'N�o vou me calar', diz cuidadora exclu�da de sele��o que vetava candidatas 'negras e gordas'
Profissional de 41 anos denuncia duas empresas de recrutamento e qualifica��o profissional de BH, que divulgaram an�ncio preconceituoso de vagas de emprego
Apesar dos quatro anos de experi�ncia profissional e dos v�rios cursos de qualifica��o no curr�culo, a cuidadora de idosos Eli�ngela Lopes, de 41 anos, foi exclu�da de um processo seletivo divulgado por duas empresas da capital mineira antes mesmo de enviar seu curr�culo. O empecilho para que ela concorresse estava logo na descri��o das vagas, que exigia, explicitamente, que as candidatas n�o fossem negras ou gordas.
O caso ocorreu em 31 de outubro e � investigado pela Pol�cia Civil de Minas Gerais como crime de racismo.
As oportunidades foram anunciadas por meio de uma lista de distribui��o do WhatsApp administrada pela ag�ncia Leveza do Afeto, que atua na forma��o de cuidadores de idosos e posterior indica��o dos profissionais ao mercado de trabalho. Demandadas por uma franquia da empresa Home Angels, a vagas — dez, no total — eram tempor�rias, destinadas a folguistas, com remunera��o de R$ 100 por plant�o, mais vale-transporte. Empregada h� dois anos com carteira assinada, Eli�ngela afirma que ela e v�rias de suas colegas frequentemente se candidatam a an�ncios como esses para complementar a renda.
(foto: Fernanda Spadinger/Arquivo pessoal)
A cuidadora conta ainda que seu primeiro contato a Leveza do Afeto ocorreu em 2017, quando, desempregada, buscou o escrit�rio visando recoloca��o profissional. Na ocasi�o, diz ter feito uma entrevista e pagado uma taxa de R$ 200. “Quando eu li a mensagem da Fernanda (diretora da empresa) divulgando as vagas de folguista naquelas condi��es, fiquei sem acreditar. Achei que era fake news. Em seguida, escrevi a ela dizendo que aquilo era muito preconceito, mas ela me respondeu que ‘era exig�ncia do cliente e que n�o podia fazer nada. Fiquei impressionada com o fato de uma psic�loga apoiar tamanha discrimina��o’. relata.
(foto: Fernanda Spadinger/Arquivo pessoal)
Pouco tempo depois, a empres�ria teria enviado uma nova mensagem �s integrante da lista de transmiss�o, na qual se desculpava. “Um pouco mais tarde, nos falamos tamb�m por telefone. Acho que ela se deu conta do que tinha feito, mas n�o � simples assim. Eu me senti um lixo quando li o an�ncio, chorei muito. Ent�o conversei com o presidente da associa��o dos cuidadores de idosos de BH e decidi n�o me calar. Fiz uma den�ncia � pol�cia e espero justi�a”, relata Eli�ngela.
A profissional conta que esta n�o � a primeira vez que o preconceito atravessa sua trajet�ria. “J� fui contratada como balconista com sal�rio de faxineira. Vi minha m�e ter que sair fugida de um de seus empregos para n�o apanhar. Ao longo da minha vida, fui me calando, as vezes por medo, as vezes por falta de acesso � justi�a mesmo. Imagine que, se eu quiser abrir um processo contra as empresas preconceituosas, s� os registros dos prints de WhatsApp que eu tenho que fazer no cart�rio custam pelo menos R$ 250. Se eu estivesse desempregada, como arcaria com isso? Dessa vez, no entanto, n�o vou recuar. J� chega”, reflete.
Outro lado
Procurada pelo Estado de Minas, a diretora da franquia centro-sul da Home Angels, Ta�s Arantes, nega que a ag�ncia imponha pr�-requisitos preconceituosos para contrata��o de profissionais. Segundo a dirigente, a mensagem de divulga��o partiu do smartphone pessoal de uma funcion�ria do estabelecimento, que teria elaborado o texto sem o conhecimento ou aprova��o de seus superiores. “J� providenciamos o desligamento dessa colaboradora e refor�amos nosso rep�dio a qualquer tipo de segrega��o”, justificou Ta�s.
Por sua vez, a diretora da escrit�rio Leveza do Afeto, Fernanda Spadinger, admite que errou repassar a vaga de conte�do preconceituoso. “Admito que distribui o an�ncio sem ler com a devida aten��o e assumo minha responsabilidade por isso. � evidente que deveria ter me recusado a divulgar aquela solicita��o, mas gostaria de ressaltar que a minha inten��o era, antes de tudo, empregar dez pessoas”, esclareceu.
A psic�loga encaminhou � reportagem os prints das mensagens trocou com a funcion�ria da Home Angels. “Reconhe�o minha falha e vou pagar por ela, mas � importante ressaltar que n�o fui eu quem impus as exig�ncias discriminat�rias. Elas vieram da Home Angels Centro-Sul”, pontua.
Fernanda chegou a oferecer acompanhamento psicol�gico � Eli�ngela, mas a oferta foi recusada. "Como vou me tratar com a pessoa que me causou o trauma", ponderou a cuidadora de idosos.