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Estado de Minas

"Felicidade � constru�da, n�o cai do c�u", diz mineiro que nasceu em corpo feminino

O policial belo-horizontino Paulo Vaz, de 34 anos, fala sua transforma��o e afirma que se considera um trans gay. "Acho que sou mesmo uma borboleta. Mas lagarta nunca fui, jamais rastejei"


postado em 14/07/2019 04:08 / atualizado em 14/07/2019 07:21

"No Brasil, sexo ainda � um assunto tabu, precisamos discutir as quest�es abertamente" (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)

O casulo foi tecido, durante longos anos, com linhas de esperan�a, agulhadas da ang�stia, tramas do desejo, embora sempre preso � �rvore da vida pelos fios da coragem. Nesse ambiente de luz e sombras, claros e escuros, dores e d�vidas nasceram asas para voos rumo � plenitude. O belo-horizontino Paulo Vaz, de 34 anos, conhece bem a metamorfose da natureza humana e fez o poss�vel para pavimentar seu caminho sem traumas, mesmo certo de que mudan�as profundas deixam marcas no corpo e na alma. Investigador da Pol�cia Civil em S�o Paulo, o rapaz tem uma filosofia: “Felicidade � constru�da, n�o cai do c�u. Cabe a cada um procurar o melhor e seguir”.

Na tarde ensolarada do Parque das Mangabeiras, na Regi�o Centro-Sul de BH, o mineiro conhecido na intimidade por Pop� conta um pouco da sua hist�ria. Veio ao mundo num corpo feminino, como se fosse no casulo de uma borboleta, e, l� pelos 25 anos, achou que era tempo de se ver por inteiro. Sem querer revelar o nome de batismo – “considero ofensa esse tipo de pergunta”, informa com delicadeza –, Paulo se revela um homem transexual gay ou simplesmente trans gay. Trocando em mi�dos, fez uma transi��o corporal, tomou horm�nios at� criar barba, perder as curvas e ganhar mais massa muscular. Nesse processo, contou tamb�m com a ajuda de um psic�logo, “pois senti necessidade”. Ao contr�rio do que muitos possam pensar, as garotas deixaram de povoar seus dias e noites – h� pouco mais de um ano, Paulo tem um namorado e est� noivo.

Num recanto do parque, uma borboleta azul passa bem perto, depois vem outra, e mais outra que quase bate na testa. Paulo vai at� o local de onde saem “as cores que voam”, conforme disse um poeta, e comenta baixinho. “Acho que sou mesmo uma borboleta. Se me enrolar numa rede, fica parecendo um casulo. Mas lagarta nunca fui, jamais rastejei. Para falar a verdade, sou uma mistura de viv�ncias”. Quem v� o rapaz forte e barbudo, custa a imaginar que ele j� habitou um corpo feminino. Com um jeito t�mido, conta que, �s vezes, passa batom nos l�bios para brincar com os amigos.

Atuante nas redes sociais e ativista LGBTQ+, “sem ser chato, por favor”, Paulo ganhou destaque no ano passado ao ser divulgado um v�deo gravado dentro do vag�o de metr� em S�o Paulo (SP), no qual um soldado fardado, da Pol�cia Militar de l�, aparece beijando outro homem. O caso ganhou repercuss�o e o mineiro decidiu se manifestar a favor do PM paulista, considerando a situa��o como dois pesos e uma medida. “N�o critico a lei, mas se fosse um casal heterossexual n�o despertaria tanta pol�mica”, afirmou. Na �poca, n�o teve medo de se expor publicamente, e disse que “levantava bandeiras pela causa”.

Reflexos da inf�ncia

O espelho das �guas, no parque, faz Paulo admirar as carpas e as plantas. E visitar o passado. Ao ver a imagem refletida, a inf�ncia vem � tona. Desde os 12 anos, come�ou a se identificar totalmente com o sexo masculino; no lugar das bonecas e “casinhas”, gostava de jogar bola com os amigos, correr, cair, ralar o joelho, levantar. Nesses tempos, come�ou a imperar a disforia ou completa repulsa a partes do corpo, principalmente aos seios e curvas na cintura. Trazia, ent�o, a tristeza estampada no rosto, engordou muito, sofreu bullying na escola, ganhou apelidos.

Na fase barra-pesada, Paulo se tornava alvo de preconceitos na mesma intensidade em que nutria esse sentimento por pessoas com orienta��o sexual diferente do estabelecido. A cabe�a adolescente dava n�, rejeitava nos outros a for�a que pulsava nas entranhas. Sem conseguir frear o desejo, come�ou a namorar meninas. Nascido numa fam�lia de classe m�dia, foi fazer interc�mbio nos Estados Unidos, e teve uma rela��o mais duradoura com uma colega de escola. Na volta, “ficou” com um menino e n�o curtiu a experi�ncia. “N�o gostei mesmo”, assegura.

Mas o destino reservava outras surpresas – e agora outra parte da hist�ria � narrada num lugar bem apropriado: o borbolet�rio da Funda��o de Parques Municipais e Zoobot�nica, na Pampulha. No espa�o, que n�o conhecia, Paulo se encanta com as asas coloridas. “Se passar um pouquinho de banana na ponta do dedo, elas chegam”, orienta um funcion�rio – e n�o � que logo em seguida uma borboleta pousa nos dedos? A aproxima��o � a deixa para Paulo falar sobre a conquista de seu lugar no mundo. Determinado, e certo de que o casulo pesava mais do que a vida, procurou ajuda psicol�gica e come�ou a entender melhor a transexualidade. “Tive as viv�ncias no corpo feminino, mas era hora de deixar isso para tr�s”.

"Marcas da minha felicidade"

Mundo novo, vida nova. Paulo entrou para a faculdade e se submeteu, em 2016, � cirurgia para retirada dos seios. Com orgulho, levanta a camisa e mostra o peito peludo, com as cicatrizes. “S�o as marcas da minha felicidade”, confessa ao passar suavemente o dedo na pele. O processo acompanhado por um m�dico incluiu o uso de horm�nios, e foi ent�o que Paulo se sentiu atra�do por homens. Foram muitos os encontros e desencontros at� firmar o namoro com um paulista. “Tenho todos os �rg�os femininos, �tero, ov�rio, poderia at� engravidar, mas n�o � meu objetivo. Vou ao ginecologista, enfim, me cuido. Por causa dos horm�nios, n�o tenho menstrua��o.”

Embora formado em design de produto, Paulo decidiu fazer provas no concurso da Academia de Pol�cia de S�o Paulo, sendo aprovado h� dois anos. O sonho agora � trabalhar na delegacia especializada em atendimento a idosos e portadores de defici�ncia ou na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intoler�ncia (Decradi), em S�o Paulo. Na �poca do concurso, j� tinha feito a retifica��o de nome e g�nero. “Escolhi Paulo, porque � comum na minha fam�lia”, conta o rapaz que gosta de malhar, andar de bicicleta, frequentar bares e “ser feliz”. Com um sorriso, diz ser uma pessoa “privilegiada”. E por qu�? “No Brasil, sexo ainda � um assunto tabu, precisamos discutir as quest�es abertamente”, responde o mineiro, certo de que uma educa��o de qualidade � fundamental.
Para quem viveu num corpo feminino, o mineiro acredita tamb�m na palavra respeito para garantir a felicidade da popula��o LGBTQ e das mulheres. E sabe do que est� falando. “As mulheres passam muito aperto, principalmente no transporte p�blico. Os homens v�o logo encostando se a veem sozinha. Dos outros homens se afastam”.


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