
"N�s sempre defendemos negocia��es coletivas, principalmente porque � um momento de negocia��o desigual. Haver� pessoas que se ver�o obrigadas a aceitar a proposta da Vale porque est�o passando necessidade. A Vale se aproveita da situa��o criada pela trag�dia que ele mesma provocou para fazer com que as pessoas aceitem acordos violadores. E depois que tiver v�rios acordos individuais, a empresa poder� apresent�-los � Justi�a como padr�o de indeniza��o que deve ser aplicado a todos", disse Andr� Sperling, promotor do Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG).
O termo de compromisso estabelece que o atingido procure a Defensoria P�blica caso tenha interesse na negocia��o extrajudicial. A partir da�, o �rg�o solicita a proposta da mineradora. O c�lculo da indeniza��o � feito com base em uma tabela que cont�m os valores relativos a cada dano sofrido. A pessoa tem tr�s dias para decidir se aceita o acordo. Se concordar, ainda pode manifestar arrependimento em at� sete dias. Vencidos esses prazos, a Vale deve efetuar o pagamento em cinco dias.
"A Defensoria P�blica criou essa tabela de valores a portas fechadas com a Vale. Eticamente � muito grave. � uma postura que n�o pode ser assumida. A Defensoria P�blica est� nesse processo ao lado do atingido ou ao lado da Vale? O certo, a meu ver, seria a Vale ter discutido em uma assembleia com os atingidos os par�metros para a fixa��o dos valores, e a� ela estaria legitimada pela constru��o coletiva", afirmou Sperling.
A tabela negociada entre a Defensoria P�blica e a Vale � mantida em sigilo. O MPMG diz ter informa��es de que a mineradora tamb�m pretende us�-la para as repara��es de danos em Macacos, um distrito de Nova Lima (MG), onde 269 pessoas tiveram de sair de casa devido ao risco de rompimento de outra barragem da Vale. "Em Macacos, ouvimos uma av� que se queixava da saudade dos netos, que deixaram de visit�-la porque est�o com medo. Isso � muito grave. � um sofrimento imposto pela Vale. H� v�rios casos de parentes que foram obrigados a se distanciar. E ela est� quantificando isso? Isto est� na tabela?", questionou o promotor.
O Tribunal de Justi�a de Minas Gerais (TJMG) j� anunciou que homologar� os acordos extrajudiciais que forem firmados. O assunto foi discutido na segunda-feira (15), em uma reuni�o dentre desembargadores e defensores p�blicos. "Os acordos a serem firmados pelas v�timas e seus familiares dizem respeito aos direitos individuais dispon�veis e n�o lhes retiram qualquer direito futuro, inclusive os que venham a constar de eventuais acordos coletivos", diz nota divulgada pelo tribunal.
A expectativa da Defensoria P�blica de Minas Gerais � que os primeiros acordos possam ser homologados j� a partir da pr�xima semana. Diante das cr�ticas do MPMG, a Defensoria divulgou nota alegando que o acordo extrajudicial � apenas uma das possibilidades de repara��o dos danos e n�o impede os atingidos de buscar seus direitos de outra forma. A nota lembra que, pela Consttui��o, cabe � Defensoria P�blica garantir orienta��o jur�dica, promover os direitos humanos e defender os necessitados. O �rg�o tem autonomia e independ�ncia para atuar.
"A Defensoria P�blica respeita a autonomia e a capacidade dos seus assistidos e garante que direitos n�o ser�o preteridos. Muito pelo contr�rio, acredita que a solu��o extrajudicial ser� capaz de garantir indeniza��o condizente com a perda de cada um, em curto tempo, ou seja, de forma c�lere e efetiva", acrescenta a nota.
A Vale tamb�m defende a legitimidade da Defensoria P�blica na condu��o das negocia��es extrajudiciais. "A institui��o presta assist�ncia jur�dica integral e gratuita a todos os cidad�os, com foco, entre outras coisas, na garantia do acesso � Justi�a e no fomento � solu��o pac�fica de conflitos sociais, sendo fundamental ao processo de efetiva��o de direitos". Sobre as cr�ticas do MPMG, a mineradora disse apenas que a tabela de valores � mantida em sigilo para resguardar a privacidade e a seguran�a dos atingidos.
A situa��o exp�s a exist�ncia de diverg�ncias entre as institui��es que at� ent�o vinham atuando de forma conjunta na repara��o dos danos causados pelo rompimento da barragem da Mina C�rrego do Feij�o: o MPMG, o Minist�rio P�blico Federal (MPF), as Defensorias P�blicas do estado e da Uni�o, e a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais.
"Causou perplexidade em todos, porque est�vamos buscando uma constru��o participativa junto com os atingidos. A negocia��o ocorreu paralelamente a audi�ncias e reuni�es que v�nhamos realizando, sem que f�ssemos informados. Se fosse algo bom, por que foi feito escondido? Por que n�o chamaram as demais institui��es?", questionou o promotor Andr� Sperling.
Participa��o dos atingidos
A negocia��o coletiva, tal como prop�e o MPMG, n�o significa que todas as indenizados ter�o os mesmos valores e sim que as pessoas pleiteiem seus direitos levando em conta par�metros previamente definidos e conhecidos por todos. Tais par�metros seriam constru�dos com a participa��o os atingidos, de forma a garantir o atendimento de suas necessidades.
Para o Minist�rio P�blico estadual, ao construir a tabela de valores a portas fechadas com a Vale, a Defensoria P�blica repete o papel da Funda��o Renova na trag�dia de Mariana, ocorrida em 2015, com o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, joint venture da Vale e da BHP Billiton. Tal modelo � criticado tanto pelo Minist�rio P�blico estadual quanto pelo federal.
Outro questionamento � que os acordos extrajudiciais garantiriam apenas um al�vio material imediato e abririam caminho para que a Vale n�o assuma compromissos com a restaura��o integral dos modos de vida. "Nem sabemos ainda a extens�o dos danos. Nem sabemos quando o Rio Paraopeba poder� voltar a ser usado, quando os modos de vida e produ��o poder�o ser restaurados. As pessoas v�o continuar tendo preju�zos, e a Vale vai poder alegar que j� indenizou, transferindo assim essa responsabilidade ao poder p�blico", disse Sperling.
Para o promotor, a preocupa��o imediata da mineradora deveria ser assegurar recursos financeiros que deem tranquilidade aos atingidos e criar melhores condi��es para o transcorrer das negocia��es. Atualmente, vigora um acordo que garante um pagamento emergencial mensal no valor de um sal�rio m�nimo por adulto, meio sal�rio por adolescente e um quarto desse valor por crian�a. Segundo Sperling, tais repasses, embora melhorem o cen�rio, n�o garantem uma situa��o de estabilidade financeira para a maioria das fam�lias.
Justi�a do Trabalho
Desde o dia 25 de janeiro, quando ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos da Vale na Mina do Feij�o, foram encontrados 230 corpos em Brumadinho. Segundo as informa��es mais recentes da Defesa Civil de Minas Gerais, divulgadas nesta quinta-feira (18), ainda est�o desaparecidas 47 pessoas. Diversas v�timas eram trabalhadores da Vale ou terceirizadas que prestavam servi�o � mineradora, raz�o pela qual a discuss�o das indeniza��es tamb�m � feita na Justi�a do Trabalho.
No fim do m�s passado, o Minist�rio P�blico do Trabalho (MPT) moveu uma a��o para obrigar a Vale a desembolsar, a t�tulo de indeniza��o por danos morais, no m�nimo R$ 5 milh�es para cada uma das fam�lias dos mortos. Somando-se os danos materiais, os valores pleiteados giram entre R$ 8 milh�es e R$ 9 milh�es. Entre outros elementos, a defini��o desse montante levou em conta um documento interno da Vale, no qual se menciona uma metodologia que calcula em US$ 2,56 milh�es o valor da vida para fins de indeniza��o. Atualizado, o valor giraria em torno de R$ 10 milh�es.
Na semana passada, um grupo de sindicatos que representam os trabalhadores da Vale e das terceirizadas tamb�m moveu uma a��o coletiva. Ao todo, os sindicatos pedem R$ 5 bilh�es como indeniza��o pelos danos morais coletivos e sociais provocados pela mineradora, al�m de R$ 10 milh�es para cada uma das fam�lias dos mortos e R$ 1 milh�o para os empregados sobreviventes. De acordo com as entidades sindicais, a a��o refor�a diversos pedidos feitos pelo MPT e adiciona outros. Para definir valores, os sindicatos consideraram a divulga��o do balan�o do �ltimo trimestre de 2018 da Vale, que revela lucro de US$ 3,7 bilh�es.
Investiga��es
Paralelamente �s discuss�es em torno das indeniza��es, prosseguem as investiga��es da trag�dia em Brumadinho. Em opera��o deflagrada ter�a-feira (16), a Pol�cia Federal recolheu celulares, pen drives e documentos durante o cumprimento de cinco mandados de busca e apreens�o. Um dos alvos foi a resid�ncia de F�bio Schvartsman, presidente afastado da Vale desde o in�cio do m�s passado.
N�o houve pris�es. Tr�s dos cinco mandados foram cumpridos em Belo Horizonte e em Nova Lima, na regi�o metropolitana, um no Rio de Janeiro e um em S�o Paulo. Na capital paulista, o alvo foi a casa de Schvartsman. "As medidas visam a apreender documentos, m�dias e outros elementos de convic��o que guardem rela��o aos fatos apurados", informou a PF em nota.
As investiga��es levaram � pris�o de 13 investigados, mas todos j� foram soltos. Destes, 11 s�o funcion�rios da Vale e dois s�o engenheiros da consultoria alem� T�v S�d, respons�vel pelo laudo que atestou a seguran�a da estrutura que se rompeu.