
A hist�ria pode ser mais c�clica do que gostar�amos, especialmente quando o tema � pandemia. Durante a crise provocada pela gripe espanhola na Belo Horizonte de 1918, o propriet�rio de uma rede de cinemas anunciou que resistiria � recomenda��o de isolamento, propondo levantar "o �nimo abatido do povo flagelado e dar-lhe confortante espairecimento”. O Cine Avenida ficava na Avenida Afonso Pena, onde hoje funcionam lojas. Nesta manh� de quarta-feira (8/4/2020), um dos com�rcios do t�rreo estava de portas abertas, sem barreiras que impedissem a entrada dos clientes.
novo decreto vai impedir que estabelecimentos n�o essenciais estejam abertos a partir de 9/4. Por enquanto, a recomenda��o para o com�rcio era de atender da porta para fora, com barreiras na entrada – a proibi��o total valia, conforme o primeiro decreto de enfrentamento municipal ao coronav�rus, para estabelecimentos como casas de shows, cinemas, academias e bares.
O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), avisou na tarde desta quarta: Dentre v�rias lojas de portas fechadas no Centro da cidade, o Estado de Minas encontrou nesta manh� a sapataria Via Ricco aberta – ela funciona no pr�dio da Associa��o Comercial de Minas, constru�do no mesmo endere�o na Avenida Afonso Pena que abrigou o antigo Cine Avenida antes da demoli��o.
O propriet�rio da loja de cal�ados e artigos esportivos, Otac�lio Assis Ferreira, contou que manteve as portas fechadas por 15 dias, mas que estava abrindo nesta semana, em hor�rio reduzido. Diminuiu tamb�m a escala de funcion�rios – presentes apenas ele e a esposa na loja, com a funcion�ria de f�rias. E assegurou que, com o movimento fraco, n�o deixava que entrasse mais de uma pessoa por vez no local.
No passado...
"O empres�rio da rede de cinemas sofreu v�rias cr�ticas e desistiu de abrir ao p�blico, em 1918", conta a historiadora Anny Jackeline Torres Silveira, professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Ela narra a hist�ria no livro "A influenza espanhola e a cidade planejada – Belo Horizonte, 1918", lan�ado em 2007, que deve ganhar nova vers�o em e-book.
Esta nega��o do problema faz parte da maneira como as pessoas tendem a reagir diante de um mal invis�vel – e isso � comum a diferentes epidemias, em diversos per�odos da hist�ria, de acordo com Anny. A resist�ncia do empres�rio da Gomes Nogueira ocorreu no auge da pandemia em Belo Horizonte, em novembro. Entre outubro e dezembro de 1918, aproximadamente 2 mil pessoas foram infectadas na jovem capital de 50 mil habitantes.
E o empres�rio da Gomes Nogueira foi aos jornais anunciar que reabriria algumas de suas salas. Entre as justificativas, a opini�o de que a influenza n�o tinha se alastrado em Belo Horizonte com a mesma for�a do que ocorrera no Rio de Janeiro e, assim, medidas radicais como o fechamento de casas de divers�o ou estabelecimentos de ensino n�o faziam sentido.
O jornal Di�rio de Minas se op�s � atitude do empres�rio. Publicou que BH n�o repetiu os horrores da capital federal porque cumpriu as determina��es da Diretoria de Higiene. E sugeriu que os cinemas da empresa Gomes Nogueira seguissem fechados, o que seria “um testemunho bem alto de que se acha identificada com o interesse coletivo, ao qual n�o superp�e o interesse individual".
Por fim, o empres�rio cedeu �s orienta��es das autoridades e � opini�o p�blica, adiando a reabertura das salas. "Para al�m de todas as justificativas apresentadas pela Empresa Gomes Nogueira, esse epis�dio coloca em evid�ncia um dos problemas acarretados pelo impacto das experi�ncias epid�micas e das disposi��es ordenadas pelas autoridades para fazer frente � sua amea�a: o confronto entre a liberdade individual e o interesse p�blico", escreve a historiadora.