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Estado de Minas

Com quase 90 mortes por dengue em 2019, Minas pode ter ano mais letal da hist�ria

Doen�a que n�o escolhe idade ou classe social j� tem quase 90 mortes confirmadas em Minas e pode ter ano mais letal da hist�ria. Para parentes e amigos de v�timas, fica a imensa tristeza pela morte evit�vel e a sensa��o de que o agravamento do quadro n�o muda comportamentos


postado em 30/06/2019 07:00 / atualizado em 30/06/2019 07:43

Marise de Oliveira Rabelo lamenta a morte da mãe e o fato de que os alertas sobre a gravidade da doença não produzam efeito necessário(foto: Paulo Filgueiras/em/d.a press)
Marise de Oliveira Rabelo lamenta a morte da m�e e o fato de que os alertas sobre a gravidade da doen�a n�o produzam efeito necess�rio (foto: Paulo Filgueiras/em/d.a press)
“A gente pensa que � s� um mal-estar e que vai passar, mas na verdade n�o �. O que estamos vendo � que a cada ano a doen�a tem sido mais devastadora e continuamos agindo como se n�o fosse nada.” A frase da empres�ria Marise de Oliveira Mansur Rabelo, de 61 anos, d� o tom de qual � a sensa��o geral das pessoas quando o assunto � a dengue.
 
Por tr�s dos mais de 423 mil casos prov�veis j� contabilizados em todo o estado em 2019, a maioria sem consequ�ncias t�o graves, se esconde o drama de quem perdeu uma pessoa querida por um mal que poderia ser evitado com um coquetel relativamente simples e amplamente conhecido: mais educa��o, cidadania e a��es concretas, do poder p�blico e dos cidad�os, para evitar a prolifera��o do Aedes aegypti, mosquito que tamb�m transmite a zika e a chikungunya. Apenas neste ano, Minas Gerais j� confirmou cerca de 90 mortes pela doen�a.
 
Pior: tem outros 137 �bitos em investiga��o, o que pode levar o estado � epidemia mais mortal da hist�ria, se todas as suspeitas forem confirmadas. Um cen�rio que enche de tristeza familiares e amigos dos que se foram, v�timas de um mal que n�o escolhe idade nem classe social. Resta um enorme vazio, que, na avalia��o de quem fica, poderia ser evitado.

“� uma sensa��o de impot�ncia muito grande, uma revolta por ver que, apesar de ela ter 84 anos, poderia viver 94. Hoje as pessoas passam dos 90 com tranquilidade. A sensa��o que fica � de que n�o estava na hora”, diz Marise, ao se referir � m�e, Maria Luiza de Oliveira Mansur, v�tima da dengue em Betim, cidade da Grande BH que j� tem ao menos 13 mortes confirmadas pela doen�a e � o segundo munic�pio com mais �bitos no estado em 2019, perdendo apenas para Uberl�ndia, que tem 16.
 
Maria Luiza morreu em 12 de maio, depois de lutar por 22 dias contra as complica��es no cora��o e nos rins desencadeadas pela dengue, at� que os �rg�os pararam de funcionar. Na casa onde morava com um filho, uma nora, uma neta e onde tamb�m conviviam duas cuidadoras, outros tr�s tiveram dengue. Marise tamb�m teve a doen�a, assim como o filho e cerca de 60% dos 22 funcion�rios de sua empresa.

MARCAS A empres�ria conversou com a equipe de reportagem do Estado de Minas na sede da firma do ramo de alimentos, na qual as recorda��es da m�e est�o em toda parte. Uma delas � o pr�prio nome da firma – “Tia Iza” – dado em homenagem � matriarca, que deixou cinco filhos, sete netos e dois bisnetos. A alcunha de “tia”, inclusive, veio pelo amor da fam�lia. “Ela era a Tia Iza porque era a tia mais querida de todos os sobrinhos. Era louca pelos netos. Os bisnetos s�o dois e mesmo com Alzheimer (doen�a degenerativa que afeta o sistema nervoso) ela n�o se esquecia deles de jeito nenhum”, conta a empres�ria.

O amor pela fam�lia era o que mais saltava aos olhos de todos, segundo uma das netas, Carolina Mansur, de 32 anos. “Era av� de um monte de gente. Ao longo da vida, a casa dela era ponto de encontro e at� abrigo de todos os sobrinhos, netos”, conta. Ela refor�a a sensa��o descrita pela tia.
 
“Agora a casa est� vazia. Nada vai preencher isso. Mas a quest�o da dengue que mais me preocupa � que cada vez mais ela est� perto da gente, e as coisas continuam iguais, assim como o comportamento das pessoas. Incomoda muito ver que as pessoas n�o mudam de atitude, n�o se preocupam com o coletivo, com o lixo que jogam na rua. Preferem se manter no comodismo, nas suas rotinas. � preciso a gente olhar para o outro e como as nossas atitudes refletem na vida do outro”, conclama.


A MORTE EM QUATRO DIAS

'A gente fica se questionando sobre como se chega a essa situação', Adílson Maciel Bertolino, de 64 anos, com a mulher, Sônia Mara dos Santos Bertolino, de 61, fala sobre a morte da caçula, Eliana Maciel dos Santos Bertolino, de 32(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.a press)
'A gente fica se questionando sobre como se chega a essa situa��o', Ad�lson Maciel Bertolino, de 64 anos, com a mulher, S�nia Mara dos Santos Bertolino, de 61, fala sobre a morte da ca�ula, Eliana Maciel dos Santos Bertolino, de 32 (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.a press)
Pensar que a dengue s� tira a vida de pessoas idosas ou com a sa�de fragilizada � um erro que muitos s� percebem quando a doen�a j� fez v�timas entre seu c�rculo familiar ou de amizades. Foi o que aconteceu com o jornalista e comerciante Vin�cius Duarte Nunes, de 47, que ainda n�o consegue entender como a virose, em poucos dias, levou � morte o amigo dele, da mesma idade, um advogado morador do Bairro Prado, Regi�o Oeste de BH.
 
“Era uma pessoa esportista, extremamente saud�vel. � isso que nos assusta muito”, resume. Segundo ele, apesar do estilo de vida que era um exemplo para quem o conhecia, o colega acabou sofrendo as consequ�ncias mais graves da doen�a.

Tudo aconteceu rapidamente, ainda no in�cio deste m�s. “Em um s�bado, ele come�ou a sentir dores nos olhos. No domingo, foi para o hospital. Fez a consulta, passou por exames. Na segunda-feira, j� estava p�ssimo. Na ter�a-feira, morreu. Foi a dengue hemorr�gica”, contou. Al�m da tristeza, ele se sente indignado com a falta de empenho do poder p�blico e da popula��o em combater o transmissor da doen�a. “O sentimento � de descaso. N�o se v� um carro de fumac� nas ruas, uma campanha efetiva.
 
N�s recebemos as visitas dos agentes de sa�de, eles v�o l�, verificam as plantinhas, mas e o vizinho e os lotes vagos? As pessoas que n�o sentiram na pele n�o se preocupam com isso”, afirmou. “Acham que as coisas ruins acontecem s� com os vizinhos. Esse � o recado. Todo mundo tem que ficar de olho. N�o � s� com idosos e crian�as que a doen�a � um perigo”, adverte.
 
AGRESSIVIDADE LETAL 
 
Incredulidade, tristeza e inconformismo s�o sentimentos que se misturam quando os aposentados Ad�lson Maciel Bertolino, de 64 anos, e S�nia Mara dos Santos Bertolino, de 61, falam da morte da ca�ula dos quatro filhos do casal, Eliana Maciel dos Santos Bertolino, de 32, V�tima da dengue em sua forma hemorr�gica, segundo m�dicos que a atenderam, ela faleceu em 16 de junho no Hospital Odilon Behrens, em Belo Horizonte, depois de apenas uma semana desde o in�cio dos sintomas – uma rapidez que chega a assustar os pr�prios profissionais de sa�de. Moradora de Sabar�, bem no limite com BH, no Bairro Nova Vista, Eliana era portadora de l�pus, doen�a marcada pela produ��o excessiva de anticorpos. Essas c�lulas, quando se multiplicam de forma descontrolada, come�am a atacar o pr�prio organismo, causando les�es que podem at� levar � morte.
 
Mas essa situa��o n�o teria rela��o com o quadro da dengue, conforme disseram aos pais m�dicos que atenderam a jovem. O primeiro choque para Ad�lson foi quando viu a justificativa para interna��o nos pap�is para a transfer�ncia de Eliana, da UPA de Sabar� para alguma unidade que tivesse vaga. “Quando eu li risco de morte eu me assustei, mas, ainda assim, pensei que poderia ter jeito de tratar”, afirma.
 
De Sabar� ela foi transferida para o Hospital Odilon Behrens, onde Ad�lson ouviu da equipe m�dica que o quadro grave tinha se transformado em grav�ssimo. Nessa hora, ele foi informado de que a filha j� tinha uma hemorragia complicada, momento de extrema emo��o compartilhado com um m�dico que trabalhou no caso. “Ele chorou comigo, dizendo que, apesar da situa��o, n�o ia desistir dela”, conta o pai. “Quando eu a vi ali, no hospital, j� tive o pensamento de que humanamente n�o tinha mais jeito. N�o parecia mais a minha filha”, diz Ad�lson. 
 
ANTECEDENTES S�nia se lembra de que tanto ela quanto o marido j� haviam sofrido com a dengue em outros anos, mas n�o imaginavam que a doen�a poderia chegar a esse ponto. “Quando a morte entra em casa � que a gente v� que � uma coisa muito mais s�ria”, diz ela. O marido destaca a caracter�stica mais marcante da filha, que a tornou uma pessoa extremamente querida.
 
“Ela era muito intensa com as amizades e lutava muito pelas pessoas. Fundou um grupo de portadores de l�pus e escrevia cartas dando incentivo para eles caminharem diante dessa situa��o”, conta. As cartas, inclusive, viraram um livro que os pais guardam com carinho. O casal avalia que falta mais atitude do poder p�blico para for�ar na cabe�a das pessoas a necessidade de fazerem sua parte. 
 
Os pais lembram o caso do cigarro, por exemplo, que traz em todas as embalagens imagens de complica��es graves provocadas pelo tabagismo. “Por que n�o se faz a mesma coisa com a dengue? A gente fica se questionando sobre como se chega a essa situa��o. As pessoas que n�o passam por isso n�o t�m a dimens�o do que �. Minha filha sangrou at� a morte. N�o se d� valor � vida”, completa Ad�lson. Sabar� n�o est� entre os munic�pios com mortes j� confirmadas pela doen�a, o que leva a crer que o caso de Eliana est� entre os quase 140 �bitos ainda em investiga��o. Por�m, a Secretaria de Estado da Sa�de n�o divulga detalhes sobre os casos em apura��o ou a que munic�pio pertencem. 
 
BEB� FOI TRANSFERIDO, LIBERADO E MORREU
 
A perplexidade e a dor que tomam conta das fam�lias que perderam parentes para a atual epidemia de dengue consegue ser ainda maior quando a v�tima � apenas um beb�. Moradora de S�o Jo�o da Ponte, no Norte de Minas, a fam�lia do pequeno Hamilton Manoel Rocha Lopes, de 8 meses, n�o tinha ideia da gravidade do quadro quando o menino apresentou febre repentina, de causa desconhecida.
 
No dia seguinte, a crian�a passou por avalia��o m�dica na pr�pria cidade, que enfrentou um surto da doen�a neste primeiro semestre. Depois, com suspeita da forma hemorr�gica, foi encaminhada para o Hospital Universit�rio Clemente de Faria, em Montes Claros, cidade-polo da regi�o, onde morreu em 24 de abril, tr�s dias depois do in�cio dos sintomas.
 
O pai diz que a causa da morte foi dengue hemorr�gica. Segundo o contador Hamilton Lopes da Silva, o beb� foi levado ao Hospital Universit�rio pela m�e, Jana�na K�nia Rocha, que � enfermeira. Na noite de 22 abril, relata, a crian�a foi atendida, mas acabou voltando para casa, pois, na triagem, a equipe m�dica “n�o constatou nenhuma gravidade”.
 
No dia seguinte, o menino foi levado novamente � unidade, onde foi submetido a v�rios exames. Na noite do mesmo dia, o quadro se agravou e garoto sofreu paradas card�acas. A equipe m�dica adotou v�rios procedimentos, mas n�o conseguiu impedir a morte, que ocorreu na madrugada do dia 24. “Meu filho era uma crian�a muito saud�vel, que recebia todos os cuidados para a vida. 
 
Sempre usamos repelente”, diz Hamilton Lopes da Silva. Embora considere que o pequeno foi v�tima de uma “fatalidade”, ele entende que os profissionais da �rea de sa�de precisam ter mais aten��o com os pacientes que apresentam quadro suspeito da virose. “As pessoas dos servi�os de sa�de precisam ser mais humanas. Precisam de uma mobiliza��o imediata para salvar vidas toda vez que atenderem a um caso suspeito do tipo mais grave dessa doen�a”, afirma. Ele faz ainda um apelo pela conscientiza��o dos cidad�os comuns: “Se as pessoas cuidassem, limpassem seus quintais, sem deixar criar focos do mosquito, poder�amos erradicar a transmiss�o da doen�a”, cobrou.
 
 Sobre o caso do beb�, o Hospital Universit�rio Clemente de Faria informou em nota que a an�lise de material em laborat�rio deu “resultado inconclusivo” e que n�o foram realizados exames mais adequados pela Funda��o Ezequiel Dias (Funed) “devido � insufici�ncia de amostra”. 
 
No entanto, completou: “Embora n�o confirmado laboratorialmente, acredita-se que o mais prov�vel � que a crian�a tenha, de fato, apresentado infec��o pelo v�rus da dengue, baseado no momento epidemiol�gico”. 
 
VIRUL�NCIA IMPRESSIONA
 
Paciente em atendimento em Belo Horizonte: capacidade do vírus do tipo 2 causar sequelas, inclusive em jovens, impressionou profissionais de saúde(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press )
Paciente em atendimento em Belo Horizonte: capacidade do v�rus do tipo 2 causar sequelas, inclusive em jovens, impressionou profissionais de sa�de (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press )
O drama vivido pelas fam�lias e amigos de pacientes que n�o resistiram aos sintomas da dengue foi sentido de perto tamb�m por profissionais de sa�de. M�dicos destacam que a agressividade do v�rus do tipo 2 (Denv 2), o que mais infectou pessoas neste ano na epidemia enfrentada por Minas Gerais, impressiona, tendo provocado sequelas at� mesmo entre jovens, principalmente ao atingir o sistema nervoso central de pacientes.
 
Por isso, alertam que a popula��o deve refor�ar as a��es de combate aos focos do Aedes aegypti mesmo nesta �poca, quando o mosquito est� mais vulner�vel. Al�m disso, ressaltam que h� grandes chances de a epidemia continuar nos pr�ximos anos, j� que muitas pessoas est�o suscet�veis ao tipo de v�rus que circula atualmente.
 
Existem quatro tipo de v�rus da dengue. O que mais infectou moradores neste ano � o Denv2, considerado o mais perigoso. “� o mais agressivo de todos eles. J� est�vamos prevendo que esse n�mero grande de morte acontecesse, por causa disso. Exatamente por isso, h� alguns anos, falei que n�o t�nhamos visto ainda o pior cen�rio”, afirma o diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, Carlos Starling.
 
As consequ�ncias do v�rus foram vistas de perto pelo infectologista. “Convivi com in�meros casos graves. V�rios casos dram�ticos de pessoas que estavam saud�veis e tiveram casos grav�ssimos, com acometimento do sistema nervoso central que deixou sequelas, inclusive entre jovens. Os idosos tamb�m sofreram muito. Tivemos casos dram�ticos nesses pacientes, principalmente os que t�m doen�as associadas. A dengue complicou muito essas doen�as. Neste ano, vimos muito mais do que nos anteriores o comprometimento dos sistemas nervoso central e card�aco”, disse Starling.
 
Dados da Secretaria de Estado de Sa�de (SES/MG) mostram que os idosos foram os que mais sofreram com a doen�a. Dos 86 pacientes que tiveram morte confirmada em decorr�ncia da dengue, 59% eram maiores de 50 anos. Al�m disso, 67,5% apresentavam algum tipo de comorbidade, ou seja, alguma outra doen�a associada. As mulheres representam a maioria dos �bitos, com 60,5% do total de casos.
 
CUIDADOS CONSTANTES O frio e a estiagem ajudam a diminuir a prolifera��o do mosquito Aedes aegypti e, consequentemente, freiam a expans�o dos casos de cont�gio. Mesmo assim, a aten��o deve ser mantida, alertam autoridades sanit�rias. “Primeiro, temos que alertar para o fato de que n�o estamos tendo um inverno t�o rigoroso a ponto de imobilizar o mosquito. Este � o momento de combater, de eliminar focos. Sabemos que de um ano para outro os ovos persistem. Ent�o, � hora de limpar a casa, os lotes e eliminar qualquer tipo de umidade”, adverte Carlos Starling. “Se tem um momento em que estamos mais vulner�veis � no ver�o. E a hora em que o mosquito est� mais vulner�vel � agora. Ent�o, precisamos aproveitar o momento.”
 
A Secretaria de Estado da Sa�de refor�a o alerta. “Pelo fato de o vetor das doen�as circular durante todo o ano, mesmo que com menor intensidade nos meses mais frios e secos (maio a setembro), os cuidados em rela��o ao controle dos focos do mosquito devem ser realizados sempre”. 




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