
Bar�o de Cocais – As casas fechadas, janelas batendo ao vento sem ningu�m escutar, as frutas apodrecendo nos p�s e os c�es abandonados perambulando sem terem para quem latir descrevem as vilas desertas de Socorro e Gongo Soco, de onde 493 pessoas foram evacuadas. As comunidades s�o as mais pr�ximas da Barragem Sul Superior, operada pela mineradora Vale na Mina de Gongo Soco, em Bar�o de Cocais, na Regi�o Central de Minas.
Em caso de rompimento, as moradias seriam varridas pelo fluxo de parte dos 6 milh�es de metros c�bicos de rejeitos de min�rio de ferro. Apenas um homem enfrenta esse destino sombrio e segue morando na casa condenada. O agricultor Jos� Natividade Moura, de 70 anos, e a sua mulher, de 66, permanecem na sua casa dentro da Vila de Gongo Soco, desafiando a morte. N�o querem seguir o mesmo destino de amigos e parentes que foram realojados em hot�is na cidade. “N�o suporto hotel. Para mim, hotel � s� para passar uma noite e ir embora no outro dia. Hotel n�o � morada n�o”, diz o agricultor.
As vias de acesso �s vilas de Socorro e de Gongo Soco est�o bloqueadas. Estradas vicinais que se interligavam com essas vias foram fechadas por barreiras de terra com quase um metro de altura, refor�adas por valetas de quase um metro de profundidade, o que as torna virtualmente intranspon�veis de carro. A dist�ncia das duas comunidades do barramento � de cerca de dois quil�metros, sendo que cada uma fica em uma margem do Rio S�o Jo�o, o manancial que pode se tornar o caminho por onde a lama passar�, podendo chegar at� Bar�o de Cocais, Santa B�rbara e S�o Gon�alo do Rio Abaixo.
O �nico morador de Gongo Soco afirma n�o ter medo de uma ruptura da barragem. “Medo, eu n�o tenho. O ruim � ficar sozinho aqui. Queria a companhia dos meus vizinhos e dos amigos”, afirma Jos� Natividade. Ele se lembra da confus�o que foi na comunidade depois que a sirene de rompimento soou, no dia 9 de fevereiro. “Foi uma correria na vila. Vieram 13 �nibus da Vale para nos tirar, mas eu e um amigo decidimos ficar. A� veio um diretor da Vale e disse que era para irmos embora, pelo amor de Deus, porque a barragem j� tinha rompido. A� peguei o carro, coloquei minha mulher e a neta e ‘rachei’ fora”, conta.
NEGOCIA��O
Em Bar�o de Cocais, o agricultor conta que se registrou no Poliesportivo e deixou a mulher e a neta na casa da filha. “Fiquei l� na rua observando o dia inteiro. Deu 19h, a �gua do rio nem sujou. Falei ent�o: vou embora. Peguei o carro e ‘rapei’ fora. Quando cheguei � estrada tinha um bloqueio. N�o me deixaram passar. Tive de voltar e deixar meu carro na garagem de um amigo. No outro dia, fui a p� at� l�, conversei com o pessoal do bloqueio e eles me deixaram passar. O carro ficou l� dois meses, agora � que consegui trazer de volta”, afirma. Al�m da preocupa��o com a sua seguran�a, ele temia ser descoberto e ter de sair de sua casa. “Fiquei sozinho em casa, mas tranquilo, por tr�s dias. Quando resolvi descer ao s�tio que tenho aqui embaixo, um helic�ptero passou e me viu. J� imaginei que depois iriam vir aqui me incomodar. A�, mais tarde, veio um carro da PM (Pol�cia Militar)”, lembra.
O agricultor conta que negociou muito com os policiais at� convenc�-los de o deixar na sua casa. “Me chamaram para ir embora, queriam me convencer de todo jeito. A� eu disse que n�o ia embora de jeito nenhum, porque n�o suporto hotel. Falei com o cabo da PM que se a barragem romper n�o atinge minha casa, porque do rio at� aqui tem 700 metros de altura. Teria de romper 10 barragens daquelas. A� ele falou assim: ‘Pode ficar, mas n�o desce nem um palmo para baixo.’ Ent�o eu disse que vou respeitar, porque da minha casa eu n�o saio. J� basta meu s�tio interditado”, disse.
Amea�a real de rompimento
A aparente tranquilidade do casal de idosos contrasta com o perigo. A Barragem Sul Superior � hoje a maior amea�a em termos de barramentos para a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), uma vez que apresenta �ndice de estabilidade abaixo de 1,2, sendo que o m�nimo aceit�vel � de 1,5.
A estrutura entrou para o mapa das barragens em crise ap�s a ruptura dos barramentos 1, 4 e 4A, em Brumadinho, respons�vel pela morte j� confirmada de 243 pessoas e 27 desaparecidos, ao despejar 12 milh�es de metros c�bicos de rejeitos sobre o Vale do Rio Paraopeba.
Depois da trag�dia, iniciou-se uma crise no setor de barragens, ap�s terem sido revistos os crit�rios que caracterizam a estabilidade dos represamentos. No dia 9 de fevereiro, a popula��o de Bar�o de Cocais recebeu o primeiro alerta de que a barragem n�o tinha garantia de estabilidade e que atingira seu n�vel tr�s de gravidade – risco iminente. Dois simulados de evacua��o foram feitos.
Caso se rompa, Sul Superior pode, ainda, atingir e incorporar o conte�do menor da Barragem Sul Inferior. Desde o dia 18, a situa��o piorou com a detec��o da movimenta��o acelerada de uma por��o do talude (pared�o) de 10 milh�es de metros c�bicos da mina, que pode desabar e iniciar uma rea��o em cadeia e romper a barragem, que fica a 1,5 quil�metro de dist�ncia.
O maci�o � monitorado diariamente e passou de uma movimenta��o anual de 4 cent�metros para at� 26,5 cent�metros nas partes isoladas e 22,6 cm por��o inferior, ontem. “O comportamento do talude sugere que a massa vai escorregar e se depositar no fundo da mina. Contudo, se ele se desprender, a onda de choque pode se tornar um gatilho para o rompimento da barragem”, observa o major Marcos Afonso Pereira, superintendente de gest�o de riscos de desastres da Cedec.
Como tem mostrado a reportagem do Estado de Minas, a Vale criou dois obst�culos para tentar conter os rejeitos. At� janeiro ficar� pronta uma barragem de concreto a seis quil�metros da Barragem Sul Superior, no vale do Rio S�o Jo�o. Num outro vale, mas pr�ximo da barragem, uma �rea de sete hectares est� sendo escavada para que o rejeito se deposite em caso de ruptura. Se ainda assim o material chegar a Bar�o de Cocais, duas ruas est�o sendo abertas entre os bairros Vi�va e Capim Cheiroso e Jabaquara para que uma popula��o de 2 mil pessoas n�o fique isolada. Ao todo, 10 mil pessoas podem ser afetadas em Bar�o de Cocais, Santa B�rbara e S�o Gon�alo do Rio Abaixo.