Pres�dios de Minas apreendem 20 celulares por dia; em 4 meses, foram 2,4 mil
Apesar das apreens�es, aparelhos continuam a entrar nas penitenci�rias e s�o usados por detentos para cometer novos crimes, desafiando os controles da seguran�a p�blica. Faltam tecnologia e pessoal, diz especialista
postado em 21/06/2019 06:00 / atualizado em 21/06/2019 16:34
Penitenci�ria Nelson Hungria, onde celulares foram apreendidos em marmitas na semana passada, um dia ap�s an�ncio de extors�o comandada
de dentro do pres�dio (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press - 25/4/18
)
Crimes diversos praticados por detentos e uma mesma arma: o telefone celular. Apesar de proibidos nos pres�dios, os aparelhos continuam a circular entre os presos. Somente de janeiro a abril, foram apreendidos nada menos que 2.441 celulares nas 197 unidades prisionais geridas pela Secretaria de Administra��o Prisional de Minas Gerais (Seap-MG), segundo dados da pasta. A m�dia de 20 apreens�es por dia no per�odo, entretanto, n�o foi suficiente para barrar atos criminosos como a recente extors�o mediante sequestro praticada, segundo a Pol�cia Civil, pelo presidi�rio Breno Henrique Gon�alves, de 27 anos, que teve acesso a um desses aparelhos eletr�nicos, se passou por vendedor de gado em um grupo de WhatsApp e conseguiu atrair um fazendeiro do Norte de Minas e seu filho para Pitangui, na Regi�o Centro-Oeste, onde uma quadrilha comandada pelo detento sequestrou os dois.
O caso est� longe de ser isolado e indica que o controle da entrada de celulares nos pres�dios ainda � um desafio a ser vencido pela seguran�a p�blica. Popula��o carcer�ria em alta combinada com a redu��o no n�mero de agentes penitenci�rios e defasagem tecnol�gica est�o na raiz do problema, aponta especialista. Como mostrou o Estado de Minas na edi��o de 13 de junho, ao noticiar a pris�o, no dia anterior, da quadrilha comandada por Breno, somente a Delegacia Antissequestro investigou 28 casos de extors�o e sequestro desde janeiro de 2018 envolvendo presos da Nelson Hungria, penitenci�ria de seguran�a m�xima localizada em Contagem, na Grande BH, para onde v�o os detentos mais perigosos do estado e onde Breno cumpre pena.
Compara��o entre os n�meros das apreens�es atuais e de 2018 mostra que as tentativas de entregar aparelhos nos pres�dios continuam no mesmo ritmo. A m�dia di�ria deste ano � pouco menor que a de todo o ano passado, quando foram apreendidos 7.658 celulares – cerca de 39 aparelhos por unidade prisional. Entre janeiro e abril de 2018, entretanto, o total de telefones apreendidos foi maior que o de igual per�odo deste ano: 2.613 celulares, 21 aparelhos por dia, em m�dia. Considerando os n�meros do ano passado, as apreens�es equivaleram a um celular para cada grupo de nove detentos, numa popula��o carcer�ria de 72.481 presos em Minas Gerais.
Os �ndices s�o ainda mais assustadores se levarmos em conta a estimativa do especialista em sistema prisional e ex-presidente da Comiss�o de Assuntos Carcer�rios da OAB-MG F�bio Pil�. De acordo com ele, o n�mero de celulares apreendidos registrados pela Seap � minoria em rela��o aos que conseguem passar pela fiscaliza��o dos agentes penitenci�rios.
DEFASAGEM TECNOL�GICA O especialista lista tr�s fatores que, a seu ver, facilitam a entrada de aparelhos eletr�nicos nas unidades prisionais: a evolu��o das t�ticas utilizadas por familiares dos detentos para fazer a entrega, “a corrup��o de alguns agentes penitenci�rios” e, “sem d�vida”, a falta de tecnologia para barrar esses aparelhos eletr�nicos. De acordo com Pil�, as unidades prisionais administradas pelo governo contam com bloqueadores de celulares, mas a tecnologia utilizada n�o � compat�vel com os avan�os tecnol�gicos das operadoras. “Enquanto os aparelhos atualmente s�o todos de tecnologia 4G, os bloqueadores das penitenci�rias detectam apenas sinais 3G e isso, obviamente, dificulta a localiza��o dos celulares dentro das celas”, afirma.
Em janeiro, o Estado de Minas questionou a Seap quanto � falta de tecnologia para barrar os celulares dentro dos pres�dios. Na �poca, a pasta confirmou a tese, afirmando que isso ocorre devido � mudan�as nos sinais das operadoras, que chegam com uma pot�ncia maior do que a capacidade do bloqueador.
A import�ncia de melhorar a tecnologia fica evidente quando se analisam os padr�es do Complexo Penitenci�rio P�blico-Privado (CPPP) de Ribeir�o das Neves, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. A GPA, �nica PPP do pa�s, conta com bloqueadores de tecnologia 4G. Al�m disso, de acordo com a empresa, a tecnologia � toda alugada, visto que em caso de lan�amento de um novo produto o contrato com a empresa terceirizada prev� a troca dos bloqueadores. A GPA n�o revelou o n�mero de apreens�es de celulares no local, mas garantiu que o �ndice � “consideravelmente menor” do que os registrados nas unidades prisionais administradas pelo governo do estado.
Mem�ria
Aparelhos na marmita
Em 13 de junho, agentes penitenci�rios da Nelson Hungria encontraram quatro celulares dentro de marmitas que seriam entregues aos detentos no almo�o. Ainda foram encontrados seis carregadores, dois pen drives, quatro chips, uma antena para celular e quatro comprimidos. A fornecedora das marmitas � a Eldorado Refei��es Ltda, que j� teve seu nome associado � apreens�o de celulares em alimentos, em 2012, quando foram localizados 18 celulares e 173 chips em p�es que seriam entregues no caf� da manh�. A Seap informou que abriu um procedimento para apurar se a empresa � respons�vel pelas irregularidades.
(foto: WhatsApp/Reprodu��o)
Mais presos, menos agentes
Enquanto a popula��o carcer�ria aumenta cada vez mais em Minas Gerais, o n�mero de agentes penitenci�rios vem diminuindo ano a ano, numa situa��o arriscada para o controle da seguran�a nos pres�dios, na opini�o de especialista. Segundo dados da Secretaria de Administra��o Prisional de Minas Gerais (Seap-MG), atualmente h� cerca de 17 mil agentes penitenci�rios atuando no sistema prisional. Desses, aproximadamente 14 mil s�o efetivos e 2.400 contratados. De acordo com o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenci�rios de Minas Gerais (Sindasp-MG), Adeilton Souza Rocha, em 2017, o n�mero total de agentes chegava a 19.200, sendo que cerca de 4 mil eram contratados. “Desde ent�o, o governo n�o vem renovando contratos nem fazendo novos concursos”, conta.
O movimento vai em dire��o oposta � tend�ncia da popula��o carcer�ria, que � de crescimento. Em dezembro de 2018, havia 71 mil presos em todo o estado e de l� para c� o sistema prisional recebeu outros 1.481 detentos. Adeilton prev� que esse n�mero chegue aos 75 mil no fim do ano. Uma das maiores penitenci�rias do estado, a Nelson Hungria chegou a ser interditada duas vezes no ano passado pela Justi�a por superlota��o. Em abril de 2018, o juiz Wagner Cavalieri ordenou que o n�mero de presos fosse inferior a 2 mil – na �poca, a popula��o no local chegava 2,3 mil. Reportagem do Estado de Minas daquele per�odo mostrou que cerca de 580 agentes atuavam na penitenci�ria, sendo que em 2017 eram 780. O ideal para atender �s 1,6 mil vagas seriam pelo menos 1 mil servidores do sistema penitenci�rio.
Segundo o especialista F�bio Pil�, a mistura de n�mero elevado de detentos com a falta de estrutura para os agentes penitenci�rios � uma “bola cheia” para os presos, que abusam da falta de fiscaliza��o nos pres�dios. “Os agentes de seguran�a n�o t�m plano de carreira, a estrutura oferecida a eles � prec�ria e muitos contratados sabem que n�o ter�o o contrato renovado. Sabendo que daqui a um ou dois meses estar�o desempregados, as ofertas dos presos para que facilitem a entrada de aparelhos se tornam atrativas para alguns”, afirma. Pil� relata que bandidos pagam quase R$ 10 mil por celular.
Por outro lado, o presidente do Sindasp-MG lembra que muitas das unidades prisionais do estado s�o, na verdade, improvisadas a partir de cadeias da Pol�cia Civil. “Esses locais n�o foram constru�dos para serem penitenci�rias, a estrutura � invi�vel e, em muitos dos casos, n�o d� para manter a quantidade de presos e barrar a entrada de objetos ilegais. A nossa grande pergunta �: por que o governo n�o investe nos bloqueadores de celulares?”, questiona.
*Estagi�rio sob supervis�o da subeditora Rachel Botelho