
No princ�pio, o desejo era adotar um rec�m-nascido, independentemente da cor da pele ou do sexo. Mas a vida surpreende, os dias ensinam e as expectativas foram atropeladas sem deixar qualquer frustra��o ao casal morador de Contagem, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Hoje, Gilmar Pereira de Carvalho, de 58 anos, e Luciana de Freitas Barbosa Carvalho, de 38, est�o felizes da vida como pais das irm�s biol�gicas Ana Lu�sa Barbosa Carvalho, de 13, e Thayn� Barbosa Carvalho, de 8, que vieram ao mundo em Patroc�nio, no Alto Parana�ba, moraram em abrigo, mas encontraram no apartamento do Bairro Eldorado um lar com aconchego, carinho e as “palavras certas, no momento certo, para educar”, conforme ressalta a m�e.
Gilmar e Luciana se conheceram em Portugal h� 10 anos e se casaram h� quatro no Brasil. Na �poca, Luciana falou do sonho de ter filhos e, mesmo sem qualquer impedimento para gerar uma crian�a, considerava a ado��o muito bem-vinda. O marido, aposentado, j� tinha filhos e um netinho, e foi o menino quem indicou o caminho a seguir: “Quando o vi correndo dentro de casa, durante alguns dias em que ficou aqui, senti que n�o dava conta de um beb� de novo”, revela Gilmar, bem-humorado, com aval e sorriso da mulher. Assim, os dois se candidataram � doa��o que foge ao padr�o procurado pela maioria dos pretendentes – crian�as com at� 3 anos de idade.
Em Minas, por exemplo, 53,7% dos interessados em adotar querem crian�as com at� tr�s anos (veja quadro), de acordo com dados do Cadastro Nacional de Ado��o/Conselho Nacional de Justi�a (CNJ) e Tribunal de Justi�a de Minas Gerais (TJMG). Na contram�o dessa realidade, o casal de Contagem recebeu de cora��o e bra�os abertos as meninas Ana Lu�sa e Thayn�, ent�o com 10 e 5 anos. A irm� do meio, Brenda, de 9, foi adotada por uma fam�lia de Matozinhos, na RMBH, e as tr�s se encontram um fim de semana por m�s, informam os pais.

A hist�ria da fam�lia Carvalho serve de exemplo para outros brasileiros ainda reticentes quanto � ado��o, principalmente a tardia (crian�as maiores de 3 anos de idade), e fixos num perfil espec�fico de crian�a. Segundo o CNJ, h�, no Brasil, seis vezes mais pessoas habilitadas ao processo do que crian�as e adolescentes em condi��es de serem adotados – mesmo assim, s�o aproximadamente 6 mil menores em abrigos esperando uma fam�lia. Nesta situa��o, est� o jovem R., que completar� 18 anos em junho e h� mais de uma d�cada espera pela ado��o. As palavras transmitem emo��o e clareza. “Toda crian�a ou adolescente de um abrigo alimenta a vontade de ter uma fam�lia, receber carinho dos pais, mesmo n�o sendo os de sangue, e morar numa casa tranquila. Comigo n�o � diferente, mas, quer saber a verdade? N�o tenho mais esperan�as”, diz o jovem, abrigado na Unidade de Acolhimento Institucional Casa dos Anjos, no Bairro Santa M�nica, na Regi�o de Venda Nova.
O motivo para a discrep�ncia entre os dados, de acordo com as autoridades, � que os adotantes procuram crian�as bem pequenas ou rec�m-nascidas, e boa parte dos menores dispon�veis para ado��o – em Minas eles somam 636 – se encontra no grupo das chamadas ado��es necess�rias, ou seja, s�o maiores de 3 anos, t�m necessidades especiais ou s�o grupos de irm�os, que a Justi�a procura n�o separar.
CAMINHADA Para tentar mudar comportamentos e estimular os mineiros, mostrando � sociedade que “fam�lias adotivas s�o como todas as outras e o amor entre pais e filhos adotivos vai al�m dos la�os consangu�neos”, ser� realizada hoje, �s 9h, com concentra��o na Pra�a da Liberdade, na Regi�o Centro-Sul da capital, a 1ª Caminhada da Ado��o, inciativa do Grupo de Apoio � Ado��o de Belo Horizonte (GAA/BH) e o Grupo de Apoio � Ado��o de Santa Luzia (Gada), com suporte da C�mara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), da Funda��o CDL Pr�-Crian�a e do TJMG.
A Caminhada da Ado��o faz parte das a��es do TJMG, por meio da Coordenadoria da Inf�ncia e da Juventude (Coinj), para promover a ado��o de crian�as a partir de 3 anos, grupos de irm�os e crian�as portadoras de necessidades especiais, durante a Semana Nacional da Ado��o. Al�m da atividade, ser� realizado, na ter�a-feira, o Semin�rio da Ado��o Tardia, quando ser� lan�ado o Projeto Apadrinhar, do TJMG e coordenado pela desembargadora Val�ria Rodrigues Queir�z, superintendente da Coordenadoria da Inf�ncia e da Juventude do TJMG-Coinj.
“Adotar uma crian�a � um ato de amor, n�o se trata de favor, muito menos de caridade. Deve prevaler o desejo de querer ter um filho”, diz a diretora do GAA/BH (associa��o existente h� 10 anos e sem fins lucrativos), advogada Larissa Jardim. A desembargadora Val�ria Rodrigues Queir�z, por sua vez, lamenta: “A procura por beb�s para ado��o ainda � muito maior, infelizmente. Segundo dados do CNJ, 92,7% dos pretendentes � ado��o, no Brasil, desejam crian�as com idade entre zero e 3 anos. Contudo, apenas 8,8% das crian�as aptas � ado��o t�m essa idade”.
AMOR COMPLETO A vida de Gilmar e Luciana mudou completamente em outubro de 2016, quando as irm�s Ana Lu�sa e Thayn� foram viver em sua companhia e come�aram a cham�-los de pai e m�e. “At� ent�o, �ramos n�s dois e o cachorrinho Toby. Um sil�ncio s�, pois at� ele � bem quietinho”, brinca Luciana olhando para o mascote da fam�lia, que foi prontamente “adotado” pelas meninas. O processo de habilita��o, na Justi�a, teve o suporte do GAA/BH, e momentos de emo��o superlativa. Ao lado, Gilmar acrescenta que a chegada das duas foi “uma revolu��o completa para melhor”.
“Quando informada sobre as meninas, que estavam num abrigo em Patroc�nio, meu cora��o disparou. E pensei: ‘encontrei minhas filhas. Tenho certeza’”, conta Luciana, embora nem tivesse visto foto das garotas. No primeiro encontro, num fim de semana, “tivemos certeza do que quer�amos”. Ouvindo a conversa, mas prestando aten��o tamb�m na tev�, Ana Lu�sa lembra que chorou muito no in�cio e depois foi se acostumando. “Fique feliz”, diz a adolescente, que pretende ser advogada, tem aulas particulares e acompanhamento de uma psic�loga.
Thayn� tamb�m ouve a conversa, na sala de casa, e, com jeitinho meigo, conta que ter um lar foi “muito legal”. Curiosamente, ela lembra os tra�os de Luciana, que se orgulha da compara��o f�sica e conta que Ana Lu�sa se parece muito com a fam�lia do marido. Luciana vai at� a estante e volta com duas cartas recebidas no Dia das M�es. Na primeira, Thayn� escreveu: “Voc� � minha vida. M�e linda e guerreira, forte e apaixonada. M�e, eu adoro sua comida”. Na outra, foi a vez de Ana Lu�sa: “Voc� � a melhor m�e. Sem voc�, n�o sei o que seria de mim”.
‘N�o tenho mais esperan�a’
R., de 17 anos,
acolhido na Unidade de Acolhimento Institucional Casa dos Anjos/Grupo de Desenvolvimento Comunit�rio (Gdecom), em BH
“Vou completar 18 anos em 19 de junho. At� l�, poderei ficar no abrigo. Depois, n�o sei que rumo vou tomar. Desde que me entendo por gente, minha vida tem se dividido entre uma fam�lia aos peda�os, com muitos irm�os, e o acolhimento nos abrigos, de onde n�o tenho o que reclamar. Estudo, estou no primeiro ano do ensino m�dio e quero ser advogado ou m�dico, mas a ang�stia de n�o ter uma fam�lia me d�i. Toda crian�a ou adolescente que mora em abrigo alimenta a vontade de ter uma fam�lia, receber carinho dos pais, mesmo n�o sendo os de sangue, morar numa casa tranquila. Comigo n�o � diferente, mas, quer saber a verdade? N�o tenho mais esperan�a.
Quando eu era bem crian�a, minha m�e falava que me levaria ao parque, mas me deixava numa creche ou abrigo, n�o me lembro muito bem. E n�o voltava para me buscar. Fui adotado pela primeira vez aos 6 anos, mas infelizmente n�o deu certo. O casal brigou, se separou e voltei para minha fam�lia. O pior � que minha m�e bebia, arrumou um namorado que tamb�m bebia, e resultado: um dia, cheguei em casa e eles estavam fazendo amor. Fiquei espantado com o que vi, pois era s� um menino, n�?, ent�o resolvi fugir. Subi no telhado e fui embora.
Aos 10 anos, retornei � vida no abrigo e s� tenho a agradecer. Sinto aquela car�ncia de amor de fam�lia, uma tristeza, ansiedade, ang�stia. Seria bom que toda crian�a tivesse um pai e uma m�e, mesmo adotados. E n�o pensem que, por estar maior, pode dar errado. Os de 17 anos ou perto dos 18, como � meu caso, t�m mais responsabilidade, sabem o que fazem da vida, t�m vontade de amar. S� precisamos mesmo de ajuda. No fundo, no fundo, ainda tenho vontade de ser adotado”
Servi�o
>> HOJE
1ª Caminhada da Ado��o
Local: Pra�a da Liberdade, com concentra��o em frente ao Museu das Minas e Metal, na Pra�a da Liberdade, em Belo Horizonte
Hor�rio: A partir das 9h
Inscri��es: www.sympla.com.br/1-caminhada-da-adoca
>> TER�A-FEIRA
Semin�rio de Ado��o Tardia, voltado para servidores, grupos de apoio � ado��o, gestores de entidades de acolhimento, conselheiros tutelares e pretendentes � ado��o da Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte (capital e cidades vizinhas
Local: Audit�rio do Anexo I do TJMG, na Rua Goi�s, 229, Centro de Belo Horizonte
Hor�rio: das 8h �s 18h
Mais informa��es: site tjmg.jus.br
