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Estado de Minas

Rep�rter relata drama das primeiras 24 horas da trag�dia de Brumadinho

Mateus Parreiras foi o primeiro jornalista do Estado de Minas a chegar na �rea atingida pela lama e reviu tudo que havia testemunhado h� tr�s anos em Mariana


postado em 25/02/2019 06:00 / atualizado em 25/02/2019 07:43

No meio do caminho tinha uma avalanche de pedras, árvores, rejeitos e vítimas: estrada interrompida em um dos acessos a Brumadinho foi um dos primeiros obstáculos de uma série provocada pela catástrofe (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press-25/01/19 )
No meio do caminho tinha uma avalanche de pedras, �rvores, rejeitos e v�timas: estrada interrompida em um dos acessos a Brumadinho foi um dos primeiros obst�culos de uma s�rie provocada pela cat�strofe (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press-25/01/19 )

"Fui o primeiro rep�rter do Estado de Minas a chegar � �rea devastada em Brumadinho. Revivi tudo o que testemunhei tr�s anos antes, em Mariana, s� que agora em vers�o ampliada"


. Mateus Parreiras

25 DE JANEIRO DE 2019

A not�cia do rompimento
A sexta-feira come�ou sem a pressa habitual. Teria de redigir uma reportagem especial, depois estaria de folga at� segunda-feira. Em vez de chegar �s 7h, como fa�o usualmente, entrei no trabalho �s 12h53. Tr�s minutos depois, a colega Cristiane Silva se ergueu e alertou: “Uma barragem se rompeu em Brumadinho”. Procurei manter a calma. Tenho ido a Mariana e ao longo do Rio Doce desde o dia do rompimento da Barragem do Fund�o, em 5 de novembro de 2015. Passei quase dois meses morando em hot�is por l�. Dif�cil acreditar que uma destrui��o como aquela se repetiria.
Perguntei qual era a barragem. Ela disse que era a do (C�rrego do) Feij�o. De imediato, compreendi que uma nova trag�dia poderia estar em curso. Conheci esse complexo miner�rio em 10 de fevereiro de 2015, ao lado do rep�rter-fotogr�fico Leandro Couri, durante apura��o sobre grandes consumidores de �gua sem outorgas para uma s�rie de reportagens, A Guerra da �gua. Sabia que era uma opera��o de grande porte em meio � comunidade de Casa Branca, com muitas casas por perto. Para conferir a extens�o dos danos, teria de ir a Brumadinho.

O caminho

Em poucos minutos, o rep�rter-fotogr�fico Alexandre Guzanshe, o motorista Lenine e eu j� deix�vamos a sede do jornal, no Bairro Funcion�rios. H� tr�s acessos principais para a Mina do C�rrego do Feij�o. Um passa por Brumadinho, via BR-381, outro por Casa Branca, pela Serra do Rola-Mo�a, e outro pela BR-040, entrando em Piedade do Paraopeba. Escolhi o terceiro, pois teria mais chances de acesso tanto � minera��o quanto a Brumadinho. Mal sabia que a estrada de Brumadinho fora engolida. Sa� dentro da �rea atingida, sem bloqueios policiais ou dos bombeiros, que j� ocorriam do outro lado

Primeira vis�o da lama

O Rio Paraopeba � um velho conhecido. Comecei a frequent�-lo na �poca da faculdade. Nos �ltimos anos, o admirava em passeios com meu filho para ver o trem de min�rio passar no s�tio de meu ex-sogro. �s 14h42, 1 hora e 46 minutos ap�s a not�cia do rompimento, vi a lama espessa carregar troncos e se amontoar sobre o curso d’�gua. Do alto da estrada de ferro, distinguia a linha que separava o curso normal, de �gua barrenta, mas clara, da calha tomada pelo fluxo espesso e alto, se apoderando do rio e chegando mesmo a barr�-lo. Gente que pescava ali, tapava a boca com as m�os. N�o acreditava. Deu um n� na garganta ao me lembrar do Rio Doce.

Pontilh�o desintegrado
Chegamos perto das �reas atingidas. A caminho do Bairro de C�rrego do Feij�o, �s 15h, mais uma demonstra��o da for�a da avalanche de rejeitos: Um pontilh�o f�rreo de concreto pr�-moldado, erguido a mais de 20 metros do ch�o e capaz de suportar dezenas de vag�es abarrotados de min�rio simplesmente desapareceu. No alto da estrutura destru�da, tr�s oper�rios da Vale observavam o terreno pavimentado pela lama, seus olhares perdidos e os celulares tocando sem parar com parentes e amigos procurando saber not�cias. Disseram que estavam voltando de Alberto Flores, viram as carretas da mina voltando. Por causa de 13 segundos, poderiam ter morrido engolidos pela lama pois iam pegar turno no restaurante. Quem estava l�, devia ter morrido, disse um deles, que n�o quis dar o nome por temer pelo emprego.

Estrada bloqueada
Sem poder avan�ar pela estrada at� C�rrego do Feij�o, buscamos o acesso a Brumadinho. �s 15h25, contudo, vimos que a rodovia tinha sido rasgada pela lama. Os postes de energia el�trica foram levados com tanta for�a que as pe�as de madeira lascaram e ca�ram no asfalto. As fagulhas de curto-circuito provocaram um inc�ndio no lado de Brumadinho.

Novo rompimento
Dos dois lados da rodovia partida ao meio, as pessoas tentavam entender se havia uma forma de atravessar. Mas ent�o um ru�do fluido, que lembra uma corredeira chamou a minha aten��o. Perguntei sem obter resposta das pessoas que estavam bloqueadas se tamb�m escutavam que tinha �gua descendo. Um rio ent�o surgiu das curvas enlameadas empurrando o barro, trazendo geladeiras, pneus e objetos que n�o podia identificar, arrancados de resid�ncias e s�tios. Uma das barragens de �gua acabara de se romper. Naquele dia, outra represa tamb�m se partiu.

Pousada submersa
Conversando com quem tentava atravessar para Brumadinho, ouvi boatos de que duas mulheres tinham sido encontradas feridas na Pousada Nova Est�ncia. No local da hospedagem, somente um remanso da lama que desceu pelo vale. Foi ent�o que conheci um dos primeiros her�is dessa trag�dia, quando saiu do barro o bombeiro hidr�ulico Jefferson Ferreira dos Passos, de 33 anos. Estava quase camuflado, o rosto inteiramente recoberto por lama endurecida. Como outras pessoas que ainda absorviam a extens�o e apenas reagiam, sem ceder �s emo��es para n�o parar sua busca. Procurava pela irm� e a sogra, que trabalhavam na pousada. No caminho, encontrou duas mulheres feridas e as ajudou. Uma estava ferida, com a perna quebrada, perdendo os sentidos. Ele me disse que deu um jeito de ela respirar fora da lama at� a chegada dos bombeiros.

Tumulto e revolta
Ao chegar em C�rrego do Feij�o, �s 19h55, dando voltas por estradas vicinais, encontramos uma grande concentra��o de parentes e amigos de desaparecidos buscando por not�cias. Vi um pequeno tumulto. O ajudante de caminh�o R�gerson Alves da Costa, de 48 anos, questionava a falta de socorristas na lama procurando por seu irm�o. Revoltado, dizia n�o ver os bombeiros entrando na lama, s� gente da comunidade. Queria not�cias. Exigia e repetia o nome do irm�o: Ronivon Olair da Costa, que era supervisor da Vale. Dizia que ligava para o telefone dele e n�o tinha resposta. N�o aceitava que o irm�o estivesse sob os rejeitos.

Em busca de um nome
J� no escuro, �s 20h12, a multid�o se reuniu na pra�a central de C�rrego do Feij�o. O assessor de comunica��o dos bombeiros, tenente Pedro Aihara, subiu numa cadeira e anunciou que leria os nomes de pessoas que foram encontradas. O sil�ncio e a express�o de expectativa se seguiram at� o �ltimo dos nomes, sem nenhuma comemora��o ou al�vio. N�o havia not�cias boas para o povo do C�rrego do Feij�o.

Primeira noite
Entre as idas e vindas, procurando acessos � �rea devastada e �s comunidades destru�das, parei para procurar uma pousada. Por ser basicamente rural, o lado em que me encontrava de Brumadinho praticamente n�o tinha hospedagens. Encontrei uma pousada em Piedade do Paraopeba. O dono n�o estava. Consegui o celular dele e combinei de encontr�-lo, frisando que chegar�amos quase de madrugada. Aquele local se tornou nossa base, mas mesmo a hospitalidade do senhor Rossini e da dona Silvana n�o conseguiram me desacelerar. A madrugada passou r�pida, quase que apenas um cochilo. A mente estava a postos e os primeiros raios de sol foram a fagulha para reiniciar o dia com disposi��o total.


26 DE JANEIRO DE 2019

Comboios de rabec�es

Por volta de 8h, comboios de caminh�es frigor�ficos e rabec�es chegaram ao C�rrego do Feij�o. Um golpe na esperan�a de muitas pessoas que, desde o raiar do dia, procuravam not�cias dos desaparecidos. No campinho de futebol que se tornou base de pouso e decolagem dos helic�pteros e na pra�a central a afli��o crescia com a chegada das aeronaves, uma ap�s a outra, transportando em cestas dependuradas os restos mortais de pessoas conhecidas da comunidade, �s vezes tr�s num minitervalo de menos de 10 minutos. Os mortos desciam do c�u em cestas de onde escorriam placas de lama e rejeitos.

Al�vio no desespero
No centro da multid�o desolada que se aglomerava na pra�a central, um grupo se abra�ava e sorria. �s 9h19, o torneiro mec�nico Peter Marques de Faria, de 36 anos, e o irm�o dele, o mec�nico Paulo Henrique de Faria, de 44, comemoravam o encontro do irm�o com vida. Aliviados, me contaram n�o saber onde o irm�o estava, mas j� estavam felizes de saber que ele estava vivo. Comovidos, pediam para que os parentes de atingidos mantivessem a esperan�a.

Cercas, troncos e fac�es
Bombeiros e resgatistas vasculhavam a �rea atingida pelos rejeitos. Entre 10h e 10h40, tentei encontrar caminhos para chegar perto da �rea de buscas da Pousada Nova Est�ncia. Usei mapas de sat�lites e dicas de lavradores at� encontrar uma estrada desativada, coberta de mato. No meio da lama, a �nica estrutura despontando dos rejeitos eram duas lajes apoiadas. Brigadistas tentavam se aproximar para ver se havia alguma v�tima por l�. Um deles me pediu para ajudar jogando paus, cercas e troncos para revestir a lama de plataformas para caminhar. Ao me entregar seu fac�o, pediu para cortar o arame farpado de uma cerca. Com alguns golpes, parti o cabo. Com alavancas e bast�es, os socorristas volunt�rios de Casa Branca e da Brigada Amda conseguiram visualizar um quarto com m�veis e utens�lio dentro das lajes. Cogitaram afastar as estruturas com jipes, mas os ve�culos n�o tinham como chegar. A solu��o foi demolir as paredes, mas n�o havia ningu�m l�.

Perigo no vale

Os brigadistas que abandonaram as lajes seguiram sondando a lama atr�s de vest�gios de atingidos. Mas, �s 11h47, um helic�ptero dos bombeiros voou baixo pela �rea atingida, se aproximou do nosso grupo e gesticulou para que nos afast�ssemos. O r�dio de um dos socorristas avisou que outra barragem amea�ava se romper, e por isso todos os resgatistas estavam sendo removidos. �s 11h50, veio a ordem do diretor de reda��o, Carlos Marcelo, me dizendo para sair imediatamente e procurar um lugar mais alto e seguro.

Rotina de dor e esperan�a

Numa trag�dia como a de Brumadinho, cada dia � um drama, um esfor�o diferente, uma part�cula de esperan�a para quem procura seus entes desaparecidos. Quando voc� se torna figura conhecida das pessoas da comunidade, que lhe perguntam informa��es e oferecem at� carona, � porque, ainda que de uma forma involunt�ria, voc� tamb�m passou a fazer parte da pior trag�dia humana brasileira. Foram, ainda, pelo menos mais tr�s semanas incessantes nesse trabalho, duas delas baseado em Piedade do Paraopeba e outra de idas e vindas, num momento em que o horror de Brumadinho se alastrou em temor para todos os cantos do estado com mais barragens do Brasil.


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