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Estado de Minas VIOL�NCIA DOM�STICA

Dramas por tr�s dos n�meros: relatos da viol�ncia dom�stica por quem a combate

Militares da companhia especializada criada pela PM falam sobre a rotina de combate ao crime ligado a g�nero e revelam relatos reais por tr�s da assustadora m�dia de 12 mil queixas mensais de agress�es contra mulheres de janeiro a outubro deste ano em Minas


postado em 01/12/2019 04:00 / atualizado em 01/12/2019 08:08

Ana Luíza Apolônio com a comandante, major Cleide Barcelos Rodrigues, e policiais da unidade especializada: apoio e monitoramento contra agressõs (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Ana Lu�za Apol�nio com a comandante, major Cleide Barcelos Rodrigues, e policiais da unidade especializada: apoio e monitoramento contra agress�s (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Dois de junho de 2019 era para ser uma data de comemora��o para Ana Lu�za Apol�nio Silva, de 19 anos, que festejava o primeiro anivers�rio do filho. Deixou de ser quando o ex-companheiro dela, de 23 anos, chegou � casa dela, onde ocorria a festa, e estragou tudo. Agressivo, a amea�ou de morte. “Vou estourar sua cabe�a”, dizia. N�o parou por a�. A jovem e toda a fam�lia foram agredidas verbalmente. Diante da amea�a, Ana Lu�za ficou assustada e temerosa de a que a promessa pudesse ser cumprida. Sem saber o que fazer, conversou com parentes, que a encorajaram a procurar a pol�cia. Desde ent�o, o caso dela passou a ser um dos 200 monitorados diariamente pela Companhia Independente de Preven��o � Viol�ncia Dom�stica, da Pol�cia Militar, criada em 2017 para atuar em toda a capital.

 

Em outros estados existem patrulhas ou rondas Maria da Penha, que d�o prioridade ao monitoramento de medidas protetivas. Em Minas, a Pol�cia Militar se antecipa no atendimento de v�timas que n�o solicitaram prote��o � Justi�a e nem sabem como faz�-lo. E nessa rotina, os militares colecionam testemunhos de desrespeito, agress�es e crueldade que se multiplicam em lares de todas as classes sociais. Mas tamb�m hist�rias que t�m seus desfechos mudados a partir da interven��o policial. Na semana que marcou o Dia Internacional de Combate � Viol�ncia Contra a Mulher, lembrado em 25 de novembro, o Estado de Minas buscou relatos de alguns desses abusos, transmitidos por aqueles que trabalham para preveni-los (leia ao lado). 

 

As cicatrizes exibidas por essas v�timas – quando n�o no corpo, na alma – s�o a parte mais palp�vel de um conjunto de estat�sticas assustador. De acordo com a Pol�cia Civil de Minas Gerais, em 10 meses deste ano foram registradas 121.987 queixas por viol�ncia de g�nero no estado. S�o assustadores 12 mil casos por m�s, em m�dia, ou 406 ao dia, 16 por hora, um a cada tr�s minutos e meio. No mesmo per�odo, 32.730 medidas protetivas foram pedidas � Justi�a mineira por v�timas contra agressores. Mesmo assim, 114 mulheres foram assassinadas pelos companheiros entre janeiro e outubro �ltimo.

 

O temor de que o agressor n�o seja punido leva muitas mulheres a desistir de apresentar den�ncia. No entanto, casos como o de Ana Lu�za demonstram que, quando o Estado prov� seguran�a a quem pede socorro, a Lei Maria da Penha se mostra eficaz. Depois de registrar o boletim de ocorr�ncia, a jovem passou a ser acompanhada pela Companhia de Preven��o � Viol�ncia Dom�stica. O ex-companheiro passou a ser monitorado e tem que se manter distante dela, sob pena de ser preso. “Em mais de 90% dos casos de feminic�dio, as mulheres n�o tinham pedido prote��o. Isso prova que a medida protetiva � efetiva. As exce��es devem ser tratadas � parte”, diz a major Cleide Barcelos dos Reis Rodrigues, comandante da unidade especializada da PM.

 

Desde que o descumprimento de medidas judiciais de prote��o a mulheres passou a ser crime, a companhia mais que dobrou o n�mero de pris�es que faz. “O que falta muito �s pessoas � o conhecimento. Por n�o saberem que o descumprimento das medidas protetivas � crime, n�o acionam a pol�cia. Se a v�tima tem medida protetiva, em caso de amea�a ela deve acionar o telefone 190 imediatamente, para que uma viatura se desloque at� o local e fa�a a pris�o em flagrante do agressor. � crime e cabe condu��o para a delegacia”, alerta a major Cleide.

 

 

A crueldade relatada por quem vive para impedi-la

 

» Meio s�culo

de humilha��o

 

Foram 50 anos de viol�ncia – f�sica, verbal, sexual, patrimonial. Depois de meio s�culo sofrendo, a mulher decidiu quebrar uma rotina de dor, medo e humilha��o. Na abordagem, os militares descobriram que o casal, j� idoso, havia se unido muito jovem. O senhor, com idade entre 60 e 70 anos, tinha problemas de sa�de devido a acidente de trabalho. No conv�vio di�rio, segundo relato da v�tima, praticava viol�ncia n�o apenas contra a mulher, mas tamb�m contra as filhas do casal, degradando ainda mais o relacionamento familiar. Os abusos de natureza sexual fizeram com que a mulher desenvolvesse avers�o ao sexo. Finalmente, ao buscar a Justi�a, ela conseguiu medida protetiva. Ao ser informado por militares de que deveria sair de casa, o acusado reagiu com preocupa��o – com o pr�prio futuro: “E agora, quem vai cozinhar para mim? Quem vai lavar a minha roupa? Quem vai fazer as coisas para mim?”. Cumprida a ordem judicial, o homem se mudou. Depois de cinco d�cadas de sofrimento, a v�tima hoje tenta reconstruir sua vida e, para isso, conta com monitoramento da unidade especializada da PM.

 

» Uma exist�ncia

aprisionada

 

A mulher de aproximadamente 30 anos j� n�o suportava a rotina que a encarcerava havia cerca de oito anos. Com dois filhos com o agressor, relatou a militares da Companhia de Preven��o � Viol�ncia Dom�stica que era proibida at� mesmo de receber o pr�prio sal�rio. Tinha direito a manter poucas pe�as de roupa. Contou que n�o podia ir ao banheiro e nem mesmo se alimentar sem ele por perto. Tudo o que fazia dependia de permiss�o ou de ordens do companheiro. Como se o relacionamento j� n�o fosse suficientemente abusivo, a rotina do casal inclu�a viol�ncia f�sica, verbal, moral, sexual e patrimonial. Os policiais encontraram uma v�tima extremamente traumatizada, que chorava o tempo todo e desenvolveu verdadeiro pavor do homem que a subjugava. Ap�s tomar conhecimento da situa��o, PMs da companhia compareceram � casa do casal como se tivessem recebido den�ncia an�nima de pessoas que a teriam ouvido gritando e pedindo ajuda. Questionado, o acusado disse: “Sempre deixei claro que ela pode seguir a vida dela, se quiser separar � tranquilo. Pode ir embora”. A mulher aproveitou a presen�a policial, juntou os poucos pertences que encheram uma sacola de supermercado e partiu. “Ele havia destru�do tudo dela”, resume um dos policiais.

 

» Abuso reproduzido

na vida das filhas

 

Depend�ncia financeira, abuso sexual infantil e viol�ncia naturalizada. Quando os policiais da companhia especializada chegaram at� a v�tima, constataram que o agressor era padrasto da filha mais velha da mulher, uma garota de 13 anos, e pai de duas crian�as g�meas de 3 anos. Na �poca, j� havia um boletim de ocorr�ncia por estupro de vulner�vel, contra a adolescente, e ind�cios de abusos contra as crian�as menores. Os policiais descobriram que a mulher j� havia solicitado medida protetiva, mas a cancelou e voltou a se relacionar com o agressor, com a justificativa de que ele a ajudava financeiramente. Era a primeira demonstra��o de que n�o seria f�cil ajud�-la. Depois que os militares intervieram, pedindo ajuda ao Conselho Tutelar e apoio para conseguir escola para as crian�as, ela se mudou sem deixar endere�o. Angustiados, os PMs tiveram de encerrar o caso. Souberam depois que as crian�as haviam sido abrigadas, mas j� n�o conseguiram localizar a v�tima ou o autor. “Ela n�o seguia nossas orienta��es”, diz um dos militares. O hist�rico da mulher indicava que ela tinha sofrido abuso quando crian�a. “A v�tima naturalizou a viol�ncia e transmitia isso para as filhas dela”, diz um integrante da companhia especializada. 

Agressores sob orienta��o 


Policiais da Companhia de Prevenção com Ana Luíza, que pediu ajuda: efetivo feminino e masculino para conscientização de homens e mulheres(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Policiais da Companhia de Preven��o com Ana Lu�za, que pediu ajuda: efetivo feminino e masculino para conscientiza��o de homens e mulheres (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

 

A Companhia Independente de Preven��o � Viol�ncia Dom�stica, da Pol�cia Militar de Minas,  � descendente do Servi�o de Preven��o � Viol�ncia Dom�stica, criado em 2010 no estado. Hoje, a unidade conta com 42 policiais militares, de ambos os sexos. “O efetivo � composto por policiais masculinos e femininos. Damos prioridade ao contato com as v�timas, por interven��o da policial feminina, e com o autor, pelo policial masculino”, diz a comandante, a major Cleide Barcelos dos Reis Rodrigues.

 

Isso porque, al�m de visita tranquilizadora �s mulheres v�timas de viol�ncia dom�stica, os militares fazem visitas ao agressor e passam a monitor�-lo. O ex-companheiro de Ana Lu�za Apol�nio Silva, de 19 anos, uma das mulheres acompanhadas pela companhia especializada da PM, recebeu a visita dos policiais. “H� v�rias rea��es por parte do agressor. Nesse caso, o autor se mostrou inicialmente  surpreso, por n�o esperar a visita da Pol�cia Militar e n�o saber da exist�ncia de servi�o que vai monitor�-lo, levando orienta��o e, ao mesmo tempo, fiscalizando a atitude dele”, diz a cabo Michele Gontijo Silva, que atua na companhia desde 2018. Se o homem porventura descumprir a medida protetiva, a pol�cia pode desde relatar o incidente ao Poder Judici�rio como at� prend�-lo.

 

Os casos acompanhados s�o escolhidos a partir da an�lise dos boletins de ocorr�ncia. “Analisamos os crit�rios de gravidade e reincid�ncia. Escolhemos os casos mais graves, em que houve o registro de mais de um boletim de ocorr�ncia”, informa a cabo Michele. O passo seguinte � encontrar a v�tima para oferecer o servi�o. “Fazemos visita a essas mulheres e apresentamos nosso trabalho, apresentamos a Lei Maria da Penha e todos os institutos protetivos que a legisla��o prev�, incluindo a medida protetiva.”

 

Casos de viol�ncia contra a mulher geralmente seguem um ciclo dif�cil de ser quebrado. “A mulher v�tima de viol�ncia n�o pode ficar calada. Tem que denunciar, tem usar o 190. As ferramentas existem. Estamos a� para auxiliar e ajudar na resolu��o dos problemas que est�o vivenciando”, afirma a cabo Michele Gontijo Silva.

 

A meta � sempre quebrar o ciclo de viol�ncia. “O nosso objetivo a partir dessa visita tranquilizadora � que n�o haja mais agress�es. Muitas mulheres s�o v�timas e nem sabem, por pensar que viol�ncia � apenas f�sica. Por meio da informa��o, conseguimos estabelecer o melhor encaminhamento para a v�tima”, diz a cabo Michele. A Pol�cia Militar atua em parceria com o Poder Judici�rio, Minist�rio P�blico, Defensoria P�blica e Casa Benvinda, que acolhe v�timas.

 

MONITORAMENTO O sargento Andr� C�sar Medeiros, que integra a companhia, � um dos que fazem a abordagem ao agressor. “Fazemos da maneira mais tranquila poss�vel, procurando orientar”, diz o policial, que tem forma��o em psicologia. A v�tima tem o direito de aceitar ou n�o o monitoramento, mas o agressor n�o tem escolha: � apenas notificado. “Avisamos que a ex ou atual companheira est� sendo acompanhada e que, a partir daquele momento, ele passa a ser monitorado”, conta.

 

Segundo os militares da unidade, os agressores costumam negar e at� tentam transferir a culpa para a v�tima, em uma tend�ncia de tentar desconstruir a realidade. No entanto, se n�o houver coopera��o e insistirem na viol�ncia, os acusados acabam presos.

 

Nesse trabalho, o sargento aconselha aos homens que agem de forma machista que se abram para novas ideias. “Vivemos numa sociedade patriarcal, num momento de desconstru��o mesmo do machismo. � ilus�o achar que estamos totalmente livres disso. O recado para todos os homens � que tentem se abrir para novas ideias e entender as mulheres como iguais.”

 

 


Entrevista 
'A viol�ncia est� em todas as classes'

(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Major Cleide Barcelos dos Reis Rodrigues

comandante da Companhia de Pol�cia Militar Independente de Preven��o � Viol�ncia Dom�stica

 

 

Qual o perfil das v�timas da viol�ncia dom�stica?

Muitos podem pensar que esse grupo � formado em sua maioria por mulheres da periferia ou que mulheres de regi�es nobres solicitam menos interven��o para esses casos. Mas, dentro do nosso universo de atendimento, verificamos que a viol�ncia dom�stica est� em todos os lares, em todas as classes sociais, em todas as ra�as. � mais um problema de forma��o, de educa��o, de rela��es humanas. Mas viol�ncia � viol�ncia, independentemente de ser contra mulheres negras, brancas ou ind�genas. Ato que n�o pode ser aceito em hip�tese alguma, com qualquer tipo de mulher.

 

A conversa com o agressor surte efeito, ou a abordagem precisa ser mais en�rgica, chegando � pris�o? 

N�o se pode falar sobre preven��o � viol�ncia dom�stica se n�o tratarmos com o agressor de forma repressiva, quando houver o cometimento de crime ou contraven��o, mas tamb�m de forma instrutiva, de fazer com que entenda o contexto de viol�ncia dom�stica em que est� inserido. Alguns simplesmente n�o percebem que o que est�o fazem � crime, seja por forma��o na fam�lia, seja pela personalidade. Mas o conhecimento � libertador. A partir do momento em que esse homem passa a compreender que o comportamento dele est� trazendo sofrimento, � uma oportunidade de mudar. N�o temos objetivo de separar o casal. Essa � uma decis�o deles. Mas a decis�o de mudan�a tamb�m cabe a ele. Se n�o mudar, vamos trazer todo o rigor da lei para que seja responsabilizado pelo que est� fazendo.

 

Como � essa abordagem? Requer um conhecimento especializado, um cuidado maior?

Os policiais militares t�m capacita��o especializada para fazer o atendimento e acolhimento �s v�timas de viol�ncia dom�stica. Eles t�m aula de abordagem psicol�gica, aula sobre a Lei Maria da Penha, diversas disciplinas que d�o esse suporte para que possam estabelecer essa rela��o de confian�a com a v�tima, para que possa ter a liberdade de falar o que ela est� vivenciando. 


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