
A cozinheira que trabalhava em um asilo, o jovem que havia acabado de tirar carteira de motorista, a adolescente que iria se formar, o pai que n�o conseguiu batizar a filha. Hist�rias e sonhos de fam�lia enterrados na lama. Depois de mais de 40 horas, foram encerradas na manh� deste domingo as buscas pelas sete v�timas soterradas no desabamento de casas na Vila Bernadete, no Barreiro, durante o temporal da �ltima sexta-feira.
Cinco corpos foram localizados pela manh� e dois haviam sido encontrados no s�bado, numa opera��o que usou t�cnicas semelhantes �s empregadas no rompimento da Barragem da Vale, em Brumadinho, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. As sete pessoas pertenciam a duas fam�lias.
O corpo do pequeno Jo�o Lucas, de 3 anos, foi o primeiro a ser localizado nos escombros neste domingo pelo Corpo de Bombeiros (Cobom), que pouco depois achou o pai dele, Thiago Rodrigo da Silva, de 26 anos, e a m�e, Kellen Santos Oliveira, de 25. Thiago retornou para casa para tentar salvar o filho, mas n�o conseguiu sair dos escombros, surpreendido por um outro deslizamento.
"O menino estava no quarto, n�o tinha como sair. Thiago voltou, mas n�o deu tempo", conta o tio dele, Carlos Roberto da Silva, de 55. A �nica a sobreviver na casa foi a pequena Maria Eduarda, de 7 anos, filha de Kellen. Ela ficou a salvo gra�as a Senhor do Conselho Gomes, de 57, pai de Thiago, que tirou a menina da sala da casa. A menina foi levada para o Hospital de Pronto-Socorro Jo�o XXIII.
A fam�lia morava em um barrac�o no fundo da casa de Senhor. O im�vel, tamb�m abalado pelo deslizamento de terra, resistiu � descida da lama e das casas que ficavam acima. Segundo o tenente-coronel Eduardo �ngelo, que acompanhou a reportagem na “zona quente” das buscas, todos os corpos foram encontrados pr�ximos a esse local, que serviu de barreira para os escombros.
No domingo, 28 bombeiros trabalhavam no resgate. A �rea era de alto risco porque uma casa amea�ava cair. O que se via era um rastro de destrui��o. Sof� dependurado, paredes destro�adas, roupas, sapatos, tudo destru�do pelo barro. Chamava aten��o a quantidade de fios el�tricos.
Nesse local, lavado pela lama, tamb�m foram resgatados os corpos da cozinheira Marlene do Carmo Silva, de 58 anos, e de sua filha Edv�nia Rodrigues Silva, de 17. Os outros dois filhos dela, Edmar Rodrigues Silva, de 25 anos, e Luiz Augusto Rodrigues Silva, de 19, foram encontrados no s�bado. A fam�lia de Marlene, que deixa outros tr�s filhos, � de Frei Gaspar, no Vale do Mucuri. Parentes acompanhavam as buscas.
V�tima tentou ligar para a Defesa Civil
Um dos filho de Marlene, Gilberto do Carmo Silva, de 41 anos, contou que a m�e estava assustada como terreno da vizinha cedendo e tentou ligar para a Defesa Civil. “Ningu�m veio”, disse.Ela era cozinheira de um asilo no Bairro Olhos D'�gua, na Regi�o Oeste, e morava com os tr�s filhos. Edv�nia estava fazendo curso de computa��o, Luiz tinha acabado de tirar carteira de motorista. Edmar tinha programado de marcar neste domingo o batizado do filho, de 2 anos.
Na noite da sexta-feira, dia de recorde hist�rico de �ndice de chuva, um barranco cedeu e soterrou pelo menos cinco casas, na Vila Bernadete. Tr�s casas ficaram completamente destru�das e outras duas parcialmente foram danificadas.
V�rios moradores da Vila Bernadete contaram que, assim como Marlene, tentaram ligar para a Defesa Civil desde a madrugada de sexta-feira, avisando sobre uma escava��o no quintal de uma casa que estava jorrando �gua e desmoronando. Somente a Pol�cia Militar (PM) foi ao local, �s 12h30 e aconselhou a sa�da. �s 21h, as casas desceram junto com o barranco.
As buscas por sobreviventes come�aram apenas na manh� de s�bado, quase 12 horas depois. Segundo os Bombeiros, o local oferecia risco �s equipes, por causa da chuva e dos choques da rede el�trica. Dois policiais militares ficaram presos nos escombros.
A popula��o ficou revoltada com a demora e neste domingo ainda cobrava respostas. “N�s fomos tentar resgatar e a PM barrou”, disse Warley Pablo, de 26, morador da Vila Bernadete. “Isso aqui daqui a pouco todo mundo esquece e depois acontece em outro lugar”, afirmou.
Defesa Civil priorizou outras ocorr�ncias
O prefeito Alexandre Kalil, que visitou o local na manh� de ontem, disse que o telefone da Defesa Civil estragou na tarde de sexta-feira, quando o �rg�o p�blico recebeu mais de 500 chamadas relacionadas � chuva, considerada a mais intensa j� registrada em BH no per�odo de 24 horas.O prefeito n�o soube precisar por quanto tempo o telefone da prefeitura ficou indispon�vel. A Defesa Civil informou que o local n�o era considerado �rea de risco e que soube da ocorr�ncia pela Regional Barreiro, mas que priorizou outros atendimentos.
Kalil classificou o epis�dio como um “desastre natural” e informou que a for�a-tarefa da chuva vai continuar por tempo indeterminado, at� a reconstru��o da cidade.
Vila n�o era �rea de risco
� a primeira vez que os moradores da Vila Bernadete assistem a uma trag�dia relacionada a deslizamentos. Situada numa �rea de encosta pr�xima ao Anel Rodovi�rio, no Barreiro, a vila foi urbanizada h� pouco mais de 10 anos, quando chegou o asfalto na regi�o.Em 2002, a �rea, que pertencia ao Bairro Bonsucesso, passou a ser considerada vila. Nascida e criada na comunidade, Vanessa Aparecida, de 43 anos, conta que o local era s� mato.
“Tinha uma �gua que corria no meio das casas. O pessoal foi construindo e essa �gua espalhou”, diz. Irm�o dela, Valdinei Alves, de 53, conta que a casa da fam�lia foi a primeira, erguida num terreno de propriedade de fam�lia tradicional de BH. “Os donos reviraram a terra para ningu�m construir, mas o pessoal foi chegando e depois virou um aglomerado”, lembra.