Moradores atingidos em Minas temem, al�m da chuva, os saques noturnos
Al�m de lidar com as perdas das inunda��es, moradores de cidades como Raul Soares convivem com temor de saqueadores, que t�m agido � noite para levar o que restou das resid�ncias
postado em 29/01/2020 04:00 / atualizado em 29/01/2020 08:21
Lanterneiro Carlos Tanz teve que improvisar uma moradia para a fam�lia na garagem onde funcionava sua oficina (foto: Ed�sio Ferreira/EM/D.A Press)
Raul Soares – Quando os far�is de caminh�es e tratores se apagam e o ru�do dos motores dos equipamentos que abrem caminho na lama se silenciam, o medo toma conta dos im�veis onde se abrigam os atingidos e desalojados pela cheia do Rio Matip�, em Raul Soares.
No escuro, as fam�lias sobreviventes de um dos munic�pios mais castigados pelas tempestades que afligem a Zona da Mata mineira perdem o sono por causa do rio que permanece cheio, das nuvens pesadas de chuva e dos rumores de que ladr�es est�o saqueando as moradias de 40 fam�lias que tiveram de deixar suas casas. Como v�rios postes ca�ram derrubados pela for�a das �guas, as noites s�o escuras e os ru�dos mais presentes s�o o das corredeiras do rio, dos c�es vadios e dos trov�es.
Jos� Teixeira e a fam�lia t�m passado as noites praticamente em branco. Lampi�o-lanterna � um aliado do casal (foto: Ed�sio Ferreira/EM/D.A Press )
Da janela da casa de uma vizinha que a acolheu, a aposentada Filomena Alves de Assis, de 61 anos, passa as noites em vig�lia observando a casa onde mora sozinha, no Bairro Bom Jesus, que foi arrasado pelas cheias entre sexta-feira e domingo. A casa n�o tem mais condi��es de ser habitada depois que um rio de lama a invadiu. “Como diz o outro: a nossa casa e a rua virou parte do rio. S� com barcos ou nadando � que se conseguia sair daqui e ajudar aos outros”, afirma. Dentro do im�vel ainda est�o os pertences da aposentada, muitos deles arruinados, mas que s�o tudo que ela tem. “Tenho medo de que algu�m entre na casa, porque a �gua estourou a porta e ela ficou s� encostada. Est�o dizendo que tem gente ruim entrando (nas casas atingidas) e roubando. Ent�o, eu fico vigiando e rezo para Deus ajudar”, disse.
Filomena mesmo, no entanto, admite que poucos pertences ter�o salvamento. “Ficou para tr�s o meu colch�o, uma por��o de coisas pegou mal cheiro. Tem de lavar, mas est� faltando �gua no bairro desde a enchente. Hoje (ontem), acabei de tirar a cama, o guarda-roupa e a c�moda para uma parte mais seca. Mas est� tudo ensopado ainda. Era muita �gua. Tava dando para passar de barco”, conta.
Mesmo a mais fina garoa e os reflexos de raios nas nuvens conseguem tirar o sossego das noites da fam�lia do vendedor Jos� Teixeira Frade, de 54. A casa dele fica na beira de um barranco onde a ponte que liga os dois extremos de Raul Soares foi levada pela �gua, assim como a casa do vizinho. “Esse barranco vai s� se abrindo com a for�a da �gua. Levou a ponte e a casa do meu vizinho num estouro s�. Tem tr�s noites que n�o durmo com medo de que o Rio Matip� engula tamb�m minha casa”, afirma o vendedor.
Na casa onde ele mora com a mulher, a manicure Hermelinda Teixeira Frade, de 49, e uma filha de 27 anos, os mantimentos ficaram empilhados sobre a mesa da cozinha, geladeira e fog�o sobre mesas e v�rios m�veis, como estantes, sof� e arm�rios acabaram sendo perdidos ao absorver a �gua enlameada. “Vimos a �gua chegando era umas 10h. Passou por cima da ponte e levou tudo depois de tr�s estouros. Tenho um p�nico da minha casa cair, mas n�o podemos sair porque tem gente entrando e levando as coisas da gente”, conta Hermelinda.
A manicure perdeu para a lama, inclusive, o sal�o onde fazia a unha das clientes e parte do material de pintura e assepcia. Tanta tens�o a levou para o hospital. “Passei mal demais na noite de domingo. Minha press�o foi a 20. Fiquei l� no hospital at� ser medicada e a press�o baixar. Mas j� est� alta de novo, mesmo com os rem�dios que a doutoura me receitou. Ela disse que � emocional, que preciso de ter descanso. Mas n�o d� para dormir. Fico escutando a for�a do rio batendo nos peda�os da ponte como se fosse as ondas de uma praia. � um terror saber que a sua casa pode ser levada pelo rio ou desabar”, desabafa.
Para n�o ter de deixar a casa com tudo o que t�m, o lanterneiro Carlos Jos� Tanz, de 38, e a m�e dele, Dalva L�cia Raspante Tanz, de 73, levaram o que conseguiram salvar para a garagem da frente da resid�ncia onde funcionava a oficina dele. Cama de casal, arm�rios, geladeira e sof�s constituiram uma nova casa improvisada completamente aberta para a rua. Assim, dormem praticamente expostos para a rua, sendo que muitos que passam at� param para assistir � programa��o que passa na sua televis�o. Uma forma de conseguir um pouco mais de privacidade foi estacionar o carro, um Fiat Palio, na porta para bloquear o m�ximo poss�vel da vis�o. “A gente preocupa muito quando come�a a chover. A casa n�o ficou comprometida, o rio subiu e desceu, mas deixou tudo coberto de lama. A gente n�o queria ir para a casa de outras pessoa e preferimos trazer tudo para a oficina”, disse o lanterneiro.
Moradores da regi�o perceberam o surgimento de peixes mortos depois das chuvas intensas dos �ltimos dias no estado (foto: Lelis Barreiros/Divulga��o)
Popula��o do Rio Doce se queixa de rejeito de min�rio da Samarco
Rio Doce – O alento que a reten��o de 10 milh�es de metros c�bicos de rejeitos de min�rio de ferro que a Barragem de Candonga trouxe para o Rio Doce vinha sendo comemorado desde 2015, ano em que a Barragem do Fund�o, da mineradora Samarco, se rompeu em Mariana. Contudo, as falhas que impediram que o reservat�rio tivesse esse rejeito dragado at� 2018 podem estar agora impactando por causa das chuvas intensas em �reas que nunca tiveram contato com o material, como Governador Valadares. A cidade do Leste do estado, de 245 mil habitantes, teve seu fornecimento de �gua suspenso quando o rejeito ingressou no Rio Doce, h� quatro anos. Agora que as chuvas revolveram o rio e o fizeram invadir v�rios bairros, deixando 15 mil desalojados, os rejeitos est�o sendo depositados nos terrenos e casas dos atingidos. A suspeita de v�rios �rg�os � que se trate de material que veio de Candonga e que j� deveria ter sido dragado em 2018 pela Funda��o Renova.
Por causa dos rejeitos, o Minist�rio P�blico de Minas Gerais determinou que a Funda��o Renova, respons�vel pela recupera��o do Rio Doce, forne�a informa��es, com urg�ncia, sobre a situa��o e tamb�m sobre o plano emergencial para per�odo chuvoso.
O presidente da Associa��o dos Pescadores de Conselheiro Pena e Regi�o, Lelis Barreiros, diz que a quantidade de rejeitos que tem descido do barramento operado pela Usina Hidrel�trica Risoleta Neves seria muito maior do que antes. “O rio j� morreu uma vez e est� morrendo de novo”, considera, acrescentando que as barreiras met�licas instaladas pela Funda��o Renova para reter o avan�o do rejeito n�o est�o sendo capazes de segurar o material no reservat�rio: “Esse sistema de tr�s barragens tinha de deixar a �gua passar por cima e o rejeito ficar. Mas a chuva est� t�o forte que est� saindo tudo arrebentando e voltando para o Rio Doce”.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Governador Valadares, Elias Souto, conta que sua casa na Ilha dos Ara�jos foi atingida, ficando encoberta por uma camada de 10 cent�metros de material escuro semelhante a rejeitos de min�rio de ferro. “Nas �ltimas quatro enchentes, o rio tinha outro tipo de lama. Agora, veio essa escura, com apar�ncia mesmo de rejeitos como os de Mariana e de Brumadinho. Estamos sendo atingidos novamente e de forma pior, pois esses materiais n�o tinham entrado em contato conosco. Quando secar, teremos poeira de rejeitos contaminando a cidade. Sem falar na vida aqu�tica que vai ser novamente prejudicada se se tratar mesmo de rejeitos”, disse.
O bi�logo Matteus Carvalho alerta que � preciso medir a quantidade de rejeitos que se movimentou em Candonga para saber o tamanho do preju�zo, uma vez que os 10 milh�es de metros c�bicos que est�o no lago correspondem ao mesmo volume liberado pela trag�dia de Brumadinho: “Essa movimenta��o dos rejeitos piora a qualidade dela. Por outro lado, por causa do volume das chuvas, pode ter havido uma dilui��o dos contaminantes (quando comparado com a situa��o original), o que n�o significa que as �guas estejam pr�prias para o consumo ou que podem passar por tratamentos convencionais. Teriam que ser feitos testes para avaliar isso”.
Segundo o Matteus Carvalho, uma pergunta de dif�cil resposta e que demandaria an�lise de especialistas � se as enchentes foram maiores por causa do rejeito de Fund�o assoreando os rios:“De toda forma, � um cen�rio cont�nuo de degrada��o, amplificado pelo desastre ocorrido h� mais de quatro anos”.
AVALIA��O DA SEMAD De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel (Semad), n�o foi feita a avalia��o da movimenta��o dos rejeitos sedimentados no reservat�rio da Usina Hidrel�trica Risoleta Neves. O �rg�o vai levantar, junto � Funda��o Renova, respons�vel pela recupera��o do curso d'�gua, a quantidade de rejeitos mobilizados com as chuvas. “Ap�s o diagn�stico, ser�o tra�adas as a��es necess�rias � recupera��o dos poss�veis danos e ao controle dos impactos na fonte geradora”, diz a nota.
A Semad afirma ser “prematuro” considerar que a fonte da turbidez do rio foi o dep�sito de rejeitos. “Em per�odos chuvosos, o aumento da turbidez da �gua e da quantidade de s�lidos em suspens�o � comum nos rios da Bacia do Rio Doce”, diz, destacando que se a contamina��o do rio pelo rejeitos depositados na hidrel�trica forem confirmados, haver� a responsabiliza��o da Funda��o Renova. Nesse caso, n�o h� responsabilidade do Cons�rcio Candonga ou da UHE Risoleta Neves, conforme a secretaria.
A Semad ainda informou que o processo de licenciamento ambiental para a retirada dos sedimentos est� em curso e a previs�o � que o desassoreamento do reservat�rio comece em 1º de junho, mas que a��es emergenciais para estabilizar os rejeitos foram realizadas. A Funda��o Renova n�o deu resposta ao Estado de Minas at� a publica��o desta reportagem. O EM entrou em contato com a Usina, sem sucesso.