
Os baixos �ndices de doentes e mortos pela COVID-19 em Minas Gerais s�o defasados pelo grande volume de diagn�sticos pendentes. Por meio da compila��o de bases de dados oficiais, a reportagem do Estado de Minas identificou que o volume de resultados “a confirmar” em Minas � dos maiores do Brasil, fato endossado por especialistas e que engrossa a subnotifica��o de registros de contamina��o e morte pelo novo coronav�rus (Sars-Cov-2), bem como os descartados. Pelas informa��es transmitidas pela Secretaria de Estado de Sa�de (SES-MG) ao Minist�rio da Sa�de (MS), Minas seria o quarto estado com menos mortes proporcionais � popula��o e um dos que menos doentes apresenta. Mas, quando esse n�mero � confrontado pelo ritmo de diagn�sticos de casos pendentes, a confian�a estat�stica e o desempenho estadual despencam.
Um dos mais importantes quadros de interna��o provocada pela COVID-19 � o da s�ndrome respirat�ria aguda grave (SRAG), quando h� comprometimento da respira��o. Mas s� com exames � poss�vel comprovar que a causa da s�ndrome seja o novo coronav�rus. Quando se observa o n�mero de mortes por SRAG fornecido pelo MS, Minas Gerais tem a 18ª pior taxa de confirma��o para COVID-19, com 29% de exames pendentes no �ltimo levantamento do MS, de 4 de maio. Ou seja, 1/3 (65) dos quadros de mortos pela SRAG (225) est� sem diagn�stico e pode ter sido causado pela COVID-19. Esse �ndice � o dobro do Distrito Federal (12,5%), pior do que estados com maior n�mero de casos comprovados, como S�o Paulo (17,9%) ou Amazonas (8,4%), e semelhante ao do Rio de Janeiro (28,6%).
Para o presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estev�o Urbano Silva, al�m da defasagem de confirma��es mostrada pela reportagem e da patente falta de exames – que praticamente se restringem aos casos cr�ticos, mas com demora –, h� tamb�m testes que precisam ser refeitos por ter sido realizados de forma equivocada. “Acredito que muitos dos casos ainda sem diagn�stico ocorram devido a exames que n�o s�o feitos como indicado e d�o negativos. O PCR (exame de laborat�rio que usa enzimas para detectar a presen�a do v�rus no paciente) � eficiente no in�cio da infec��o. J� o exame de sorologia pesquisa pelos anticorpos ativados pelo v�rus e � mais adequado tardiamente. Quando se pedem exames em momentos distintos do indicado, o resultado � negativo, mas falso”, afirma o infectologista.
INDEFINI��O
Quando se observam os casos de pacientes internados com SRAG, essa indefini��o se mostra ainda maior em todas as unidades da Federa��o. Minas Gerais � o 17º pior, com 45,5% (quase a metade) dos quadros da s�ndrome ainda n�o definidos para a COVID-19 ou outro mal. A melhor raz�o de elucida��es � a do Distrito Federal, com 29% de doentes a serem confirmados, seguida do Amazonas, com 31,2%. O volume � semelhante ao de S�o Paulo (49%) e melhor que do Rio de Janeiro (57,3%). Uma distor��o importante a ser observada � que nas unidades da Federa��o onde praticamente n�o h� doentes ou mortos, os exames tendem a demorar mais do que naqueles onde a transmiss�o � comunit�ria. Exemplo disso � o Acre, que n�o registra mortos e tem 94,1% dos doentes com SRAG ainda sem diagn�stico.
No caso dos �bitos gerais por COVID-19, a taxa mineira pelo MS � de 0,39 mortos por 100 mil habitantes, colocando MG na 24ª posi��o entre os estados com mais v�timas proporcionais � sua popula��o. Esse n�mero se amplia 2,3 vezes, chegando a 0,91 falecimentos quando observadas as certid�es emitidas pelos necrot�rios e que s�o enviadas para o Registro Civil. O estado informa que muitos desses mortos receberam registros que precisam de confirma��o por exames. Mas essa comprova��o se prova t�o lenta que, comparando as notifica��es nacionais pelo mesmo servi�o, o desempenho mineiro se reduz pela metade, posicionando MG como o 13º entre as unidades federativas com mais v�timas proporcionais da COVID-19.
Os estados que mais mortos registraram n�o variaram, com as primeiras posi��es das duas bases de dados contendo Pernambuco, Cear�, S�o Paulo, Amazonas e Rio de Janeiro, este �ltimo o pior levando-se em conta a propor��o po- pulacional. O Distrito Federal, com taxa de 0,98 mortos por 100 mil habitantes pelo MS, cai da 15ª posi��o com mais mortes para a oitava, segundo a taxa do Registro Civil, de 1,9 �bito (quase duas vezes a diferen�a).
O comparativo traz tamb�m um retrato da situa��o cr�tica de estados como o Amazonas, que chega a ter mais mortes do novo coronav�rus j� confirmadas pelo MS (10,1 por 100 mil habitantes) do que registros nos cart�rios (9,17). Um ind�cio de ritmo veloz e volume t�o preocupante de v�timas que chegou a provocar estrangulamento do setor de notas. O mesmo ocorre em Pernambuco, com taxa de 5,87 �bitos por 100 mil habitantes pelo MS e 3,62 do Registro Civil.
Falta de diagn�stico � maior no interior
A grande defasagem de dados e demora nos exames pode estar ocorrendo sobretudo no interior do estado de Minas Gerais. Segundo a Funda��o Ezequiel Dias (Funed), que � baseada em Belo Horizonte, a capacidade de processamento da unidade � de 700 exames por dia, chegando a 2 mil caso sejam considerados os laborat�rios parceiros. Contudo, a funda��o refor�a que “o prazo para realiza��o dos exames � de at� 72 horas, dependendo da prioridade do caso. Importante ressaltar, por fim, que nem todos os casos suspeitos e �bitos t�m amostras coletadas ou mesmo s�o encaminhadas � Funed”. Com isso, boa parte dos diagn�sticos a confirmar podem estar retidos no interior do estado.
A Secretaria Municipal de Sa�de de Belo Horizonte (SMSA) nega que haja subnotifica��o de casos graves e �bitos na capital mineira. “Com rela��o a �bitos, n�o acredito que haja desfasagem num patamar relevante. Belo Horizonte tem uma equipe de trabalho exclusiva no sistema de monitoramento de mortalidade. Essa equipe faz buscas di�rias e investiga se o �bito ocorreu e teria alguma rela��o com a COVID-19, como insufici�ncia respirat�ria, e procede encaminhando imediatamente para os exames. Em todo o nosso sistema temos protocolos importantes. At� o Samu, caso atenda e at� se ocorrer caso de �bito, pode fazer uma coleta para levar para o laborat�rio da Funed para diagn�stico”, afirma o subsecret�rio de Promo��o e Vigil�ncia � Sa�de, Fabiano Pimenta.
O secret�rio de estado de Sa�de de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, j� comparou em entrevistas coletivas a progress�o de casos mineiros ao ritmo da Coreia do Sul e apontou pontos que negariam uma subnotifica��o relevante. “Se tiv�ssemos uma quantidade de doentes e mortos muito acima, esse reflexo estaria sendo sentido na escassez de leitos e �bitos. Toda vez que se identifica um paciente com a SRAG, essa precisa ser notificada no sistema de gripe. Acompanhamos todos esses casos e vemos qual a evolu��o, se foram feitos exames e se foram mantidas as suspeitas diagn�sticas para a COVID-19”, afirma o secret�rio.
A SES-MG informou que "verificou-se aumento de interna��es em decorr�ncia de SRAG, no comparativo com anos anteriores. Este aumento n�o pode ser justificado apenas pela circula��o do v�rus da gripe, o que leva � possibilidade de maior volume de interna��es por decorr�ncia da COVID-19. Por outro lado, essa hip�tese n�o pode ser analisada de forma isolada. O aumento do n�mero de casos pode estar relacionado � maior sensibilidade dos profissionais que realizam o diagn�stico cl�nico e posteriormente fazem o lan�amento dos casos no sistema". A SES-MG afirma que a classifica��o por associa��o ao Sars-CoV-2 s� pode ser atribu�da por meio de evid�ncia laboratorial ou por evid�ncia cl�nico-epidemiol�gica e descarta subnotifica��o relevante ao afirmar que "todos os casos graves de SRAG, que tiverem indica��es cl�nicas e epidemiol�gicas para coronav�rus, ser�o testados para COVID-19".
O secret�rio reafirmou que o trabalho precisa ser mantido com rigidez. “Temos uma preocupa��o muito maior que a dos senhores (especialistas) de notificar. Cada dia refinamos mais os dados, damos uma lupa e avaliamos com mais clareza. Muitas dessas notifica��es n�o correspondem � da COVID-19. Podem ter tido v�cio de origem e precisam ser acompanhadas. N�o estamos relaxados, estamos preocupados e atentos.”
Cart�rios registram 11,3% a mais de �bitos
A COVID-19 costuma evoluir para quadros respirat�rios graves, que, muitas vezes, levam o paciente � morte. Por essa raz�o, chama a aten��o o aumento no n�mero de registros de �bitos dos cart�rios brasileiros por causas respirat�rias. Os especialistas alertam que muitas dessas mortes podem n�o ter sido diagnosticadas corretamente e ter sido causadas pelo novo coronav�rus. No Brasil, o n�mero de mortes por causas respirat�rias aumentou conforme registros cartoriais. De acordo com a Central de Informa��es do Registro Civil (CRC Nacional), foram 64.666 mortes por causas respirat�rias, incluindo a COVID-19, em 2020, contra 58.100 em 2019, aumento de 6.566 mortes, o que corresponde a 11,3% de acr�scimo.
Para o infectologista Carlos Starling, n�o d� para afirmar quantas das mortes por outras causas respirat�rias podem ser de v�timas da COVID-19 e, ao mesmo tempo, n�o d� para afastar que muitas dessas pessoas possam ter morrido pela doen�a. Para ele, esses n�meros t�m que ser analisados com cautela. “Houve aumento sim e pode ser por causa da COVID-19 e, muito provavelmente, foi, � o que h� de diferente em rela��o ao ano passado”, conclui.
Em 2020, a SRAG foi a causa de morte de 3.565 brasileiros, a pneumonia matou 33.508, insufici�ncia respirat�ria foi a causa morte de 16.610 e a COVID-19 de 10.983 brasileiros. Em 2019, os n�meros foram: SRAG (258), pneumonia (39.872) insufici�ncia respirat�ria (17.970).
O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Est�v�o Urbano, lembra que muitas mortes, no per�odo analisado, podem ser atribu�das a diversas causas respirat�rias, por n�o haver precis�o no diagn�stico. “Quando voc� n�o tem um diagn�stico etiol�gico, o exame do laborat�rio eventualmente n�o fecha, fica s� a suspeita e coloca-se a morte como por SRAG ou pneumonia. Isso tem acontecido no Brasil inteiro. Acredito que, por essa raz�o, os casos oficiais de COVID-19 estejam abaixo do real de morte”, diz Est�v�o.
Carlos Starling afirma que, para analisar o aumento no n�mero de mortes por doen�as respirat�rios, � importante ter em conta que, nos primeiros meses da chegada do novo coronav�rus ao Brasil, havia uma inexist�ncia de testes r�pidos e de PCR. “Nos dois primeiros meses, era muita dificuldade para obter o diagn�stico. Muitos quadros eram notificados como SRAG”, afirma. O especialista lembra que, antes de ter uma subnotifica��o de mortes por COVID-19, h� um subdiagn�stico. “Uma falta de confirma��o de diagn�stico por dificuldades t�cnicas, inexist�ncia de m�todos diagn�sticos e insumos”, pontua.
Em Minas, o n�mero de hospitaliza��es por SRAG teve aumento de 546% na 18ª semana epidemiol�gica de 2020 em compara��o com o mesmo per�odo de 2019. De acordo com o boletim da Secretaria de Estado da Sa�de (SES) divulgado ontem, foram 703 interna��es.
O secret�rio de Estado de Sa�de, Carlos Eduardo Amaral, em entrevista coletiva no dia 7, afirmou que o aumento no n�mero de hospitaliza��es por SRAG, no estado, teve o pico na 12ª e 13ª semanas. Ele afirma, por�m, que nem todos os casos est�o associados � COVID-19. Segundo o secret�rio, esse acr�scimo se deu � maior sensibilidade para notificar os casos, mas que isso n�o representou sobrecarga para o sistema de sa�de. O secret�rio afirmou ainda que os registros de interna��es por SRAG v�m caindo no estado. No entanto, de acordo com dados Central de Informa��es do Registro Civil (CRC Nacional) de 1º de mar�o a 9 de maio, foram 125 mortes por SRAG em Minas. Em 2019, foram 34.
