
O escurinho do cinema ganhou luz morna. O �udio estridente deu lugar a um som doce. Na plateia, um p�blico muito especial manifestava, � sua maneira, a alegria de estar ali. Valia tudo: falar, levantar, andar, correr pelo teatro, sair e entrar quantas vezes quisesse e fosse necess�rio. Na telona, drag�es, vikings e muita a��o cativavam crian�as com autismo e seus familiares, numa sess�o especial de cinema.
A exibi��o do filme Como treinar seu drag�o para autistas ocorreu no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil, na Pra�a da Liberdade, em Belo Horizonte, e integrou a programa��o da mostra de anima��o F�brica de sonhos, que vai contar com 35 t�tulos at� o dia 29. A iniciativa teve parceria do Programa de Aten��o Disciplinar ao Autismo, da Universidade Federal de Minas Gerais (Praia-UFMG). Para receber as crian�as de 1 a 13 anos, o teatro foi totalmente adaptado.
O ambiente n�o ficou totalmente escuro, visto que as crian�as com autismo apresentam certa intoler�ncia a locais sem ilumina��o. O som do tel�o tamb�m estava baixo para respeitar a sensibilidade auditiva comum entre elas. A livre circula��o das crian�as pela sala foi permitida para que elas se sentisse totalmente � vontade e para dar vaz�o � impaci�ncia tamb�m caracter�stica desse p�blico. A pr�pria escolha do filme � intencional, conforme explicou uma das coordenadoras do Praia, Maria Lu�sa Magalh�es Nogueira, professora do Departamento de Psicologia da UFMG. Isso porque o longa fala justamente sobre toler�ncia entre seres diferentes e de como a uni�o � importante para proporcionar uma evolu��o social.
O programa surgiu de uma parceria entre a terapia ocupacional e a psicologia para aumentar o conhecimento de familiares e outras pessoas sobre o autismo. Criado em 2017 por Maria Lu�sa a partir de sua experi�ncia como m�e de um menino de 7 anos com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Praia � um projeto de extens�o da universidade que oferece assist�ncia aos respons�veis de crian�as com o transtorno e � profissionais da sa�de, por meio de atividades ligadas �s �reas de fisioterapia, psicologia, educa��o e m�sica. Ele come�ou com palestras gratuitas na UFMG, sobre diversos temas relacionados aos autistas, como escola, alimenta��o, desenvolvimento motor e direitos das crian�as. E se estendeu para a �rea cultural. “H� um d�ficit de eventos culturais”, afirma outra coordenadora do Praia, Ana Am�lia Cardoso, professora do Departamento de Terapia Ocupacional da federal.
Uma das a��es � a participa��o no Domingo no c�mpus, com atividades com muita �gua – que os autistas adoram –, incluindo um tobog� gigante. A pr�xima edi��o � em 22 de setembro. Ano passado, houve a primeira sess�o num cinema, num shopping de BH. A ONG Sess�o Azul assumiu a tarefa e, atualmente, promove exibi��es regulares. “E eles s�o importantes n�o apenas para a crian�a autista e seus familiares, como tamb�m para outras crian�as e adultos conviverem com a diferen�a e quebrar preconceitos”, diz Maria Lu�sa.
Produtora de BH da mostra F�brica de sonhos, Yasmini Costa conta que a sess�o para autistas n�o estava prevista na programa��o e surgiu a partir da demanda do Praia, durante visita exclusiva ao museu. Foram programadas tr�s sess�es com acessibilidade: com audiodescri��o (descreve a a��o dos personagens em �udio), com legenda descritiva (a��es s�o relatadas em legendas) e em libras (profissional traduz o filme na l�ngua brasileira de sinais). “Nos cinemas convencionais n�o h� essa oportunidade. Oferecer essa possibilidade � muito importante para n�s”, afirma.
M�e do pequeno Caio Cardoso, de 3 anos, a enfermeira Leny Soares Pinheiro Cardoso, de 38, j� tinha ido ao cinema com outro grupo que promove tamb�m a inclus�o. De f�rias, soube da iniciativa pelo site do Praia. “A parte sensorial do Caio � bem definida e ele n�o tem sensibilidade a som e luz. Ele n�o consegue assistir a uma sess�o comum por causa do tempo, n�o tem paci�ncia. S� � poss�vel com um tempo menor de filme”, conta.
O garoto Ivan Soares Castro, de 6, at� tirou do ouvido o abafador, que usa para ir ao cinema, de t�o confort�vel que estava a sess�o. Ao contr�rio de Caio, ele n�o tem limita��o pelo tempo, mas tem sensibilidade auditiva. Ao lado dos pais, o petroleiro Igor de Castro, de 43, e Giselle Castro, de 41, ele aproveitou. Para Igor, h� ainda a um longo caminho a se trilhar para garantir a acessibilidade cultural de autistas, embora tenha havido melhoras. “Ainda n�o � o ideal, mas iniciativas como o Praia melhoram as condi��es. Al�m disso, algumas empresas est�o come�ando a despertar para esse p�blico”, ressalta. “A forma��o cultural e a social, que � a principal defici�ncia do autismo (uma das caracter�sticas do autismo � a dificuldade de intera��o e comunica��o), ficam prejudicadas quando n�o se tem acesso.”