma lista de diferentes pol�cias, da Defesa Civil e da Vale. Ent�o, fizemos uma apura��o detalhada”, disse Aihara. Segundo ele, no entanto, o n�mero exato s� ser� confirmado na pr�xima atualiza��o, que deve ser divulgada amanh� pelo governo do estado.
Empresa diz ter pol�tica correta
A Vale defendeu hoje a pol�tica de alertas da mineradora para barragens. Segundo o gerente-executivo de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carv�o da empresa, L�cio Cavalli, os fatores descritos no documento que se tornou p�blico por causa da investiga��o sobre o desastre de Brumadinho s�o “probabil�sticos” e n�o “determinantes”, como as an�lises da consultoria independente T�v S�d, que atestou a seguran�a da estrutura em setembro.
J� o diretor de Finan�as e Rela��es com Investidores da Vale, Luciano Siani, afirmou que apenas nesta ter�a soube de workshop t�cnico feito na companhia em outubro para discutir a situa��o das barragens em Minas. O documento anexado ao processo � apresenta��o feita por causa desse evento.
Segundo ele, h� controv�rsia sobre a conveni�ncia de passar a escal�es superiores (e mesmo a alguns n�veis t�cnicos) informa��es sobre esses riscos. A ideia � que n�veis hier�rquicos inferiores tenham liberdade para tomar medidas emergenciais necess�rias. “Em 2017, especialistas sugeriram necessidade de reportar informa��es � alta administra��o, mas em 2018 reconheceram a dificuldade de atender a essa exig�ncia em grandes organiza��es”, disse.
Siani informou que a Vale continua colaborando com as investiga��es e contratou outro painel de especialistas internacionais para investigar as causas do rompimento da barragem. Para ele, a narrativa de que os n�veis de �gua aumentaram e deveriam ter disparado o alerta n�o � sustent�vel.
A Vale divulgou laudo sobre o funcionamento dos piez�metros (aparelhos que medem o n�vel de �gua) da barragem . Conforme o documento, a estrutura estava sem leitura desses equipamentos em janeiro. A Pol�cia Federal identificou em e-mails trocados por funcion�rios da Vale e da consultoria alem� T�v S�d, dois dias antes da trag�dia, que a mineradora sabia de problemas com esses sensores. Cavalli afirmou, por�m, que os problemas com cinco piez�metros reportados nas mensagens n�o poderiam causar o rompimento.
Igreja no debate
O presidente da Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Sergio da Rocha, foi a Brumadinho para conversar com fam�lias afetadas pelo rompimento da barragem da Vale. Acompanhado do arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, ele afirmou que a igreja pretende discutir propostas de mudan�a na legisla��o para evitar que trag�dias como essas voltem a ocorrer pelo Brasil. Segundo ele, infelizmente, n�o foi poss�vel aprender com as ocorr�ncias anteriores, como o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, h� tr�s anos.”Estamos, neste momento, no di�logo, tentando identificar as a��es. E quero dizer que vamos intensificar o grupo de trabalho da minera��o, para poder melhorar a legisla��o brasileira para evitar situa��es como essas e poder preservar a natureza e as pessoas”, afirmou.