postado em 04/08/2019 07:00 / atualizado em 02/10/2019 16:11
“Puxa vida! Tem mais de 50 anos que n�o chego perto de um bonde!” Com olhos curiosos e express�o no rosto marcada pela saudade, o aposentado Osmar Nunes Coelho, de 88 anos, morador do Bairro Lagoinha, reencontrou o transporte p�blico da sua juventude no jardim do Museu Hist�rico Ab�lio Barreto, em Belo Horizonte. Como seria se os bondes ainda existissem em Belo Horizonte
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Atento a cada detalhe do exemplar que saiu de circula��o na capital em 1963, o bem-humorado Osmar lembrou do trajeto que mais gostava: nos fins de semana, seguia com os amigos do Centro at� o ponto final, no Zool�gico, na Pampulha, para pescar e tomar umas e outras. “Era muito divertido e �til, o bonde ia para todo canto”, relembra o aposentado enquanto admirava os antigos an�ncios afixados no interior do ve�culo.
Em Minas, os �ltimos bondes sa�ram de cena – e dos trilhos – h� exato meio s�culo, em Juiz de Fora, na Zona da Mata. Deixaram rastros em alguns trechos, lutando contra o peso do asfalto, nostalgia em muita gente e uma pergunta no ar: Ainda poderiam estar em opera��o, mesmo de forma tur�stica, como ocorre em outras cidades mundo afora?
O empres�rio Agenor Nunes Guerra, de 90, casado, acredita que os bondes fazem falta, ainda mais nessa �poca de caos urbano e transporte p�blico deficit�rio: “Para fomentar o turismo, seria oportuno”. Viajante contumaz em outras �pocas, ele cita como exemplo a cidade de S�o Francisco, na Calif�rnia (EUA), que mant�m o bonde na Rua Powell. Tamb�m passageira dos bondes, a costureira Helo�sa Motta Amorim, de 79, moradora do Bairro Luxemburgo, se recorda de algumas curiosidades.
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Diante do ve�culo que atrai visitantes no museu, ela l� an�ncios de produtos ainda no mercado e outros bem distantes deste s�culo. E mostra os bancos de madeira e os estribos. Os primeiros, tinham o encosto m�vel, de forma a facilitar a volta do ve�culo ao “abrigo” inicial, enquanto, nos estribos, os cobradores se equilibravam passando atr�s dos passageiros. Essa palavra, na filosofia popular, ganhou um ditado saboroso: “Tudo na vida � passageiro, menos o condutor e o motorneiro”.
A��o de realidade aumentada nas ruas de Belo Horizonte (foto: Fred Bottrel/EM/D.A Press)
Bondes de volta �s ruas
O sistema de transporte que chegou a servir 73 milh�es de pessoas em Belo Horizonte em seu auge, l� em 1947, est� de volta n�o apenas na mem�ria de quem viajou nos bondes. Ao menos na realidade aumentada, recurso que o Estado de Minas usa nesta reportagem especial, para marcar os 50 anos desde que o �ltimo bonde circulou em Minas.
Nesta proposta, referenciamos o passado a partir de uma provoca��o: como seria se os ve�culos sobre trilhos ainda subissem Bahia e descessem Floresta? BH era menor, menos populosa e a extens�o da malha dos bondes (73km) superava o que hoje representa a soma das quilometragens alcan�adas por Move e metr�.
Divulga��o/ Kriativar (foto: O bonde em 3D foi criado � semelhan�a dos que circularam em BH)
Desse tempo, as lembran�as de Osmar, Agenor e Helo�sa ganham vida a partir do recurso tecnol�gico. Vers�es estendidas em �udio dos depoimentos deste especial integram a vers�o multiplataforma da reportagem. Este c�digo � o canal. Ao apontar a c�mera do seu smartphone para ele (� preciso instalar um app leitor de QRCode, se o celular n�o vier com o recurso), surgir� o bonde amarelo, de portas abertas e o �udio dos passageiros, que trazem a mem�ria viva desse tempo na bagagem.
Para recriar o bonde em 3D, um modelo digital foi adaptado com base em extensa pesquisa de imagens produzidas durante d�cadas por fot�grafos do Estado de Minas, do Di�rio da Tarde e da revista O Cruzeiro, catalogadas no centro de documenta��o dos Di�rios Associados em Minas. Da primeira viagem, em 1902, � sa�da do �ltimo bonde, em 1963, Belo Horizonte alcan�ou os 73 quil�metros de linhas e teve 87 vag�es no auge, segundo o pesquisador americano Allen Morrison (1934-2019), refer�ncia mundial no estudo desse meio de transporte.
“O maior desafio do projeto foi encontrar um equil�brio entre a melhor representa��o poss�vel do bonde e o m�ximo de compatibilidade entre navegadores e smartphones, permitindo que a experi�ncia pudesse ser vivenciada por maior n�mero de pessoas”, diz Ronaldo Gazel, game designer da Kriativar, parceira do Estado de Minas no desenvolvimento da realidade aumentada para o projeto Um bonde passou aqui.
Realidade 'melhorada'
Para se ter uma ideia da relev�ncia que representou o sistema de bondes no cotidiano de Belo Horizonte, os 2.858 �nibus da frota de transporte informada pelas empresas � BHTrans foram usados por 372,7 milh�es de pessoas em 2018, segundo os dados da transpar�ncia do transporte coletivo. Isso significa 130 mil pessoas por coletivo. No caso dos bondes, o resultado seria de 839 mil passageiros por ve�culo. A compara��o com o metr� tamb�m ressalta a for�a que os bondes tiveram na capital no s�culo passado. A Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) transportou 58,4 milh�es de pessoas em 81,4 mil viagens no ano passado.
Por ter sido escolhida capital do estado, Belo Horizonte foi a cidade que mais implementou linhas de bonde em um per�odo de 61 dos seus 121 anos. Juiz de Fora, �ltimo munic�pio mineiro a encerrar a atividade dos bondes, em 1969, teve 34 ve�culos de passageiros e 16 quil�metros de linhas. De um per�odo hist�rico em que os tempos eram outros (e isso significa muita coisa), fica neste especial a reflex�o para uma potencial realidade melhorada - afinal, esta � outra tradu��o poss�vel para augmented reality, o nome em ingl�s para a tecnologia que usamos nesta reportagem.
COMO FUNCIONA
Aqui passou um bonde
Aponte a c�mera do seu celular para o c�digo e boa viagem! (*)
(foto: Voc� pode imprimir este c�digo ou mirar a c�mera de um telefone para esta tela)
Voc� vai ouvir as hist�rias de pessoas que viveram uma �poca memor�vel no transporte p�blico de Belo Horizonte. E ver como eram os bondes que passaram aqui, quando a capital mineira chegou a ter 73km de linhas.
(*) Se a c�mera do seu aparelho n�o tem a fun��o QRCode, voc� precisa ter um aplicativo leitor de QRCode instalado.
Que tecnologia � essa?
Celulares mais novos j� v�m com o leitor de QRCode como um dos modos da c�mera. No caso de outros aparelhos, � preciso ir at� a loja de aplicativos do seu sistema e procurar por ‘Leitor de QRCode’. A ferramenta abre o navegador de internet (� preciso ter conex�o) e pede acesso � c�mera. A partir da�, faz surgir na tela do aparelho a imagem do bonde. Acione o �udio e ou�a as hist�rias.
(foto: Fred Bottrel/EM/D.A Press)
Al�m do c�digo impresso na edi��o de domingo (4/8/19), o Estado de Minas distribui popcards com o QRCode em lojas da Drogaria Araujo, patrocinadora da a��o, que ocorre entre 4/8/19 e 11/8/19 para os seguintes endere�os de lojas: Rua Tupinamb�s, 748; Rua da Bahia, 1070;Rua Para�ba, 9; Av. Amazonas, 686 e Rua Rio de Janeiro, 337)
Locais da a��o com os popcards em lojas da Drogaria Araujo
Bastava ter mantido o corredor de acesso ao Centro, articulado com a perimetral da Contorno, que j� garantiria acessibilidade eficiente
Ayrton Camargo e Silva, diretor-adjunto de Planejamento de Transportes da Associa��o de Engenheiros e Arquitetos de Metr�s
Trilhos modernos
Especialistas destacam a import�ncia hist�rica dos bondes em BH e defendem modelo semelhante para o futuro
Bastava ter mantido o corredor de acesso ao Centro, articulado com a perimetral da Contorno, que j� garantiria acessibilidade eficiente
Ayrton Camargo e Silva, diretor-adjunto de Planejamento de Transportes da Associa��o de Engenheiros e Arquitetos de Metr�s
Cinco d�cadas depois de a efici�ncia dos bondes ter sido abandonada em Minas Gerais, especialistas avaliam os impactos que esse modelo de transporte p�blico teria sobre a vida dos passageiros, o tr�nsito e a economia de Belo Horizonte.
73Km
extens�o que as linhas de bondes de Belo Horizonte chegaram a ter no auge de funcionamento desse sistema de transporte na cidade, no fim da d�cada de 1940
A capital, atualmente estrangulada por uma frota de mais de 2 milh�es de ve�culos para uma popula��o estimada de 2,5 milh�es de pessoas, chegou a ter 73 quil�metros de linhas de bonde em opera��o no fim da d�cada de 1940. Naquela �poca, �ramos 350 mil habitantes.
(foto: Mapa dos bondes de BH)
Ou seja, a capital mineira chegou a ter na primeira metade do s�culo passado uma malha ferrovi�ria para passageiros maior que os atuais 68,7 quil�metros de pistas para �nibus, somando a� todos os corredores pr�prios e faixas exclusivas ou preferenciais.
839 mil
m�dia de passageiros por ve�culo que os 87 vag�es em opera��o na capital mineira chegaram a transportar em 1947. Em 2018, a m�dia do metr� de BH foi de 81,4 mil
Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas afirmam que a manuten��o, mesmo parcial, das linhas de bondes na capital teriam refletido em grandes benef�cios hoje. Na avalia��o do engenheiro civil e conselheiro da Organiza��o N�o Governamental (ONG) Transporte e Ecologia em Movimento (Trem), Nelson Dantas, esse modelo teria impacto positivo direto no custo de vida da cidade. “Se o sistema existisse at� hoje, a cidade teria crescido mais em torno das suas linhas, aumentando o adensamento no entorno delas e, consequentemente, reduzindo o custo urbano.”
Dantas acrescenta que os p�los de atra��o n�o se dispersariam tanto, o que fortaleceria o com�rcio e provocaria maior desenvolvimento, conforme estudo do economista norte-americano Douglass North (1920-2015), vencedor do pr�mio Nobel de economia em 1993. Dantas, por�m, afirma que a conviv�ncia do bonde com o autom�vel n�o � pac�fica. “A ado��o do bonde � a segrega��o do autom�vel. Politicamente, significa que o individual seria preterido pelo coletivo”, explica.
1963
�ltimo ano de opera��o do sistema de bondes na capital mineira, servi�o que come�ou a operar na cidade em 1902, quando BH tinha apenas 5 anos de funda��o
Outro especialista que refor�a que a cidade teria ganhado muito com a perman�ncia dos bondes � o diretor-adjunto de Planejamento de Transportes da Associa��o de Engenheiros e Arquitetos de Metr�s (Aeamesp), Ayrton Camargo e Silva. Ele diz que, se BH tivesse mantido uma estrutura de bondes na Avenida Afonso Pena, com liga��o entre seus extremos, esse poderia ser um eixo estruturante de entrada na �rea de maior movimento da capital.
“Seria uma espinha dorsal da mobilidade e acesso ao Centro, de forma a n�o estrangul�-lo. Essa regi�o foi estrangulada quando a rodovi�ria se instalou ali. Se existisse um corredor limpo dando acesso, e, quem sabe, at� conectado por uma perimetral da Avenida do Contorno, tenho certeza de que seria uma cidade com impacto menor.”
Segundo ele, n�o seria necess�rio ter mantido toda a extens�o das linhas, que chegaram a totalizar 73 quil�metros. “Bastava ter o corredor de acesso ao Centro, articulado com a perimetral da Avenida do Contorno, que j� garantiria acessibilidade eficiente, para depois esse sistema ser melhorado e expandido”, afirma Camargo.
(foto: Divulga��o/Prefeitura do Rio de Janeiro)
Trilhos do futuro
Especialistas apontam que os bondes do futuro, os ve�culos leves sobre trilhos (VLT), podem ser um caminho para a capital. BH j� tem as chamadas canaletas de �nibus em 21 quil�metros, onde hoje passa o BRT, o que � considerado a parte mais dif�cil na hora de se abrir caminho para um transporte que use vias exclusivas. Por outro, a cidade aprovou recentemente seu novo plano diretor, que prev� a chamada outorga onerosa.
Com esse mecanismo, empresas poder�o negociar t�tulos para construir acima do coeficiente de aproveitamento de lotes em determinadas regi�es, valor que poderia ser revertido para desatar os n�s de transporte, na vis�o de estudiosos do assunto. Segundo o diretor-adjunto da Aeamesp, com raras exce��es, o Brasil n�o aplica a rela��o necess�ria entre uso do solo e mobilidade. Segundo Camargo, parte da arrecada��o com a outorga onerosa poderia ser usada para financiar o sistema VLT e “evitar o colapso dessas �reas no futuro”.
Custo-benef�cio
Por meio de nota, a Empresa de Transportes e Tr�nsito de Belo Horizonte (BHTrans) informou que a capacidade de transporte m�xima dos VLTs � de 12 mil passageiros por hora em um �nico sentido, com custo de implanta��o que pode atingir US$40 milh�es/km. O sistema de �nibus BRT/Move, por exemplo, chega a transportar 45 mil passageiros por hora/sentido pelo pre�o m�ximo de US$14 milh�es/km.
Na avalia��o do secret�rio executivo do Comit� Municipal sobre Mudan�as Clim�ticas e Ecoefici�ncia, Dany Amaral, pensar em mobilidade alternativa ou energia renov�vel no transporte s�o estrat�gias fundamentais para mitigar a emiss�o de gases e, consequentemente, poder reduzir nossas �reas de vulnerabilidade. “Em BH existe estudo de vulnerabilidade clim�tica, publicado em 2016, que demonstra que se nada for feito, seja com a��es de mitiga��o ou adapta��o, teremos um aumento da �reas com risco inunda��o, deslizamento, ondas de calor e casos de dengue at� 2030”, afirma. Segundo dados de 2015, 54% das emiss�es de gases em BH que agravam o efeito estufa s�o origin�rias dos meios de transporte.
Hist�rias vivas
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Tudo na vida � passageiro, menos o motorista e o trocador. A frase tem uma origem que d� mais ritmo � ideia e faz rima com sabor de passado: tudo na vida � passageiro, menos o condutor e o motorneiro. Vem l� do tempo dos bondes, o “vov�” do Move, e muita gente boa de mem�ria entende do assunto e vai al�m... ao tempo em que um grande problema tinha “o tamanho de um bonde”, ou, ent�o, entrar numa conversa alheia, sem saber do tema em quest�o, era pegar “um bonde andando”.
Morador do Bairro Lagoinha, na Regi�o Noroeste de Belo Horizonte, o aposentado Osmar Nunes Coelho, de 88 anos, d� risada das lembran�as e conta que, na juventude, usou muito o antigo transporte p�blico para se deslocar at� o trabalho, na Pra�a Sete, ou pescar no fim de semana na Lagoa da Pampulha.
Para Osmar, as linhas de bonde n�o fariam sentido hoje em BH, pois a quantidade de carros n�o permite, “mas, na �poca, resolvia bem a situa��o do transporte na capital”. Em visita ao hist�rico exemplar em exibi��o no jardim do Museu Hist�rico Ab�lio Barreto, no Bairro Cidade Jardim, na Regi�o Centro-Sul, o homem nascido em Guanh�es, no Vale do Rio Doce, volta a meados da d�cada de 1950, quando chegou � cidade para servir no 12º Batalh�o de Infantaria do Ex�rcito. Na sequ�ncia, decidiu ficar e trabalhar.
Dois meses antes da Copa do Mundo de 1950, a primeira linha de bondes cobertos come�ou a correr nos trilhos de BH – e foi a� que Osmar fez sua estreia, indo e voltando do quartel localizado no Bairro Barro Preto. O pr�ximo passo foi trabalhar como vendedor, e chegou a gerente, na loja de departamentos Mesbla, “que tinha de alfinete a avi�o”.
Pegava o bonde perto de casa e descia no abrigo da Pra�a Sete, no cora��o da capital. Abrigo, � bom lembrar, era o nome dos pontos de embarque e desembarque dos passageiros; e motorneiro, o homem que, na defini��o do Novo Dicion�rio Aur�lio, se traduz por “encarregado do motor de um bonde”.
Ao falar dos fins de semana, os olhos de Osmar brilham de saudade. Com os colegas de trabalho, pegava o bonde no Centro e seguia at� o Jardim Zool�gico (hoje Funda��o de Parques Municipais e Zoobot�nica), na Pampulha. “Eram fins de semana fant�sticos. �amos s�bado, pass�vamos a noite � beira da lagoa e volt�vamos s� no domingo. A �gua era limpa, cristalina, dava at� para beber”, revela Osmar fazendo uma pausa. Ao continuar, confessa, bem-humorado: “A gente bebia mesmo da �gua”.
Aventuras urbanas
Rec�m-chegado aos 90, com anivers�rio comemorado em 8 de julho, entre um c�lice de vinho do porto e abra�o dos familiares e amigos, o empres�rio Agenor Nunes Guerra, morador do Bairro Funcion�rios, gosta de compartilhar suas lembran�as e sente certa nostalgia das priscas eras. As lembran�as est�o vivas, e Agenor viaja agora no tempo para falar da aventura de pegar traseira do bonde que seguia do Bairro Santo Ant�nio, onde morava “numa ch�cara na Rua Carangola, nº 152”, em dire��o ao Centro. No caminho, surgiam as primeiras namoradas de um flerte inocente e, dependendo do olhar, poderiam evoluir para algo mais s�rio.
De acordo com os estudiosos, at� 1950, os bondes eram ve�culos abertos, com dezenas de passageiros de p� nos estribos, sem seguran�a. Assim, quando os caminh�es e �nibus ganharam as ruas em maior intensidade, era muito comum os passageiros serem atropelados, pois os ve�culos passavam rente aos bondes e derrubavam as pessoas. Puxando pela mem�ria, o empres�rio que gostaria de ter sido diplomata diz que, no interior do ve�culo, eram afixados an�ncios de rem�dios, um deles para tirar tosse. Risonho, Agenor confessa que a peraltice de pegar traseira nem sempre acabava bem.
“Quando chegava em casa, mam�e j� estava me esperando com o cinto de borracha.” Na sala de casa, ele rememora detalhes, como o nome do condutor, “seu” Chico, que conhecia a meninada do bairro ainda tomado por quintais enormes. “O l� de casa tinha 6,9 mil metros quadrados de �rea.”
Cap�tulo da vida
Mais jovem dos tr�s, a costureira Helo�sa Motta Amorim, de 79, moradora do Bairro Luxemburgo, andava de bonde, mas apenas nos tempos de crian�a. Mais velha de 11 irm�os e ent�o residente na Avenida Pasteur, em frente ao Col�gio Arnaldo, Helo�sa ajudava a m�e indo fazer comprar num estabelecimento de “secos e molhados”, no Bairro Santa Efig�nia. Uma particularidade nunca saiu da cabe�a: o bonde ia at� o fim da linha, mas n�o virava. O que virava era o encosto do banco, que era m�vel, e, assim voltava para o abrigo de onde partira. Era muito interessante”.
No ve�culo em exposi��o no Museu Hist�rico Ab�lio Barreto, perto de onde passa diariamente durante a caminhada matinal, Helo�sa refresca a mem�ria e recorda um epis�dio que presenciou quando tinha cerca de 10 anos. Uma crian�a ficou parada nos trilhos, mas o condutor ligou o sinal e conseguiu frear a tempo. “Foi assustador, mas n�o houve acidente”. Outra imagem est� na movimenta��o dos cobradores, “verdadeiros malabaristas”, ao fazer seu trabalho passando por fora dos passageiros pendurados nos estribos. Um peda�o que ficou gravado na hist�ria da cidade � o abrigo da Avenida Afonso Pena, na esquina da Rua da Bahia, onde, muitos anos depois, funcionou o mercado das flores.
Sem saudosismo, mas com gosto pelas recorda��es, Helo�sa, vi�va, m�e de tr�s filhos e av� de duas meninas, est� certa de que a viagem nos bondes representa um cap�tulo da sua vida. “Estudei no Instituto de Educa��o, fui banc�ria, casei em 1964 e mudei para Uberaba (Regi�o do Tri�ngulo). Com certeza, t�nhamos uma capital mais tranquila, bem diferente da atualidade. Hoje, seria imposs�vel ter bondes por a�.”