Desde que a prefeitura suspendeu a coleta seletiva em virtude do risco de contamina��o por coronav�rus, os v�rios catadores de material recicl�vel em Belo Horizonte vivem em situa��o de risco duplo. Al�m da perda de renda, v�rios abriram m�o de seguir a cartilha das autoridades e seguem trabalhando normalmente em meio ao perigo de contrair a doen�a. Na �ltima segunda-feira (23), a Superintend�ncia de Limpeza Urbana (SLU) anunciou que havia interrompido a coleta seletiva para evitar o manuseio de res�duos durante a triagem do material reciclado nos galp�es das cooperativas e garantir seguran�a aos trabalhadores. A medida afetou os 309 que trabalham em cooperativas. Em Belo Horizonte, a prefeitura atua em parceria com seis associa��es que fazem a sele��o de todo o material recolhido na cidade – Asmare, Associrecicle, Coomarp Pampulha, Coopemar Oeste, Coopesol Leste, Coopersoli Barreiro. Cada uma recebe, em m�dia, R$ 27,8 mil mensais pela presta��o de servi�o de coleta seletiva ao munic�pio.
Os cerca de 3 mil catadores aut�nomos tamb�m ficaram prejudicados. H� tr�s anos na profiss�o, John Carlos de Jesus, de 33 anos, afirma que seu rendimento vem caindo muito depois do fechamento dos dep�sitos, por causa do decreto municipal assinado pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD): “Essa medida acabou comigo. O meu carrinho est� cheio e n�o tenho para quem vender, j� que todos aderiram � paralisa��o. E eu dependo muito desse trabalho para fazer as despesas de casa. Tem muita gente que vive desse servi�o. � preciso buscar uma solu��o r�pida”.
Preju�zo
Com a interrup��o de parte da atividade da ind�stria de reciclagem no pa�s, o valor dos materiais recicl�veis diminuiu muito. A latinha de alum�nio, por exemplo, que podia ser vendida por R$ 3,50 o quilo na capital, � comprada por apenas R$ 0,40 no centro de Belo Horizonte. Al�m de conviver com o risco de contamina��o dos materiais, os trabalhadores n�o t�m nenhuma perspectiva de renda durante esse per�odo.
Mesmo com o risco do coronav�rus, John Carlos n�o parou de trabalhar, seguindo todos os dias na busca por papeis, latinhas e garrafas de vidro que podem ser vendidos aos dep�sitos. “Aqueles que compram ferro nos pagam bem, mas todos pararam de trabalhar. Os compradores de papel antes nos pagavam R$ 0,50 por quilo, mas agora querem dar apenas R$ 0,10. Isso � muito ruim para n�s”, afirma o catador.
Em Belo Horizonte e em toda Minas Gerais, 80% dos que reciclam o material vindo da coleta seletiva s�o aut�nomos, n�o pertencendo a nenhuma associa��o ou cooperativa que aderiu � norma de paralisa��o do servi�o. Eles seguem em atividade no dia a dia, mesmo admitindo certo medo de contrair o COVID-19: “Mesmo a gente correndo o risco a gente tem essa necessidade, n�o tem outra fonte de renda pra n�s. Se n�o tivermos apoio do governo municipal e estadual, morremos de fome ou do v�rus. Para nossa sobreviv�ncia, estamos trabalhando”, admite uma catadora de uma cooperativa, que n�o quis se identificar.
Pol�ticas
Em rela��o �s pol�ticas p�blicas de amparo ao catador de recl�veis, existe o pagamento do Bolsa Reciclagem pelo Governo Estadual, programa de incentivo econ�mico �s organiza��es de catadores a partir da produ��o de cada cooperativa. Segundo o N�cleo Alter-Nativas de Produ��o, da Escola de Engenharia da UFMG, o montante atrasado do programa � de 4,4 milh�es, que poderiam beneficiar at� 1.500 catadores no estado. O grupo de pesquisa afirma que, caso esses valores fossem imediatamente repassados, os catadoras poderiam interromper suas atividades por algumas semanas.
Em nota enviada ao Estado de Minas, a secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel (Semad) refor�a que retomou o pagamento do Bolsa Reciclagem no ano passado: "Sobre o pagamento do Programa Bolsa Reciclagem, a atual gest�o da Secretaria Estadual de Meio Ambiente informa que, a partir da cria��o da Subsecretaria de Gest�o Ambiental e Saneamento, em 2019, o �rg�o ambiental retomou os pagamentos do programa. A retomada ocorreu em dezembro de 2019 para valores que se encontravam em atraso desde 2017. Foram quitadas parcelas referentes ao �ltimo trimestre de 2017 e aos dois primeiros de 2018, o que totalizou um repasse de R$ 1.778.048,04 e apoio a 80 associa��es e 1600 catadores".
A Semad afirma que far� o poss�vel para reduzir as perdas dos catadores. Cientes da import�ncia do trabalho que as Associa��es de Catadores de Materiais Recicl�veis prestam ao meio ambiente e � sociedade, a Semad n�o est� medindo esfor�os para garantir recursos e continuar com os pagamentos do Bolsa Reciclagem, visando garantir apoio para a amenizar as perdas que as Associa��es de Catadores de Materiais Recicl�veis v�m sofrendo neste per�odo da pandemia", diz a pasta.
Em Belo Horizonte, a prefeitura paralisou o pagamento dos contratos �s cooperativas no per�odo de suspens�o do servi�o de coleta seletiva.
O pesquisador da UFMG e doutorando em Engenharia de Produ��o, Marcelo Souza, acredita que � necess�rio um aux�lio para que os catadores possam sobreviver no per�odo de pandemia: “� uma situa��o delicada. H� o risco de contamina��o, que se d� pelo ar. O v�rus tem sobrevida de at� cinco dias na superf�cie de materiais recicl�veis, segundo estudos recentes. � medida que os catadores manuseiam esse material, a possibilidade de contamina��o � ainda maior. O que tem sido recomendado para o curto prazo � que a coleta seletiva seja suspensa, mas haja um aux�lio emergencial para essas pessoas, que dependem do trabalho. Para o m�dio e longo prazo, pensamos que a atividade deva ser retomada, mas precedida de toda uma discuss�o t�cnica sobre essa pr�pria atividade e seus riscos nessa transi��o.”
Ac�mulo
Uma das cooperativas que tem parceria com a prefeitura para manusear o material recicl�vel � a Coopesol Leste. A presidente e fundadora Vilma Estevam entende que, nesse in�cio de pandemia do coronav�rus, os catadores n�o v�o sentir o efeito negativo, j� que h� ainda 15 toneladas de material acumulado desde o ano passado a ser trabalhado: “Por enquanto, n�o vemos esse preju�zo. A cooperativa tinha material acumulado nos galp�es, desde dezembro, com aumento significativo no carnaval. Quando terminarmos de trabalhar esse material, talvez haja queda no servi�o. O pre�o dos recicl�veis j� est� caindo, o que � ruim para todos”. A cooperativa trabalha em escala reduzida, afastando os trabalhadores que se encaixam no grupo de risco do COVID-19.
Em nota, a SLU alega que os catadores t�m o suporte dos restaurantes populares de Belo Horizonte nesse momento de crise econ�mica: “As coletas seletivas porta a porta e ponto a ponto (Pontos Verdes) foram interrompidas na segunda-feira, 23/03, principalmente, para evitar o manuseio dos res�duos durante a triagem do material recicl�vel nos galp�es das cooperativas. Essa medida impacta os catadores de materiais recicl�veis que fazem parte das seis associa��es e cooperativas de catadores de materiais recicl�veis, integrantes do F�rum Municipal Lixo e Cidadania de Belo Horizonte. Os catadores vistos nas ruas provavelmente s�o os trabalhadores avulsos, que n�o fazem parte das cooperativas. Lembramos, ainda, que os restaurantes populares est�o abertos diariamente e funcionam tamb�m como ponto de apoio para os trabalhadores”.