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Estado de Minas

'Do que a Vale matou e deixou vivo, est� todo mundo sofrendo', diz sobrevivente de Brumadinho

Bombeiro hidr�ulico escapou da trag�dia e conta como viu a onda de lama em 25 de janeiro, que o obrigou a correr cortando mata fechada por quatro horas


postado em 25/02/2019 06:00 / atualizado em 25/02/2019 08:00

Homem que escapou do tsunami de lama estava em um sítio do Córrego do Feijão quando viu os rejeitos varrerem caminho pela frente(foto: Alexandre Guzanshe/Em/D.A PRESS)
Homem que escapou do tsunami de lama estava em um s�tio do C�rrego do Feij�o quando viu os rejeitos varrerem caminho pela frente (foto: Alexandre Guzanshe/Em/D.A PRESS)

Ernando Luiz de Almeida - bombeiro hidr�ulico que escapou da trag�dia

 

Foram quatro anos trabalhando num s�tio do C�rrego do Feij�o. Por causa do servi�o bem-feito, mesmo depois de se tornar funcion�rio da Prefeitura de Brumadinho e respons�vel pelo sistema de abastecimento da comunidade, os donos da propriedade continuaram contando com o bombeiro hidr�ulico Ernando Luiz de Almeida, de 50 anos. Depois do expediente ou nos fins de semana, era ele a cuidar do lugar. No dia 25 de janeiro, precisou ir l� mais cedo, porque a casa estava sem �gua. Pensou se tratar de entupimento no filtro. O barulho come�ou de repente, de caminh�o tombado na estrada, pensou. De repente, viu apenas a escurid�o, acompanhada de ventania. Como num filme, paus e pedras rolavam, �rvores de grande porte se revolviam. O instinto natural foi correr, mesmo com a quase certeza de morte. Conseguiu ficar � frente da lama, saiu port�o afora e correu morro acima. No reflexo, sem pensar. Foram mais de quatro horas cortando a mata e a �rea da Vale a p�, at� chegar ao centro de C�rrego do Feij�o. Sobrevivente, sua maneira de lidar com a trag�dia foi n�o parar de trabalhar desde ent�o. De uma das �ltimas ruas do vilarejo, v� hoje o que sobrou do s�tio – vis�o antes imposs�vel, j� que o caminho era tomado pela mata. Da lama, sobrou a dor que, segundo ele, se arrastar� pelo resto da vida. (JO)

 

IN�CIO DO PESADELO
Foi Deus. Foi Ele que me tirou. Tinha sa�do na sexta-feira para trabalhar, quando uma pessoa do C�rrego (do Feij�o) me ligou dizendo que estava sem �gua. Ele havia me ligado no dia anterior, eu conferi o sistema da rua, estava tudo normal. Resolvi que ia filmar para mostrar a ele. Passei em casa antes, onde estavam minha filha, de 14 anos, e minha esposa. Minha menina me falou que a dona do s�tio (a advogada e secret�ria municipal de Desenvolvimento Social de Brumadinho, Sirlei de Brito Rodrigues, uma das v�timas da trag�dia, dona da propriedade com o marido, Edson Luiz Albanez), estava ligando, porque tamb�m estava sem �gua. N�o tinha l�gica, pois o sistema estava normal. Achei que o filtro pudesse estar entupido. Cheguei ao s�tio e fui em dire��o ao filtro. Eu tinha o costume de, se ela ou o seu Edson passassem, eu parava. Por volta de 12h30, ela saiu, ficou na quina do blindex, gesticulando e perguntando que barulho era aquele, de frente para a confus�o. Eu estava a 10 metros dela, de costas. Pus o ouvido no muro, achei que era um caminh�o que tinha tombado. Mas o barulho n�o parava. Quando olhei no sentido da Sirlei, vi a escurid�o e uma ventania. N�o vi lama, mas vinha pau batendo, pedra rolando, uma �rvore que precisava de quatro homens para segurar o tronco virada para cima... o blindex espatifou.

CORRIDA
Gritei para a Sirley e para a Lita, a empregada, sa�rem correndo, porque era terremoto. Para mim, ela tinha corrido tamb�m. Era uma pessoa agitada, mas, por algum motivo, travava diante de certas situa��es. Penso que ela travou. Fui na dire��o da cerquinha e a empregada na parte de baixo. Eu corria, pensando: ‘Para que estamos fazendo isso, se vamos todos morrer mesmo?’. Gritei: ‘Lita, vem para cima, beirando o muro’. Falei para ela pular o muro que eu n�o conseguiria. Nem me lembrei de que o port�o estava aberto e que eu tinha sido o �ltimo a entrar. Olhei para tr�s e a Sirlei estava na quina do blindex, com a m�o na cabe�a. Essa confus�o bateu na casa, mas ela n�o tombou. Foi para cima e levantou uma poeira danada. Quando vi a casa caindo e a Lita perguntou, achei que a Sirlei estivesse em algum canto.

MORRO ACIMA

Sa�mos no port�o e uma �rvore caiu em cima da Lita, que foi para o ch�o, arrastou os joelhos e se machucou toda. Da minha cabe�a, n�o sa�a que eu ia morrer. Sa�mos e pegamos a estrada no sentido da Santinha/Serrad�o. Minha inten��o era correr morro acima, pois com �gua � assim. Fogo � que se foge morro abaixo. Encontramos um cara num carro, meio dormindo, perguntando o que estava acontecendo. Eu entrei de um lado, Lita de outro, falei para ele subir. Nunca passou por mim que era barragem. Achei que fosse terremoto. A lama gastou de cinco a 10 minutos para dar a volta e fechar tudo embaixo.

DEVASTA��O
Quando chegamos em cima, era um desespero total. Falaram para esperar o resgate. Eu s� queria voltar para casa. Um seguran�a falou que eu n�o podia entrar na �rea da Vale. Disse a ele que uma coisa era ele falar, outra, era me impedir. Oito pessoas vieram comigo, mas come�aram a ‘molengar’, ent�o, deixei todo mundo para tr�s. Cortei tudo a p� e, s� ent�o, pude de fato ver o que tinha acontecido. Na hora, pensei que a Sirlei tinha se salvado e pensei nas minhas filhas de 6, 14 e 25 anos e na minha mulher. Cheguei � instala��o de tratamento de min�rio, pedi uma caminhonete, falaram que dali ningu�m entrava, ningu�m sa�a. Ent�o continuei caminhando.

REENCONTRO

�s 16h, sa� na rua principal. Meus cunhados e meu genro estavam doidos, achando que eu estava debaixo da lama. Fui para Casa Branca com minha fam�lia. Voltei mais tarde e fiquei trabalhando no restabelecimento de �gua da comunidade at� as 3h.

SOLID�O
Fui para casa sozinho, sem luz, tomar banho frio e pensar onde eu estava e como sa� dali. N�o consegui dormir nem comer. Minha fam�lia voltou uma semana depois. �s 6h30, voltei para a rua, para continuar mexendo na �gua e s� parei no dia 12. Se parar, � pior. Do que a Vale matou e deixou vivo, est� todo mundo sofrendo por causa dela. Gente que perdeu parente, amigos, est� com a casa destru�da ou debaixo da lama. E ainda acha lei que cobre os erros dela. Isso � o que mais machuca. Se eu viver mais 40 anos, ser�o mais 40 anos de sofrimento.


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