Assassinatos de mulheres crescem 250% neste ano em Belo Horizonte
Ex-companheiro com s�rie de den�ncias � principal suspeito de assassinar mulher e o filho dela. Pol�cia e Justi�a n�o se entendem sobre pris�o. Capital tem um feminic�dio por m�s
postado em 31/07/2019 06:00 / atualizado em 31/07/2019 08:07
Delegados relataram hist�rico de agress�es que pesa contra Paulo Henrique da Rocha, que est� foragido (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
Em meio a uma pol�mica entre a Pol�cia Civil e a Justi�a de Minas Gerais, o assassinato de mais uma mulher apontada como v�tima do ex-companheiro faz disparar as estat�sticas associadas ao feminic�dio em Belo Horizonte. Segundo dados oficiais, os casos do tipo na cidade deram um salto de 250% entre janeiro e julho deste ano na compara��o com o mesmo per�odo de 2018. A mais recente v�tima foi Tereza Cristina Peres de Almeida, de 44 anos, executada ao lado do filho, Gabriel Peres Mendes de Paula, de 22, ao sair de uma academia no Bairro Ipiranga, na Regi�o Nordeste da capital. O principal suspeito do duplo homic�dio � o microempres�rio Paulo Henrique da Rocha, de 33, que havia tido um relacionamento com Tereza.
Pedidos de socorro ao poder p�blico na tentativa de evitar o desfecho n�o faltaram: den�ncias de agress�es culminaram na abertura de cinco inqu�ritos por viol�ncia e em tr�s pedidos de medidas protetivas contra o suspeito. Houve tamb�m pelo menos um pedido de pris�o contra paulo Henrique, que a pol�cia diz ter sido negado pela Justi�a. “O pedido de pris�o foi feito, assim como foi informado � Justi�a o descumprimento da medida protetiva. E, com certeza, a pris�o do agressor seria important�ssima. A v�tima tamb�m poderia ter aderido ao abrigo que foi oferecido a ela, para ficar mais bem protegida nesse momento”, disse a delegada Isabella Franca, da Divis�o Especializada em Atendimento � Mulher, ao Idoso e � Pessoa com Defici�ncia e V�timas de Intoler�ncia. O Judici�rio, por�m, questiona a forma como o processo foi fundamentado.
De toda forma, o acusado, que est� foragido, permaneceu solto e agora segue sendo procurado. O caso est� inserido na estat�stica negativa da viol�ncia contra mulher na capital mineira. O n�mero de feminic�dios mais que triplicou nos primeiros sete meses, em compara��o com o mesmo per�odo do ano passado. Em 2019 foram sete registros, contra dois de 2018. A viol�ncia est� disseminada pelo estado. No Sul de Minas, ontem, uma mulher foi assassinada a facadas pelo namorado, que suspeitava de trai��o.
Tereza Cristina e seu filho Gabriel foram executados a tiros, sem chance de defesa (foto: Reprodu��o da internet/Facebook)
No caso da morte de Tereza, os ataques atribu�dos ao acusado nem mesmo foram as primeiras acusa��es de viol�ncia contra a mulher na trajet�ria de Paulo Henrique da Rocha. De acordo com a Pol�cia Civil, al�m dos inqu�ritos a que respondia por seu relacionamento com a v�tima e dos pedidos de medidas protetivas, o suspeito teria amea�ado outras duas ex-namoradas, que fizeram den�ncias contra ele em 2007 e em 2014.
Segundo a delegada Isabella Franca, o hist�rico de viol�ncia contra Tereza tinha dois anos. “Em novembro de 2017 ela procurou a unidade policial, representou pela medida protetiva. Um inqu�rito foi aberto para investigar. As medidas foram remetidas � Justi�a, assim como o inqu�rito. Tudo indica que ela voltou a se relacionar com ele. Em 2019, procurou a unidade policial novamente e solicitou medidas protetivas. Tamb�m foram instaurados inqu�ritos para apurar tanto amea�a quanto les�o corporal, bem como divulga��o de fotos �ntimas dela”, explicou a policial.
Entre os delitos praticados contra Tereza est�o amea�a, agress�o, danos ao patrim�nio e divulga��o de imagens �ntimas da v�tima. Segundo a Pol�cia Civil, a �ltima medida protetiva deferida contra Paulo Henrique ocorreu em abril. Ele chegou a ir � delegacia para assinar um termo em que demonstra estar ciente da provid�ncia.
Na cabe�a
Mas den�ncias e medidas n�o foram capazes de evitar uma trag�dia que parecia anunciada. Tereza e seu filho Gabriel foram assassinados por volta das 22h de segunda-feira, pr�ximo � Avenida Bernardo Vasconcelos, no Bairro Ipiranga, Regi�o Nordeste de BH. M�e e filho tinham acabado de sair de uma academia quando foram surpreendidos e baleados. Imagens de uma c�mera de seguran�a da regi�o mostram o momento em que o assassino atira contra as v�timas. Ele usava uma blusa escura de capuz e fugiu em um ve�culo sed� preto. Tereza foi atingida por quatro tiros – tr�s no peito e um na cabe�a. J� o filho dela morreu com um tiro no ouvido.
Para a Pol�cia Civil, n�o h� d�vida de que o crime foi cometido pelo ex-companheiro de Tereza. “Temos as c�meras e todo o hist�rico do relacionamento. Por meio do pr�prio hist�rico que ele criou, amea�ando, batendo, praticando todo tido de viol�ncia contra a mulher, ele assinou a pr�pria senten�a”, diz a delegada Ingrid Estevam, do N�cleo Especializado na Investiga��o de Feminic�dios.
(foto: Arte EM)
Tereza trabalhava como agente de combate a endemias no Centro de Sa�de Dom Cabral, na capital. Em nota, o Sindicato dos Servidores e Empregados P�blicos de Belo Horizonte (Sindibel) lamentou a morte. “O Sindibel se solidariza com a fam�lia, os amigos e os colegas da servidora, mas tamb�m chama aten��o para o alarmante crescimento de 300% no n�mero de mulheres mortas em Belo Horizonte, neste primeiro semestre, alvos de viol�ncia dom�stica e familiar, segundo dados da Secretaria de Estado de Justi�a e Seguran�a P�blica de Minas Gerais”, afirmou.
O assassinato de Tereza entra para a estat�stica das mulheres mortas por menosprezo pela condi��o feminina, discrimina��o ou por viol�ncia dom�stica, condi��o que, segundo a lei, caracteriza o feminic�dio. E os crimes est�o cada vez mais violentos. “Temos observado que esse tipo de crime est� com a viol�ncia cada vez mais exacerbada”, disse o delegado Emerson Morais, titular da Delegacia Especializada de Crimes Contra a Vida. “Hoje a viol�ncia contra a mulher est� em voga, e a repress�o a esses crimes tamb�m tem tido aten��o especial por parte do Estado, tanto pela Pol�cia Militar, quanto pela Pol�cia Civil”, disse.
Ju�za decide mudar rotina
A ju�za Maria Aparecida Consentino Agostini, do 1º Juizado de Viol�ncia Dom�stica e Familiar contra a Mulher, lamentou ontem o assassinato de Tereza. "Estamos consternados, porque esse foi o primeiro feminic�dio da nossa Vara desde quando a assumi, em maio de 2016”, disse. A magistrada, por�m, questionou a fundamenta��o da Pol�cia Civil para o pedido de pris�o contra o acusado, que acabou sendo negado. Mas prometeu mudar a prioridade na avalia��o de processos em que haja antecedentes graves, como o de Tereza.
A ju�za informou que a v�tima sofreu uma agress�o f�sica em janeiro deste ano, quando estava em um hotel em Natal, no Rio Grande do Norte. “Ela chegou a Belo Horizonte e registrou ocorr�ncia, fazendo pedido de medida protetiva, que foi concedida imediatamente. Foi � pol�cia dia 22 de janeiro e no dia 23 as medidas j� haviam sido concedidas”, disse. Posteriormente, ainda segundo a magistrada, a v�tima foi a uma audi�ncia de acolhimento e disse que a situa��o j� havia sido resolvida. J� em mar�o, de acordo com a ju�za, ela procurou a delegacia para denunciar Paulo Henrique por divulga��o de fotos �ntimas.
"Poderia, sim, ter pedido pris�o depois da nova agress�o. Isso n�o foi feito. Mas, o Judici�rio, o Minist�rio P�blico, a Pol�cia Civil, o Estado n�o conseguem estar com os olhos em todos os lugares"
Maria Aparecida Consentino Agostini, ju�za do 1� Juizado de Viol�ncia Dom�stica e Familiar contra a Mulher
Segundo a ju�za, a delegada respons�vel pelo caso pediu a pris�o do agressor e a apreens�o dos equipamentos eletr�nicos, com base nesse crime. “O pedido de pris�o foi baseado na divulga��o de fotos intimas e de cria��o de perfil falso. Assim, foi concedida a medida judicial cab�vel – que era a busca e apreens�o dos aparelhos. (…) N�o � qualquer agress�o que vai acabar em uma pris�o. Para o juiz conceder a medida extrema, que � tirar a liberdade de uma pessoa, ele precisa de fundamentos na condi��o e fundamentos nos fatos do processo. Ent�o, obviamente, quando a agress�o � grave e o pedido chega embasado, a pris�o � decretada”, afirmou.
Em maio houve nova ocorr�ncia envolvendo o casal. “Depois de ter sido intimado, diante da medida protetiva que foi deferida no fim de abril, ele foi at� a casa da v�tima para amea��-la. Desesperada, ela procurou a delegacia. A partir da�, n�o teve nenhum pedido de pris�o preventiva. O inqu�rito estava na Pol�cia Civil para apura��o”, sustentou.
Ela acredita que, devido ao hist�rico de agress�o do autor, a corpora��o poderia ter feito novo pedido de pris�o. “Poderia, sim, ter pedido pris�o depois da nova agress�o. Isso n�o foi feito. Mas, o Judici�rio, o Minist�rio P�blico, a Pol�cia Civil, o Estado n�o conseguem estar com os olhos em todos os lugares”, disse.
A ju�za afirma que se sente tranquila e considera que a Justi�a “fez o melhor, com agilidade”. “Mas, com certeza, � necess�rio maior empenho do Estado”, admitiu. “A Lei Maria da Penha � uma das melhores, mas precisa ser mais efetiva. Precisamos ter mais pol�ticas p�blicas que unam todas as institui��es a favor da defesa da mulher”, disse.
A ju�za afirmou que, depois do assassinato de Tereza, decidiu mudar a forma de trabalho da vara: “Os casos em que temos antecedentes graves v�o receber uma faixa amarela no processo, para correr com mais urg�ncia e prioridade.”
Uma hist�ria que se repete
Feminic�dio no Sul de Minas ontem repetiu o enredo de crimes praticados por homens com hist�rico de viol�ncia contra mulheres. A v�tima, de 54 anos, foi assassinada a facadas na madrugada em Santa Rita do Sapuca�, no Sul do estado. O namorado dela, Jo�o Venceslau C�ndido, de 68, foi preso e confessou o crime. Ele disse que estava com ci�mes da companheira, que estaria conversando com outro homem. Depois de deixar o local do crime, o agressor tentou tirar a pr�pria vida. Ele foi levado para o hospital. Mais tarde, recebeu alta e foi encaminhado para a delegacia. Segundo a Pol�cia Civil, Jo�o C�ndido j� tinha sido preso h� 12 anos por tentativa de homic�dio contra outra namorada e terminou em liberdade 15 dias depois.
Carros da Pol�cia Civil no local do crime, em Santa Rita do Sapuca�: assassino confesso j� havia sido preso por tentar matar outra namorada h� 12 anos (foto: Pol�cia Civil/Divulga��o)
O crime ocorreu por volta das 5h. De acordo com a pol�cia, Jo�o C�ndido contou que, como fazia todos os dias, foi at� a casa de Cleide Maria Gomes, no Bairro S�o Roque, para lev�-la ao trabalho quando os dois se desentenderam. “Durante a discuss�o, ele pegou uma faca e deu v�rios golpes nela”, contou o tenente Elias Daniel da Motta Yanase. O crime ocorreu na rua, a aproximadamente 30 metros da resid�ncia da v�tima.
Os militares fizeram os levantamentos inicias e encontram imagens de c�meras de seguran�a que mostravam o ve�culo do autor. Tamb�m obtiveram informa��es de testemunhas de que o autom�vel pertencia a Jo�o C�ndido. Diante das apura��es, um cerco foi feito na cidade e em munic�pios vizinhos para prender o homem, encontrado horas depois na BR-459, em Bras�polis, na mesma regi�o. “Ele deu tr�s facadas no pr�prio peito com o intuito de se matar. Depois, jogou o carro contra uma �rvore”, informou o tenente. O homem foi socorrido no Pronto-Socorro de Santa Rita do Sapuca� e prestou depoimento depois de receber alta do hospital.
De acordo com a PM, ao ser preso, Jo�o C�ndido confessou o crime e creditou o ato a ci�mes devido a uma suposta trai��o da mulher. O suspeito contou que questionou a namorada no domingo e que ela assumiu ter conversado com outro homem mas negou que tivesse sa�do com ele.
Investiga��es
A Pol�cia Civil apurou que Jo�o C�ndido j� tinha hist�rico de viol�ncia contra mulheres. “H� 12 anos, ele tentou matar uma namorada, mas n�o conseguiu. Ficou detido por 15 dias e foi colocado em liberdade. Como o registro � antigo, n�o temos mais detalhes, mas a tentativa de homic�dio foi confirmada pelo pr�prio autor”, detalhou o delegado Daniel Leme, respons�vel pelo caso.
Na delegacia, Jo�o C�ndido permaneceu calado. Ele estava na presen�a de um advogado. O inqu�rito est� quase conclu�do. A pol�cia aguarda os resultados da per�cia na faca usada no crime e dos exames do Instituto M�dico-Legal (IML). Imagens de c�meras de seguran�a tamb�m ser�o usadas nas apura��es.
“As imagens est�o um pouco distorcidas, mas d� para ver que � ele”. De acordo com o delegado, as imagens mostram o suspeito prensando a v�tima contra o muro e a segurando pelo pesco�o, como uma esganadura. Depois, a c�mera perde um pouco o foco e n�o mostra o momento em que ela � esfaqueada. Na imagem seguinte, ele � visto fugindo do local.