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Estado de Minas

'As pessoas em desespero acreditam em Deus e em quem est� ali, trabalhando'

Uma das figuras-chave da opera��o p�s-cat�strofe relembra dramas no contato com as fam�lias de v�timas


postado em 24/03/2019 06:00 / atualizado em 24/03/2019 08:55

(foto: Juarez Rodrigues/ EM/D.A Press)
(foto: Juarez Rodrigues/ EM/D.A Press)

Tenente-coronel Fl�vio Godinho
Porta-voz da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec)

 

 Cidade Administrativa, Belo Horizonte. Em seu gabinete, o tenente-coronel Fl�vio Godinho, coordenador-adjunto da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), demonstra como tem iniciado suas palestras sobre gest�o de desastres. No celular, p�e um �udio que causa inquieta��o, at� um certo p�nico: o soar de uma sirene que parece intermin�vel � entrecortado por uma voz grave, avisando que aquela � uma situa��o real de rompimento de barragem, e que as pessoas devem abandonar imediatamente suas casas em dire��o a pontos de encontro para se salvar. “Em Brumadinho, ela n�o tocou”, diz, depois de um sil�ncio de segundos, quase sepulcral. Godinho, um dos personagens emblem�ticos da trag�dia na Barragem 1 da Mina C�rrego do Feij�o, porta-voz da Defesa Civil na ocasi�o, resume a situa��o atual, �s v�speras dos dois meses da cat�strofe que deixou 212 pessoas mortas e outras 93 desaparecidas na cidade da Grande BH. “As evacua��es que est�o ocorrendo hoje incomodam, mudam a vida das pessoas, mas elas est�o tendo uma oportunidade que os moradores de Brumadinho n�o tiveram. A sirene estava em um local que a lama atingiu. E n�o deveria estar l�”, disse. Ao Estado de Minas, o tenente-coronel conta como foram os momentos em campo, as impress�es do desastre e a vontade de acabar com a ang�stia de fam�lias que ainda n�o puderam enterrar seus mortos.

 

 

A NOT�CIA
“Era hora do almo�o e a equipe toda da Cedec (Coordenadoria Estadual de Defesa Civil) estava saindo. Temos um plant�o 24 horas pelo telefone (31) 99818-2400, que atende ao estado inteiro. As pessoas come�aram a discar para o n�mero 190 (da Pol�cia Militar), avisando sobre o rompimento. Como a equipe do plant�o fica junto da PM e dos Bombeiros no centro de comando, come�amos a receber mensagens. Fomos imediatamente para o aeroporto da Pampulha e embarcamos. No primeiro momento, n�o t�nhamos no��o do tamanho do desastre. S� quando a aeronave passou o vale e vi a lama � que tive ideia do ocorrido.”

QUEST�ES IMINENTES
“A preocupa��o dos primeiros instantes foi socorrer vidas. N�o t�nhamos no��o de como era o terreno – com e sem lama. Achamos que ela tinha descido no caminho natural. N�o sab�amos que tinha arrancado tudo. S� depois nos demos conta da agressividade, em propor��o e velocidade. Por onde come�ar o resgate, quantas pessoas estavam ali, onde elas estavam concentradas eram quest�es a serem respondidas imediatamente. Em linha reta, t�nhamos 5,3 quil�metros de desastre. Em trajet�ria, eram 10,3 quil�metros. N�o t�nhamos no��o nem da extens�o. As informa��es de que existia um refeit�rio, um vesti�rio, uma pousada foram chegando depois.”

INTEGRA��O
“Foi uma luta contra o tempo para socorrer quem era vis�vel, com uma opera��o a�rea enorme. O trabalho sin�rgico entre as for�as que atuaram no local foi primordial. Foram resgatadas 192 pessoas ilhadas ou que tiveram contato com a lama. Trabalhamos de meio-dia at� a virada da noite, enquanto ainda havia condi��es. N�o sab�amos quem estava l�. At� hoje n�o sei por que, mas a Vale n�o tinha a lista das pessoas que estavam na mina e s� a apresentou dias depois. Tanto que come�amos a cadastrar os desaparecidos e pedimos a qualquer pessoa que desse falta de um parente que avisasse � Defesa Civil.”

INTERMEDIA��O
“Faz�amos a interlocu��o das fam�lias com a Vale. Pessoas sa�am de l� para procurar parentes em hospitais e no IML (Instituto M�dico-Legal). Pedimos � empresa para disponibilizar vans e outros transportes para atender as fam�lias nessa peregrina��o. E come�amos tamb�m a coordenar o recebimento de doa��es. As pessoas mandam na expectativa de que quem precisa, receba. Ent�o, fizemos auditoria de tudo o que entrava para, na sa�da, n�o virar pauta pol�tica. Chegou o momento em que fomos para a m�dia para as pessoas n�o mandarem mais. Como a Vale foi obrigada a dar hospedagem e alimenta��o �s v�timas, as doa��es n�o eram necess�rias, naquele momento. Por isso, mapeamos as pessoas que foram atingidas de forma indireta para entregar. Muitas pessoas perderam casa, sa�ram com a roupa do corpo. Determinamos � Vale o acolhimento dessas pessoas em hot�is. E fomos em cada um verificar se o atendimento das v�timas era o mesmo dado a outros h�spedes. Tivemos de fazer interlocu��o tamb�m para liberar a estrada do C�rrego do Feij�o que passa dentro da mina, pois um caminho que demorava 20 minutos passou a ser feito em duas horas depois do rompimento. Com essa alternativa, os trajetos podiam ser feitos em 35 minutos.”

SEM DESCANSO
“Depois do rompimento, trabalhei 10 dias ininterruptos com carga de 20, 21 horas de servi�o. Fui folgar no 11º dia. Fiquei em Brumadinho, dormi l� e me alimentava quando dava. Nos primeiros dias, foram tantas demandas que nem percebia que estava com fome. Comia em campo mesmo, no marmitex. J� vi desastres em outros locais e posso dizer. S� sabe o que ocorreu em Brumadinho quem esteve l�. Por mais que se veja na televis�o e nos jornais, n�o se tem no��o do que � aquilo.”

SALVA��ES E PARTIDAS

“Esse � o Edinei, um sobrevivente (indica uma foto). Os funcion�rios estavam cantando num vesti�rio e ele estava do lado de fora, com um colega que era pastor. Quando viram a lama, sa�ram correndo e ca�ram numa canaleta. O Edinei quebrou o punho, se levantou e falou com o colega: ‘Vamos’. O pastor respondeu: ‘Vai, porque meu prop�sito termina aqui’. Ele se ajoelhou, come�ou a orar e a lama o pegou. S�o v�rias hist�rias. Gente que correu em linha reta e n�o sobreviveu, gente que foi para o alto e est� viva...”

MEGAOPERA��O
“Em alguns dias tivemos mais pousos e decolagens do que em Confins. Foi criada uma estrutura de espa�o a�reo controlada por um major da Aeron�utica. Havia 31 helic�pteros. Foram mais de 1,5 mil horas de voo. Superamos em dias de salvamento a trag�dia de Mariana, onde a opera��o durou 55 dias. � o maior evento de busca e salvamento da hist�ria de Minas Gerais. O cora��o da opera��o de coordena��o foi o SCO (Sistema de Comando de Opera��es, uma ferramenta de gerenciamento internacional). Ele coordena as v�rias ag�ncias municipais, estaduais e federais que trabalham de maneira integrada. Na trag�dia do World Trade Center (nos Estados Unidos, em 2001), 53 ag�ncias atuaram. Brumadinho superou 55: ANA (Ag�ncia Nacional das �guas), Cemig, Copasa, Bombeiros e Defesa Civil de outros estados... Algumas vieram para ajudar ou entender a crise.”


PARA SEMPRE NA MEM�RIA
“As pessoas que est�o naquele momento de desespero acreditam em duas coisas: primeiro, em Deus, se t�m uma religi�o; segundo, na gente que est� ali trabalhando. Se fracassar, se parar, tira a esperan�a de quem precisa enterrar algu�m e p�r um ponto final na ang�stia. � preciso encerrar o ciclo, sen�o a esperan�a � ad eternum (do latim, para sempre). O ser humano � in�cio, meio e fim. � grande a satisfa��o de ajudar um an�nimo e dar o m�nimo de resposta. Vem do cora��o. Ajudar conhecidos � f�cil. A�, entra o lado de ser pai, irm�o, ter m�e. Quando est� se doando, voc� n�o preocupa com sono, roupa suja, alimenta��o, porque a luta inicial � contra o tempo. Quanto mais tempo passar, menor � a chance de achar sobreviventes. Quando se localizava um corpo e o identificava, por pior que fosse, era um alento para as fam�lias. As chances de vida acabavam, mas se encerrava a ang�stia. Infelizmente, ainda hoje temos v�rias fam�lias nessa ang�stia.”


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