Brumadinho – Debaixo da forte chuva sobre o Bairro C�rrego do Feij�o, em Brumadinho, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, a dona de casa Maria Gon�alves Braga, de 82 anos, se abriga sob a sombrinha, � espera de uma carona. Quer retornar a Casa Branca, outro bairro do munic�pio, a 13 quil�metros, mas, desde que a pandemia do novo coronav�rus imp�s restri��es ao conv�vio social, n�o h� mais acesso ao transporte p�blico. O risco representado pela pandemia � a terceira onda de sofrimento que surpreende o povoado da Grande BH. Primeiro, foi a trag�dia do rompimento da Barragem B1, da Mina C�rrego do Feij�o, operada pela mineradora Vale. Depois, a contagem dos mortos e a sofrida opera��o resgate das v�timas, 270 no total, 11 ainda desaparecidas.
Agora, chegaram as dificuldades da quarentena, que, se s�o incomparavelmente menores, agravam os transtornos das duas primeiras. Depois de uma hora esperando, j� molhada e com insistente tosse rouca, dona Maria viu parar um micro-�nibus de transporte de trabalhadores. Contudo, o ve�culo n�o seguia para o destino da idosa. “� uma maldade o que est�o fazendo com o povo daqui. Est�o esquecidos. Queria ajudar, mas vou para outro lado”, disse o motorista S�rgio Pinto, de 45 anos.
Resignada, Maria Gon�alves segue esperando uma carona, enquanto diz n�o ter medo da doen�a causada pelo novo coronav�rus. “Preciso � ir para casa. N�o tenho medo de nada, n�o. Se nem a barragem me pegou... Aqui, a gente est� abandonada. Mas j� estou mais para l� do que para c�... Estou � na hora de morrer, j�”, desabafou, em um misto de resigna��o e cansa�o.
Ap�s um ano do desastre, a situa��o do C�rrego do Feij�o j� n�o permitia prever a retomada da vida normal. Muita gente atormentada pela avalanche de rejeitos tinha deixado a comunidade; outros haviam se retra�do do conv�vio social. Gente que passou a se apoiar em medicamentos para ansiedade e depress�o, que tiveram seu uso ampliado em 79% e 56%, respectivamente, como mostrou com exclusividade reportagem do Estado de Minas em janeiro.
O �xodo imediatamente se refletiu no fechamento de pontos de com�rcio. Em um n�vel tamanho que, hoje, os portais de arma��o met�lica que a Prefeitura de Brumadinho instalou nos acessos ao C�rrego do Feij�o com o aviso “Fique em casa” – para proteger as pessoas da dissemina��o da infec��o viral – soam como alertas in�teis. N�o porque haja desrespeito sistem�tico, como se v� em outros lugares, mas porque n�o sobrou quase ningu�m para ler.
Os pequenos armaz�ns, bares e farm�cia que abasteciam os habitantes praticamente desapareceram. Mesmo os comerciantes que resistiram �s vacas magras ap�s o rompimento, n�o suportaram o golpe da quarentena imposta pelo novo coronav�rus. At� as estruturas de apoio comunit�rio, como a Casa Rosa, que prestava aux�lio assistencial e ensinava of�cios, tamb�m se viram afetadas e obrigadas a fechar as portas. As pra�as onde poucas pessoas ainda se encontravam para um dedo de prosa sobre a vida, o andamento das a��es trabalhistas e indeniza��es tornaram-se desertas.

SOLID�O
Sozinhos, os que ficaram relatam a ang�stia de se sentirem abandonados e sem saber qual ser� seu futuro. “O com�rcio fechou todo. Agora, mantimentos e medicamentos, tudo se precisa comprar no Centro de Brumadinho (a 12 quil�metros). S� que n�o v�m mais �nibus. Nem da prefeitura e nem da Vale, por causa da doen�a. T�xi para ir e voltar custa R$ 70. Um absurdo. Com isso, minha filha fica sem os rem�dios de bronquite e o posto de sa�de s� funciona com agendamento”, reclama a ajudante de servi�os gerais Claudineia Carvalho Oliveira, de 36 anos.Com a trag�dia, Claudineia perdeu um sobrinho, se separou do marido e hoje faz uso de medicamentos e se trata com psic�logos. “A gente s� vive com rem�dio psiqui�trico, sen�o, n�o cria vontade nem de sair de casa. N�o dorme. N�o vive mais”, lamenta.
Uma outra mulher, que pede para n�o ser identificada por ter medo de perder seu emprego, disse ter acabado de ter as f�rias antecipadas pela Vale em uma das a��es sociais, e n�o sabe o que vai fazer. “Se todos daqui forem embora, meu emprego vai acabar. J� est� dif�cil, porque moro de aluguel e o dono da casa est� vendendo o im�vel para a Vale. Um aluguel em Brumadinho, de casa simples, aumentou demais. Est� em R$ 600 ou mais”, afirma a funcion�ria.
‘Se forem embora, vamos ter de fechar’
Em um dia de semana normal, o �nico ponto de com�rcio que foi encontrado em funcionamento pela equipe do EM foi o restaurante ao lado do Centro Comunit�rio. A clientela ali se resume a 40 funcion�rios de uma empresa que presta servi�os para a Vale e que podem ir embora assim que o contrato terminar ou for suspenso. Os donos do estabelecimento, que s�o idosos e t�m doen�as cr�nicas, est�o recolhidos por causa da COVID-19, restando aos filhos preparar as refei��es em um fog�o a lenha e manter o atendimento.
“Cheg�vamos a servir 180 pessoas antes do rompimento. Fomos a zero depois que as buscas ficaram s� com os bombeiros e as pessoas foram indo embora. Sobrou pra gente alimentar os funcion�rios dessa firma. Se forem embora, pelo jeito, vamos ter de fechar as portas”, lamenta Gleice Cristina Monteiro, de 41, que est� tocando o neg�cio. Com a COVID-19, seu trabalho ficou ainda mais dif�cil. “Tudo do que precisamos, temos de ir a Brumadinho buscar. E a maioria dos supermercados limita as compras. S� pode tr�s garrafas de �leo, tr�s sacos de arroz... Tudo est� mais caro para n�s”, lamenta.
Durante os esfor�os pelo resgate de pessoas atingidas pela avalanche de mais de 9 milh�es de metros c�bicos de rejeitos que desceram ap�s o rompimento da Barragem B1 da Mina C�rrego do Feij�o, o povoado de mesmo nome tinha movimenta��o intensa. Equipes de socorristas, policiais, bombeiros, volunt�rios, funcion�rios da Vale, moradores e parentes de pessoas desaparecidas congestionavam as apertadas vias desde o dia 25 de janeiro de 2019.
Mas o tempo passou. As buscas localizaram quase todos os mortos, restando ainda recuperar 11 corpos. Quando se instalou a amea�a da COVID-19, at� as opera��es de busca dos bombeiros foram interrompidas. O ambiente, antes movimentado, agora se encontra desolado. Dif�cil definir qual o cen�rio pior.
Monitorados
Na Unidade B�sica de Sa�de de C�rrego do Feij�o, o atendimento � agendado por telefone para que n�o ocorram aglomera��es de pacientes na pequena recep��o, onde cabem n�o mais que cinco pessoas. Pacientes isolados – eram dois na semana passada – eram telemonitorados para sintomas que podiam ser da COVID-19. “A vacina��o est� sendo escalonada pelas ruas onde cada um mora. Mas temos aqui oferta para todos, os funcion�rios t�m m�scaras, luva, �lcool em gel para trabalhar. Nesse ponto est� tudo bem”, disse a enfermeira Fernanda Rodrigues.
A pequena Igreja de Nossa Senhora das Dores, que serviu de posto de comando e ainda tem uma placa de agradecimento aos bombeiros que trabalharam na opera��o, agora est� fechada. O campo de futebol que sediou um pouco do lazer da comunidade e chegou a receber pousos e decolagens de at� 13 helic�pteros em num s� dia tamb�m est� vazio. No meio dele restou esquecida uma ca�amba cheia de placas de grama antiga e lixo. Atr�s da igreja, o pasto amplo que recebeu tendas da Pol�cia Civil para funcionar com posto avan�ado do Instituto M�dico-Legal (IML) e estacionamento de viaturas tamb�m mudou. Agora, se transformou em matagal alto e fechado.
O destino de alguns dos corpos de moradores do C�rrego do Feij�o mortos pelo desastre foi o pequeno cemit�rio Recanto da Saudade. Nem o espa�o de �ltima homenagem a essas v�timas escapou da atual onda de abandono. L� o mato tamb�m cresce alto, contido apenas pela muralha r�stica de pedras, encobrindo de esquecimento as l�pides com os nomes dos filhos da terra. Uma das que ainda se podem ler exibe mensagem que lembra a ef�mera condi��o humana: “Eu fui quem tu �s. Tu ser�s quem eu sou”.
Prefeitura cobra a volta do transporte
A Prefeitura de Brumadinho informou que a Vale foi notificada a retomar o funcionamento do transporte p�blico que fornecia ao C�rrego do Feij�o e regi�o. “A prefeitura est� estudando entregar cestas b�sicas para as fam�lias que t�m crian�as matriculadas na rede municipal de ensino. Essa iniciativa foi levada ao Minist�rio P�blico e, enquanto agrada a resposta, a prefeitura tem estudado a melhor forma de fazer uma eventual compra e cota��o de pre�os. Contudo, � importante destacar que, por meio das secretarias de Desenvolvimento Social e Sa�de, mantemos programas espec�ficos para o C�rrego do Feij�o o para o Parque da Cachoeira”, informa a administra��o, em nota, citando outra comunidade atingida pelo desastre.
Apesar de os moradores da comunidade sentirem o fechamento do com�rcio como um golpe que pode ser fulminante, a prefeitura informa que est� seguindo as orienta��es estaduais e que a medida � “dura, mas importante neste momento de transmiss�o do coronav�rus”.
A Vale informou que em virtude da pandemia, os atendimentos presenciais com a comunidade de C�rrego do Feij�o foram interrompidos, atendendo �s recomenda��es das autoridades. “Os atendimentos seguem sendo realizados, de forma remota – por telefone ou on-line – e, sempre que necess�rio, tamb�m fisicamente, como na eventualidade de tr�nsito entre regi�es ou de atendimentos m�dicos. Todas as semanas a situa��o � reavaliada”, informou.
Com rela��o � aquisi��o de itens de primeira necessidade, a empresa sustenta que “fornece uma cesta b�sica mensal, al�m do pagamento de um aux�lio emergencial (um sal�rio m�nimo por adulto, meio por adolescente e um quarto para cada crian�a) para as fam�lias, todos os meses”.
SOLID�O
Sozinhos, os que ficaram relatam a ang�stia de se sentirem abandonados e sem saber qual ser� seu futuro. “O com�rcio fechou todo. Agora, mantimentos e medicamentos, tudo se precisa comprar no Centro de Brumadinho (a 12 quil�metros). S� que n�o v�m mais �nibus. Nem da prefeitura e nem da Vale, por causa da doen�a. T�xi para ir e voltar custa R$ 70. Um absurdo. Com isso, minha filha fica sem os rem�dios de bronquite e o posto de sa�de s� funciona com agendamento”, reclama a ajudante de servi�os gerais Claudineia Carvalho Oliveira, de 36 anos.Com a trag�dia, Claudineia perdeu um sobrinho, se separou do marido e hoje faz uso de medicamentos e se trata com psic�logos. “A gente s� vive com rem�dio psiqui�trico, sen�o, n�o cria vontade nem de sair de casa. N�o dorme. N�o vive mais”, lamenta.
Uma outra mulher, que pede para n�o ser identificada por ter medo de perder seu emprego, disse ter acabado de ter as f�rias antecipadas pela Vale em uma das a��es sociais, e n�o sabe o que vai fazer. “Se todos daqui forem embora, meu emprego vai acabar. J� est� dif�cil, porque moro de aluguel e o dono da casa est� vendendo o im�vel para a Vale. Um aluguel em Brumadinho, de casa simples, aumentou demais. Est� em R$ 600 ou mais”, afirma a funcion�ria.
‘Se forem embora, vamos ter de fechar’
Em um dia de semana normal, o �nico ponto de com�rcio que foi encontrado em funcionamento pela equipe do EM foi o restaurante ao lado do Centro Comunit�rio. A clientela ali se resume a 40 funcion�rios de uma empresa que presta servi�os para a Vale e que podem ir embora assim que o contrato terminar ou for suspenso. Os donos do estabelecimento, que s�o idosos e t�m doen�as cr�nicas, est�o recolhidos por causa da COVID-19, restando aos filhos preparar as refei��es em um fog�o a lenha e manter o atendimento.
“Cheg�vamos a servir 180 pessoas antes do rompimento. Fomos a zero depois que as buscas ficaram s� com os bombeiros e as pessoas foram indo embora. Sobrou pra gente alimentar os funcion�rios dessa firma. Se forem embora, pelo jeito, vamos ter de fechar as portas”, lamenta Gleice Cristina Monteiro, de 41, que est� tocando o neg�cio. Com a COVID-19, seu trabalho ficou ainda mais dif�cil. “Tudo do que precisamos, temos de ir a Brumadinho buscar. E a maioria dos supermercados limita as compras. S� pode tr�s garrafas de �leo, tr�s sacos de arroz... Tudo est� mais caro para n�s”, lamenta.
Durante os esfor�os pelo resgate de pessoas atingidas pela avalanche de mais de 9 milh�es de metros c�bicos de rejeitos que desceram ap�s o rompimento da Barragem B1 da Mina C�rrego do Feij�o, o povoado de mesmo nome tinha movimenta��o intensa. Equipes de socorristas, policiais, bombeiros, volunt�rios, funcion�rios da Vale, moradores e parentes de pessoas desaparecidas congestionavam as apertadas vias desde o dia 25 de janeiro de 2019.
Mas o tempo passou. As buscas localizaram quase todos os mortos, restando ainda recuperar 11 corpos. Quando se instalou a amea�a da COVID-19, at� as opera��es de busca dos bombeiros foram interrompidas. O ambiente, antes movimentado, agora se encontra desolado. Dif�cil definir qual o cen�rio pior.
A pequena Igreja de Nossa Senhora das Dores, que serviu de posto de comando e ainda tem uma placa de agradecimento aos bombeiros que trabalharam na opera��o, agora est� fechada. O campo de futebol que sediou um pouco do lazer da comunidade e chegou a receber pousos e decolagens de at� 13 helic�pteros em num s� dia tamb�m est� vazio. No meio dele restou esquecida uma ca�amba cheia de placas de grama antiga e lixo. Atr�s da igreja, o pasto amplo que recebeu tendas da Pol�cia Civil para funcionar com posto avan�ado do Instituto M�dico-Legal (IML) e estacionamento de viaturas tamb�m mudou. Agora, se transformou em matagal alto e fechado.
O destino de alguns dos corpos de moradores do C�rrego do Feij�o mortos pelo desastre foi o pequeno cemit�rio Recanto da Saudade. Nem o espa�o de �ltima homenagem a essas v�timas escapou da atual onda de abandono. L� o mato tamb�m cresce alto, contido apenas pela muralha r�stica de pedras, encobrindo de esquecimento as l�pides com os nomes dos filhos da terra. Uma das que ainda se podem ler exibe mensagem que lembra a ef�mera condi��o humana: “Eu fui quem tu �s. Tu ser�s quem eu sou”.
