Juquinha 'aprisionado': a pol�mica sobre a restri��o de acesso a �cone da Serra do Cip�
Est�tua do lend�rio habitante, popular pelas flores que oferecia a viajantes, foi cercada por donos do terreno. Turistas temem fechamento e prefeitura busca solu��o legal
postado em 29/12/2019 06:00 / atualizado em 29/12/2019 07:49
Santana do Riacho – O sorriso modesto e as m�os estendidas para oferecer flores aos que encontra s�o as marcas da est�tua que preserva o esp�rito do Juquinha das Flores, personagem mais conhecido da Serra do Cip�, regi�o em que o tr�fego de turistas cresce em �pocas como esta, de f�rias e recessos para as festas de fim de ano. Mas quem visita esse ponto tur�stico, no alto das montanhas �ngremes de Santana do Riacho, na Regi�o Central de Minas, se surpreende ao descobrir que agora o espa�o est� cercado por grades e port�es de metal. A possibilidade de o acesso ao local vir a ser restringido assusta visitantes que se acostumaram a enfrentar as curvas do caminho para tirar fotos ao lado do monumento.
Segundo a Prefeitura de Santana do Riacho o cercamento foi feito pelos propriet�rios do terreno onde fica a est�tua, mas eles concordaram informalmente em manter o caminho at� a obra livre para o tr�fego de turistas. Contudo, o port�o � sempre fechado � noite e em momentos espor�dicos, quando n�o fica ningu�m para vigiar a propriedade, confinando o Juquinha, antes livre para ser visitado a qualquer momento. Enquanto a preocupa��o com a poss�vel restri��o de acesso ao atrativo ganha f�lego, o monumento se degrada e sofre com vandalismo.
A est�tua do Juquinha sempre foi alvo de controv�rsias. Obra da artista pl�stica Virg�nia Ferreira, o monumento foi constru�do em 1982, por encomenda das prefeituras de Morro do Pilar e Concei��o do Mato Dentro. O local escolhido era a parada onde o personagem costumava ficar e distribuir flores aos viajantes. Hoje, o terreno � propriedade de familiares do Juquinha, mas fica dentro do territ�rio de Santana do Riacho. Ou seja, mesmo que queiram, as prefeituras de Morro do Pilar e de Concei��o do Mato Dentro n�o podem tombar a atra��o, ou torn�-la de utilidade p�blica, uma vez que n�o se encontra em seus dom�nios.
N�o h� impedimento legal para que os propriet�rios do terreno cerquem suas terras e enclausurem o Juquinha, mas, de acordo com a secret�ria de Turismo e Meio Ambiente de Santana do Riacho, Priscila Rios Martins, h� um acordo – n�o assinado – para que o acesso de turistas � est�tua seja preservado. “Temos um combinado com os propriet�rios para que os port�es sejam mantidos abertos, possibilitando que as pessoas visitem o Juquinha. Enquanto isso, negociamos uma forma de tombamento. Imaginamos que o ideal seria um tombamento estadual”, afirma a secret�ria.
A prefeitura e a Associa��o das Cidades Hist�ricas de Minas Gerais negociam com o Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico (Iepha) uma solu��o para o caso, que pode vir a ser o tombamento e uma declara��o, prevista em lei, para que parte do terreno se torne de utilidade p�blica, indenizando os atuais propriet�rios.
REA��O “Acho isso horr�vel. Uma situa��o muito triste, e que precisa ser resolvida”, reagiu a autora da obra, a artista pl�stica Virg�nia Ferreira. “A gente que mora em Concei��o do Mato Dentro costuma parar no Juquinha quando tem um sol bonito, quando o vale entre as montanhas fica claro. Fechar a est�tua dentro de uma grade � uma maldade com ele mesmo, que era t�o bonzinho”, disse a aposentada Cleide Maria dos Santos, de 63 anos.
Atualmente a est�tua n�o � tombada, mas est� listada no invent�rio de bens reconhecidos pelo munic�pio de Santana do Riacho. “Isso mostra que o munic�pio reconhece o valor da obra. Mas o tombamento � mais complexo, envolve levantamentos mais completos e resguarda o bem de forma mais ampla”, afirma a secret�ria Priscila Martins. H� informa��es n�o confirmadas de que os propriet�rios negociam as terras para a constru��o de uma pousada no alto da montanha, mas a prefeitura informou desconhecer tal projeto. A reportagem n�o conseguiu contato com representantes dos propriet�rios do terreno onde fica a est�tua do Juquinha.
Uma exist�ncia cercada de mitos
Uma lenda repetida a todos que passam pela est�tua do Juquinha para registrar uma foto ao lado do personagem reza que o homem era um ermit�o que vivia em cavernas e que colhia flores, distribuindo as belas sempre-vivas e flores-do-campo da Serra do Cip� a todos que encontrava, sempre com um sorriso contagiante. Mas quem conheceu o Juquinha em vida diz que muitas facetas dessa hist�ria n�o s�o exatamente como se conta.
Segundo a professora Maristela Ferreira, respons�vel pelo Eco Museu Fazenda do Cip�, Juquinha era realmente muito gentil e amado, mas n�o morava em cavernas. “Ele tinha uma casa e morava com parentes no terreno onde fica a est�tua. Eu o conheci quando era crian�a e realmente todos que subiam ou desciam a serra, no caminho entre Morro do Pilar e Concei��o do Mato Dentro, gostavam de parar para conversar com o Juquinha”, conta.
Segundo ela, motoristas de �nibus que circulavam no trecho paravam obrigatoriamente na terra onde Juquinha esperava com suas flores, caso contr�rio, os passageiros protestavam. “Quando ele entrava no �nibus, ia cumprimentando as pessoas uma a uma e pedindo b�n��o. Eu achava curioso, por que normalmente se pedia b�n��o aos mais velhos, e ele pedia a qualquer pessoa”, lembra.
O habitante das montanhas, no entanto, aprendeu tamb�m a vender as flores que colhia. “O Juquinha era ing�nuo, mas n�o era bobo. Quando asfaltaram parte da estrada, ele viu que os oper�rios usavam um cavalete para bloquear o tr�nsito e resolveu fazer um para ele. Com isso, as pessoas paravam no lugar em que ele vendia flores e s� iam embora depois que as mercadorias acabavam”, conta a professora.
Sob o peso dos anos
Enquanto as discuss�es n�o avan�am e as grades que cercam a est�tua trazem preocupa��o, a obra que homenageia o lend�rio personagem segue sendo atacada pelo passar dos anos e por v�ndalos. As costas da imagem de tr�s metros de altura exibem rabiscos de picha��es. No rosto, o olho direito e parte da face est�o escurecidos, como se tivessem sido maquiados. Nas pernas, nos ombros e bra�os, rachaduras se espalham e se aprofundam, muitas delas tendo sua progress�o ampliada pelo peso dos visitantes, que insistem em se empoleirar sobre a imagem. Parte do chap�u do personagem que viveu naquelas montanhas j� est� quebrada, expondo as ferragens que servem de arma��o da estrutura de concreto. O restauro da imagem tamb�m aguarda defini��o sobre seu tombamento.