
Macacos – Das pousadas, das estradas rurais e das vielas locais, o tr�nsito se fundia no largo da Igreja de S�o Sebasti�o, impedindo a fluidez dos ve�culos em qualquer sentido, sempre parando num dos cinco bloqueios erguidos pela Pol�cia Militar. Em meio ao caos no tr�fego das estreitas vielas do distrito de S�o Sebasti�o das �guas Claras, as pessoas se aglomeravam em volta de policiais e guardas municipais procurando informa��es. Desde o fim da tarde de s�bado, o fantasma do rompimento de barragem que consumiu Mariana e Brumadinho arrancou moradores, comerciantes e frequentadores de Macacos de suas casas e estabelecimentos comerciais tornando a rotina pacata e encantadora numa corrida desesperada pela salva��o. A tens�o era tanta que as pessoas discutiam gravemente com as autoridades, os idosos sentiam palpita��es e uma senhora at� desmaiou precisando ser acudida.
A press�o de saber que a casa da sua fam�lia seria arrebatada em menos de 12 minutos por uma onda de rejeitos em caso de rompimento da Barragem B3/B4 da Mina de Mar Azul, da Vale, em Nova Lima, na Grande BH, fez com que a aposentada Janete Atan�sio, de 48 anos, deixasse sua resid�ncia e passasse a noite e a madrugada procurando por informa��es. Em meio �s intermin�veis discuss�es sem qualquer decis�o em cada esquina, porta de casa ou passeio, Janete sentiu seus sentidos se esvaindo em meio � tens�o e desmaiou, precisando ser amparada por policiais e pessoas da comunidade. “Moro bem embaixo (na parte inferior da comunidade, a mais suscet�vel a um rompimento), na �rea de risco. A noite foi um inferno. Vim para o centro para ter informa��es, mas senti fraqueza, tontura e ficou tudo preto”, disse, enquanto era atendida por uma das ambul�ncias disponibilizadas pela mineradora Vale.

O acesso principal de BH para S�o Sebasti�o das �guas Claras, pela MG-200, ap�s o trevo da BR-356, foi completamente interditado pela Pol�cia Militar no povoado, desde a noite de s�bado. As estradas acess�veis onde o tr�fego foi permitido eram pelo Condom�nio Parque do Engenho ou pelo Condom�nio Pas�rgada. As vias de acesso ao centro da comunidade permaneceram abertas at� as 9h40, at� que a PM fechou as entradas, permitindo apenas o fluxo de quem precisava deixar suas habita��es ou trabalho. As �reas mais baixas, por onde corre o Ribeir�o dos Macacos, tamb�m foram evacuadas e a PM se certificava de que as pessoas n�o se mantivessem nesse ponto que seria o mais nevr�lgico, por onde se esperava que a onda de rejeitos de um rompimento chegasse.
A Vale disponibilizou micro-�nibus com credenciais da Defesa Civil para evacuar as pessoas que necessitassem, mas os ve�culos n�o conseguiam se mover com facilidade pelas vielas estreitas, sobretudo em meio ao fluxo intenso de ve�culos que tamb�m tenta evacuar a �rea, criando ainda mais congestionamento. A despachante Elvira Andr� Cardoso, de 60, mora h� 23 anos em Macacos e se sentiu ilhada e desinformada. “Precisamos saber quais s�o os planos (de evacua��o). Que abram outro acesso. Do jeito que est� s� se gerou p�nico. Queremos verdades e informa��es. Estamos aqui antes dessa barragem. Agora estamos na ang�stia, sem respirar a liberdade”, disse.
SURPRESA Uma bomba em cima da cabe�a dos moradores. � essa a sensa��o relatada por quem vive em Macacos quando o assunto � a Mina Mar Azul, da Vale. Moradores do distrito revelam que foram surpreendidos com o risco de rompimento da barragem B3/B4, no s�bado. “Tivemos palestra sobre os riscos da Capit�o do Mato (mais conhecida como Barragem de Pas�rgada). Sab�amos que a de Mar Azul estava l�, escondida, mas n�o t�nhamos ideia de que pendia para nosso lado, caso se rompesse. Ningu�m da Vale jamais mencionou essa quest�o. Foi uma surpresa para n�s”, afirma o comerciante Gabriel Francisco dos Santos, de 28 anos. A Capit�o do Mato � uma das 10 estruturas em risco severo de rompimento em Minas, conforme a��o movida pelo Minist�rio P�blico do estado (MPMG) contra a Vale.
A mineradora afirmou na noite de s�bado, por meio de nota, que fez reuni�es para apresenta��o do Plano de A��o de Emerg�ncia de Barragens de Minera��o (PAEBM) com a comunidade de Macacos, no ano passado. O �ltimo encontro ocorreu em 28 de novembro, com cerca de 60 integrantes da comunidade, onde foram apresentados os locais de instala��o das sirenes e discutidas as rotas de fuga. Mas, o treinamento efetivo de evacua��o, a ser feito pela Defesa Civil Estadual e pela Defesa Civil de Nova Lima, com apoio e participa��o da Vale, estava previsto somente para junho deste ano. “Durante as reuni�es, n�o fomos preparados para isso. No s�bado, ningu�m sabia por onde deveria passar”, diz Gabriel.
Ele, que abandonou com a fam�lia a casa onde moram, reviveu um drama. O pai dele, o aposentado Jaime Gomes dos Santos, de 73, � sobrevivente do acidente na Mina Rio Verde, tamb�m em Macacos, em 2001. Na �poca, cinco pessoas morreram quando a barragem se rompeu e os rejeitos de min�rio encobriram dois quil�metros de uma estrada e tamb�m causou assoreamento, degrada��o de cursos h�dricos e destrui��o de mata ciliar.
Jaime ficou soterrado pela lama, dentro de um caminh�o, durante 45 minutos. No in�cio deste m�s, o Estado de Minas conversou com o mestre de obras em Macacos, que alertou para o medo de outro rompimento na regi�o. Segundo Gabriel, o pai dele at� hoje n�o se recuperou psicologicamente da trag�dia. No s�bado � noite, em meio ao caos que tomou conta da popula��o durante a evacua��o do distrito, Jaime caiu e precisou ser internado em hospital em Nova Lima.
Perdas �s v�speras do carnaval
Uma madrugada de susto, tens�o e muito preju�zo. N�o bastasse a evacua��o repentina de suas casas, donos de pousadas em Macacos passaram a madrugada atendendo a liga��es de clientes que pediam o cancelamento de reservas. O empres�rio Leon Meilach Lerman, de 43 anos, estava com o estabelecimento lotado para o carnaval. Boa parte dos h�spedes j� havia antecipado 50% do pacote. Ao todo, 21 pessoas eram esperadas. “A Vale est� dando a assist�ncia aqui (no hotel em BH). Mas, e o preju�zo que ficou l�?. O medo de muitos � ter casas, lojas e pousadas saqueadas no per�odo em que estiverem fora.
Tamb�m dona de pousada, Helo�sa Cardoso, de 50, conta que todos os h�spedes est�o pedindo a devolu��o do dinheiro. “Nesse caso, somos obrigados a devolver. Quem vai querer ir para uma regi�o amea�ada? O problema � que, na maior parte dos casos, j� gastamos esse dinheiro e teremos de cobri-lo. Mas como teremos o recurso, se nossa fonte de renda foi comprometida?, lamenta. “�s 2h, uma fam�lia de Itatiaiu�u, onde tamb�m houve alarme de evacua��o por risco de rompimento de barragem, e que estava indo para Macacos no pr�ximo fim de semana, ligou cancelando.”


Elo�sa defende que, com a cidade em alerta e o estrago feito, a evacua��o seja total. “Se a barragem romper, as duas pontes de acesso ser�o engolidas pela lama e o distrito vai ficar ilhado. Estou na luta para tirar os pais de uma funcion�ria minha que moram � beira do rio. Esses moradores n�o receberam o indicativo para deixar suas casas, pois a Vale insiste que est�o em �rea de semirrisco. Para come�ar, risco existe ou n�o existe.”
Trabalhando numa das �reas mais vulner�veis, bem � margem do Ribeir�o dos Macacos, Nagib Catarino da Costa, de 43, subgerente h� 20 anos do restaurante Acervo da Carne, precisou deixar o estabelecimento �s pressas e n�o tinha sequer ideia de quando poderia voltar. “Hoje (ontem), era um dia, mesmo que com chuva, para atender cerca de 250 pessoas. Mas est� o fracasso. Estou justamente no lugar de onde vem a lama, pelo Ribeir�o dos Macacos. O rio passa bem na nossa frente, se romper mata todo mundo aqui no caminho.”
EFEITOS NEGATIVOS Nascida em Macacos, Geruza Fran�a Brasileiro, 38, dona do Caf� Judith Bistr�, conta que procurou saber dos locais que poderiam ser atingidos por barragens antes de abrir o neg�cio, mas critica o fato de o poder p�blico e as associa��es locais n�o terem tido o mesmo expediente. “Por morar aqui j� tinha procurado me informar. Essa � uma das nossas melhores �pocas, com o carnaval vindo. S� que as pessoas est�o com medo, pois n�o est�o sendo corretamente informadas sobre a nossa situa��o. J� estos sentindo um baque. E isso, desde Brumadinho.”
Dono do restaurante mais antigo de Macacos, que funciona desde 1958, Marcos Maia Amorim tamb�m viu seu movimento se evaporar desde que as barragens voltaram a ser motivo de preocupa��o no estado. Para ele, tamb�m, o pior � a completa falta de perspectivas. “V�o ficar fechados (os acessos a Macacos) at� quando? Depois de Brumadinho, precisamos saber se vai liberar para nos livrarmos desse transtorno que tem em Minas inteira . Ontem (s�bado) e hoje (domingo) a expectativa era fraca por causa da chuva, mas a tend�ncia era de melhora. Teve um casamento no final da tarde e todos foram embora. N�o � justo a forma como fazem”, disse.
"N�o peguei nada, s� o nen�m"

O clima entre moradores de Macacos hospedados em hot�is de Belo Horizonte � de incerteza. Num deles, na Savassi, na Regi�o Centro-Sul da capital, duas equipes de funcion�rios de empresa contratada pela Vale, incluindo assistentes sociais, prestam o apoio �s fam�lias. Como sa�ram com a roupa do corpo, est�o sendo providenciados produtos de higiene pessoal, medicamentos e roupas para quem teve de largar tudo para tr�s. Transporte para quem vai trabalhar est� sendo disponibilizado desde ontem. Hoje, as crian�as tamb�m ter�o carro para lev�-las �s escolas.
A comerciante D�bora Marotti Dumont, de 36 anos, diz que s� pensou em pegar o filho, o rec�m-nascido Caetano, de 1 m�s e 6 dias. Ainda no per�odo de resguardo e com as dores da cesariana, ela n�o sabe quando voltar� para casa. “N�o peguei fralda, rem�dio, nada, s� o nen�m. N�o sabia se subia para a parte mais alta ou se descia. As primeiras informa��es que recebemos era de que a barragem tinha rompido. S� depois conseguimos confirmar com meu sogro, que mora em frente � associa��o comunit�ria, onde estava a Vale, que era uma evacua��o preventiva. Mas, sendo assim, poderiam ter nos falado durante o dia”, critica.
Seis pessoas da fam�lia dela est�o no hotel. A m�e saiu de casa acompanhada dos cinco gatos e um c�o e foi para o hotel, que n�o aceita bichos. “N�o tenho nada a reclamar do tratamento que estamos tendo aqui. Trouxeram medicamentos, fraldas e at� banheira, al�m de oferecer roupas para meu filho. Mas me deram tanta coisa, que estou me perguntando por quanto tempo ficaremos aqui ainda”, relata.