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Estado de Minas Isolamento

COVID-19: crian�as e adolecentes � merc� da viol�ncia dom�stica

Confinamento provocado pela pandemia de novo coronav�rus contribui para o aumento das estat�sticas de agress�o dentro de casa


08/05/2020 04:00 - atualizado 08/05/2020 09:05

(foto: Arquivo Pessoal)
(foto: Arquivo Pessoal)

"Crian�as e os adolescentes s�o, muitas vezes, vistos pelos adultos violentos como suas 'propriedades', as quais poder�o ser utilizadas como quiserem, inclusive como 'saco de pancada'"

Hugo Monteiro Ferreira, escritor e professor da UFRP

Longe dos olhos dos defensores (aqueles que os t�m!), fr�geis, inocentes, indefesos e dependentes, as crian�as e adolescentes fazem parte de um grupo dos que sofrem ainda mais com a viol�ncia dom�stica diante da quarentena e do isolamento social impostos pela pandemia do novo coronav�rus. Mulheres e idosos tamb�m enfrentam o mesmo horror. � preciso estar sens�vel a todos; no entanto, os menores em forma��o s�o acometidos de maneira cruel, al�m do sofrimento e da dor. Eles t�m a autoestima abalada e o desenvolvimento afetado diante da impunidade e da exposi��o a agress�es prolongadas praticadas justamente por seus respons�veis e cuidadores.

 

Hugo Monteiro Ferreira, professor do Departamento de Educa��o da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRP), coordenador do N�cleo do Cuidado Humano da mesma institui��o, l�der do grupo de estudos transdisciplinares da inf�ncia e da juventude e tamb�m escritor – � autor do livro Gera��o do quarto: quando crian�as e adolescentes nos ensinam a amar – , alerta que “as crian�as e os adolescentes, ao longo de sua hist�ria, s�o v�timas de viol�ncia ou simb�lica ou psicol�gica ou f�sica, basta que analisemos a emerg�ncia social dessas pessoas. � uma gente que n�o sabe, de modo geral, se proteger e, desprotegida, fica � merc� dos desmandos dos adultos. Durante o isolamento social, a situa��o de viol�ncia se agrava muito, porque as crian�as e os adolescentes s�o, muitas vezes, vistos pelos adultos violentos como suas 'propriedades', as quais poder�o ser utilizadas como quiserem, inclusive como 'saco de pancada', 'pessoa na qual descarrego a minha raiva'.”

 

Para o professor, o isolamento social tem evidenciado e aumentado essa natureza de viol�ncia porque � como se, dentro de casa, longe dos olhos de todos, sem o contato di�rio com a escola, os meninos e as meninas n�o tivessem ningu�m por eles. “Sempre que h� cat�strofes, as crian�as e os adolescentes s�o as v�timas mais atingidas, porque s�o vistas como 'vulner�veis', que n�o 'saber�o se proteger'. Entre 2014 e 2016, na epidemia do v�rus ebola, o Unicef apresentou relat�rio que evidenciava o aumento grave de viol�ncia infradom�stica contra meninos e, mais expressivamente, contra meninas. Com a pandemia da COVID-19, estamos vendo a necessidade de refor�ar o sistema de garantia de seus direitos e que n�o permitamos a intensifica��o da vulnerabiliza��o dessas pessoas.”

 

Hugo enfatiza que, al�m de a��es individuais, � fundamental que o Estado cumpra sua obriga��o, prevista na Constitui��o Federal de 1988 e no Estatuto da Crian�a e do Adolescente (1990), protegendo crian�as e adolescentes: “� preciso que o Estado tenha em seus programas de enfrentamento � pandemia a��es efetivas de prote��o e que deixe expl�cito para os violentadores (as) que os menores n�o est�o sozinhos e que quem os violentar sofrer� as san��es previstas na legisla��o”.

 

O professor afirma ser muito dif�cil que as crian�as, sozinhas, se protejam da viol�ncia adulta: “De modo geral, n�o conseguem e se sentem, inclusive, culpadas pela viol�ncia que sofrem. A viol�ncia infradom�stica vem do adulto que, em tese, deveria proteg�-la, ent�o a crian�a pensa 'se ele faz isso comigo, � porque devo ter feito alguma coisa errada'. � uma viol�ncia covarde. A depender da situa��o, crian�as maiores, sobremaneira adolescentes, podem denunciar seus agressores para um adulto que demonstre cuidado verdadeiro para com eles. Nesses casos, � importante que os orientem para que pe�am ajuda a algu�m mais pr�ximo (av�s, tios, vizinhos)”.

 

Hugo conta que no Canal Futura h� uma s�rie, da qual foi consultor, chamada Que corpo � esse?. A narrativa ajuda meninos e meninas a protegerem seu corpo diante da viol�ncia sexual, por exemplo, e de outras formas de viol�ncia.

 

A recomenda��o � que, ao perceberem numa dada casa crian�as e/ou adolescentes sendo v�timas de viol�ncia, vizinhos denunciem por meio do n�mero 100, da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) do governo federal, e que tem por finalidade receber den�ncias relativas a viol�ncia sexual contra crian�as e adolescentes. “� importante que a den�ncia seja feita sem p�r ainda mais em risco a vida das v�timas. A den�ncia pode ser an�nima. Al�m disso, � poss�vel ligar para uma Delegacia de Prote��o � Crian�a e Adolescente (DPCA) do seu munic�pio ou estado. De modo mais direto, acionar o Conselho Estadual da Crian�a e do Adolescente (CEDCA) do estado e pedir ajuda.  � muito importante que essas a��es sejam r�pidas e afetivas.”

 

Ele refor�a que o Estado pode at� intervir na fam�lia, para que essa prote��o ocorra: “As autoridades e as institui��es t�m papel central. � preciso que os governos, como quer a Organiza��o Mundial da Sa�de  (OMS) e o Unicef, apresentem a��es de prote��o, evitando ainda mais o agravamento da vulnerabilidade infanto-adolescente. Se a viol�ncia for constatada, o sistema de garantia de direitos pode, inclusive, interferir na guarda e no p�trio poder, ou seja, cuidadores violentos podem perder a guarda de crian�as e adolescentes molestados de alguma ma- neira. � fundamental que os conselhos tutelares e de direito, cumprindo as fun��es que lhes competem, sejam acionados e atuem garantindo que a viol�ncia seja imediatamente interditada”.

 

 

EM CASA E NA ESCOLA No �mbito interno da fam�lia, diz o professor, � fundamental deixar evidente que viol�ncias contra crian�as e adolescentes n�o ser�o toleradas em qualquer n�vel. “Se um membro de uma fam�lia tem suspeitas, deve investigar, ouvir, chegar perto, fazer os adultos violentadores entenderem que eles n�o est�o livres para agir como quiserem, que eles est�o vigiados. Se, para al�m das suspeitas, algu�m da fam�lia tem certeza de que a viol�ncia ocorre, n�o deve pensar duas vezes e proceder � den�ncia imediatamente. N�o se pode 'negociar'.”

 

Hugo Monteiro Ferreira concorda que a escola tem papel essencial: “A aus�ncia da rotina escolar � um dos elementos que contribuem para o aumento no �ndice de viol�ncia. Se um professor sabe que h� hist�rico de viol�ncia, pode agir em �mbito institucional, comunicando o fato � dire��o da escola, � Secretaria de Educa��o, deixando evidente para as fam�lias que a escola continuar� cumprindo suas fun��es sociais. � relevante que as escolas, p�blicas ou privadas, n�o se distanciem das crian�as e dos adolescentes durante o isolamento social. Professores, orientados pelas institui��es, podem ligar, mandar mensagens, falar com os respons�veis, demonstrar que est�o atentos. Se for necess�rio, pedir a interven��o dos �rg�os competentes”.

 

Ele prev� que toda viol�ncia sistem�tica contra crian�as e adolescentes causar� traumas e as consequ�ncias psicol�gicas ser�o vistas p�s-pandemia

 

“� poss�vel que tenham adoecimento emocional, desenvolvendo comportamentos autodestrutivos ou mesmo transtornos psicopatol�gicos. O 'medo patol�gico' e todas as suas consequ�ncias devem ser demonstrados durante a pandemia. Experi�ncias violentas na vida de crian�as e adolescentes causam s�rios problemas tanto em n�vel f�sico quanto mental. Se n�o agirmos de modo efetivo, certamente, p�s-pandemia, teremos quadros sociais, no que tange ao adoecimento emocional e mental, ainda mais assustadores do que aqueles que j� sinalizei com a pesquisa Gera��o do Quarto”.

 

 

Dados assustadores 

 

  • No Brasil, todos os dias, s�o notificados, em m�dia, 233 agress�es de diferentes tipos (f�sica, psicol�gica e tortura) contra crian�as e adolescentes de at� 19 anos. Boa parte tem como autores pessoas do c�rculo familiar e de conviv�ncia das v�timas.
  • Ao analisar a s�rie hist�rica, de 2009 a 2017 (dados mais recentes), o volume de agress�es chega a 471.178 registros.
  • Entre 2009 e 2014 (�ltimo ano com informa��es dispon�veis), houve 35.855 encaminhamentos para hospitaliza��o e 3.296 �bitos. Como geradores, registros de viol�ncias f�sica e psicol�gica ou de tortura.
  • Pelos dados, est�o em situa��o de maior risco as faixas et�rias de 10 a 14 anos (20.773 ocorr�ncias em 2017) e de 15 a 19 anos (44.203 notifica��es). Total de 66.976 casos – em 2009, tais segmentos somaram 9.309.
  • Em 2017, o Unicef informou que cerca de 300 milh�es de crian�as, de 2 a 4 anos, em todo mundo, s�o diariamente submetidas a maus-tratos por cuidadores adultos.

 

 

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) 

 

(foto: Arquivo Pessoal)
(foto: Arquivo Pessoal)
 

Palavra de especialista

Ana Maria Costa da Silva Lopes, 

presidente do Departamento do Comportamento e Desenvolvimento da Sociedade Mineira de Pediatria

 

Viol�ncia vira uma v�lvula de escape

“A viol�ncia dom�stica ocorre por causa da dificuldade da estrutura familiar. Diante da quarentena, prevejo uma situa��o em cascata. O pai, em grande n�mero com trabalho informal, perde o emprego, a renda e sofre pelo que chamamos de viol�ncia estrutural do sistema socioecon�mico em que est� inserido. O que vai repercutir no �mbito familiar. A viol�ncia vira uma v�lvula de escape, infelizmente, ainda pouco questionada pela sociedade porque existe a rela��o de poder. Al�m disso, com o aumento do n�mero de fam�lias mononucleares, a incid�ncia da viol�ncia contra a crian�a e o adolescente pode ser maior. Se h� parceiro, um pode vigiar o outro, intervir. Com a mudan�a de din�mica social, a impossibilidade da mobilidade urbana, o adolescente, que antes escapava do ambiente de casa para o aconchego dos amigos ou outros familiares confrontado com a agress�o, hoje n�o tem para onde ir. E se pensarmos nos menos favorecidos, no confinamento em espa�os pequenos, al�m da viol�ncia j� citada, ainda h� risco de acidentes dom�sticos, tamb�m graves. Os vizinhos podem construir uma rede de solidariedade. Se perceberem uma situa��o de choro e de gritos, � importante alertar, lembrando da possibilidade de fazer uma den�ncia sob anonimato, seja na Pol�cia Militar (190) ou no Dique Den�ncia (181). A den�ncia � importante porque pode interferir numa situa��o de viol�ncia e mudar um destino, que pode vir a ter um fim tr�gico.” 

 

 

Saiba mais
� lei

O Brasil, entre 60 pa�ses segundo o Fundo das Na��es Unidas (Unicef), tem uma legisla��o que pro�be o castigo f�sico. A Lei da Palmada (Lei nº 13.010/2014), tamb�m conhecida como Lei Menino Bernardo, foi aprovada em 2014. Apenas 9% das crian�as com menos de 5 anos em todo o mundo vivem nesses pa�ses, o que deixa outros 607 milh�es sem prote��o legal contra esse tipo de viol�ncia. 


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