
Da janela do quarto, a costureira Marly Batista avista primeiro uma roseira carregada de flores de um vermelho muito vivo; logo depois, v�m as alamandas debru�adas sobre a mureta e que, com o amarelo solar, imprimem um belo contraste � fachada da casa. Sem muito esfor�o, Marly pode ver o antigo pr�dio da esta��o abrigando o Museu de Artes e Of�cios (MAO) e o amplo espa�o da pra�a onde Belo Horizonte come�ou sua hist�ria. Dif�cil imaginar que a m�e de tr�s filhos tenha sossego, principalmente durante grandes shows, como ocorreu com a apresenta��o de Jorge Benjor, na quinta-feira, quando a capital completou 122 anos de inaugura��o. “Sabe que nunca fui ver um show a�? Escuto o som da janela e n�o me causa o menor problema. Na verdade, acho este lugar bem sossegado”, revela a vi�va, natural de Bocai�va, no Norte de Minas, em rela��o � Pra�a Rui Barbosa, que todo mundo conhece como Pra�a da Esta��o.
� esse lugar marcante da capital mineira o escolhido como tema da quarta reportagem da s�rie do Estado de Minas que, em comemora��o a mais um anivers�rio da capital, revela detalhes e personagens pouco conhecidos de alguns dos cart�es-postais de Belo Horizonte. Como a moradora, que tem como “quintal” um dos endere�os mais importantes para a hist�ria da cidade. Com seu jeito bem mineiro, Marly n�o esconde, em momento algum, a admira��o por Belo Horizonte e pela Pra�a da Esta��o, seu endere�o h� 34 anos. “Considero um espa�o maravilhoso!”, declara-se, perto do port�o do jardim, a poucos metros do espa�o p�blico, que tem como destaque a est�tua de bronze denominada Monumento � terra mineira. “S� tenho a agradecer a BH. Afinal, o que consegui na vida foi aqui”, resume.
Perto da casa, de localiza��o privilegiada, o expediente chega ao fim e � hora de o educador Leopoldo Maia, do Museu de Artes e Of�cios, pegar a bicicleta e voltar para casa, no Conjunto Habitacional IAPI, na Avenida Ant�nio Carlos. “Costumo vir a p� tamb�m”, conta o rapaz de 30 anos, protegido com capacete e roupa pr�pria para pedalar. Admirador dessa �rea do Centro de BH, Leopoldo tem uma palavra para definir a Pra�a da Esta��o: diversidade. “H� uma multiplicidade aqui, passa gente de todo lado. Outro dia, vi um grupo de evang�licos reunidos; em outro ponto, uma roda de capoeira; e mais adiante a galera do passinho”, conta o educador, que, para se divertir, curte os tradicionais duelos de MCs debaixo do Viaduto Santa Tereza, como o que come�ou ontem.
'ABALO S�SMICO'
Neste fim de semana, a pra�a sedia encontro nacional de MCs: “Temos aqui uma zona cultural importante para BH, um territ�rio que vai da Funarte (Casa do Conde, na Rua Janu�ria) ao Parque Municipal, passando pelo Viaduto Santa Tereza e Serraria Sousa Pinto”.Pioneiro da ocupa��o que transformou a Pra�a da Esta��o, no ver�o de 2010, em Praia da Esta��o, e, na sequ�ncia, a folia de BH em uma das mais animadas do pa�s, o m�sico e historiador Guto Borges joga mais luz sobre o assunto e recorda aquele ano como o que provocou “um pequeno abalo s�smico” nas estruturas urbanas, inaugurando uma “c�lula insubmissa” contra um decreto municipal sobre a ocupa��o (ou n�o ocupa��o) de espa�os p�blicos.
Quem viveu a �poca sabe que todas as tribos, jovens e pessoas ligadas � cultura se encontraram no local e fizeram uma festa hist�rica, colocando, com alegria, uma “pedra sapato do desenho muito rigoroso da cidade”. “A cidade n�o tem uma hist�ria �nica. A hist�ria de uma cidade comporta muitas hist�rias e, precisamos lembrar, h� muita gente que n�o se adapta aos limites rigorosos”, observa Guto. “Ent�o, temos o engenheiro (Aar�o Reis, chefe da comiss�o construtora de BH), a cidade mercantil, que sempre prezou pelo controle da experi�ncia social, pelos contornos que determinam o que vai ser a cidade.” Foi uma outra face que surgiu no ver�o de 2010 na Pra�a da Esta��o: a insubmiss�o.
PORTA DE ENTRADA
Diante do Museu de Artes e Of�cios – inaugurado em dezembro de 2005 pelo Instituto Cultural Fl�vio Gutierrez, presidido pela empres�ria �ngela Gutierrez, e, desde 2016, vinculado � Federa��o das Ind�strias do Estado de Minas Gerais, via Servi�o Social da Ind�stria (Sesi/Fiemg) – pode-se entender um pouco da hist�ria da Pra�a da Esta��o. Conforme especialistas, o espa�o foi a porta de entrada de toda a mat�ria-prima usada na constru��o de BH, cidade inaugurada em 12 de dezembro de 1897.O primeiro rel�gio p�blico da cidade foi instalado no alto da torre do primitivo pr�dio que abrigou a esta��o ferrovi�ria, substitu�do pelo atual, inaugurado em 11 de novembro de 1922, em estilo ecl�tico, seguindo projeto do arquiteto Luiz Olivieri. A pra�a come�ou a ser urbanizada em 1904, com jardins em estilo ingl�s e, desde o movimento das Diretas j� (entre 1983 e 1984, pelas elei��es presidenciais), se transformou em �rea livre para manifesta��es populares, grandes shows e comemora��es.
O vizinho Viaduto Santa Tereza tamb�m tem muita hist�ria, parte dela eternizada no livro O encontro marcado (1956), de Fernando Sabino (1923-2004). Nos tempos atuais, um espa�o iluminado por uma boa not�cia: os 37 postes com 74 lumin�rias em estilo republicano, ap�s longa restaura��o voltaram ao cart�o-postal da cidade.
Ent�o, para terminar, um pouco de hist�ria: o c�lebre Viaduto Santa Tereza foi projetado pelo engenheiro Em�lio Henrique Baumgart, um dos pioneiros nas constru��es com concreto armado no Brasil. Para ligar os bairros Floresta e Santa Tereza ao Centro de BH, a estrutura foi constru�da em 1929, tendo 390 metros de extens�o, 13m de largura e 14m de altura. Tombado pelo munic�pio na d�cada de 1990, integra o conjunto arquitet�nico da Pra�a da Esta��o.