
Na �rea central, os motoboys, que passam acelerando suas motocicletas pelas ruas vazias, est�o todos encapotados. Na semana passada vestiam camisetas, mas neste domingo nenhum deles se arriscou. Nos bairros ribeirinhos, a sensa��o de frio � ainda maior por causa do vento que sopra do Rio Doce.

Na Avenida Rio Doce, no Bairro S�o Paulo, Manoel Messias Azevedo, que mora do outro lado do rio, esperava a balsa para fazer a travessia. Ele e o filho sa�ram para um passeio de bicicleta. A balsa vazia, atracada na margem esquerda, estava sem o comandante. Mas onde estaria o balseiro? 'Ah, eu acho que ele foi embora por causa desse frio', disse Azevedo, que trabalha em um frigor�fico no Bairro Elvamar. Mesmo acostumado ao frio do local de trabalho, ele disse que o domingo, ali na beira do rio, “estava uma friaca”.
Se para Azevedo, que estava de passagem pela margem do rio, estava frio, para Rog�rio Avelino dos Santos, que mora debaixo da ponte de S�o Raimundo, estava gelado. “T� um gelo aqui. De madrugada foi pior. Congelamos”, disse. Santos e oito companheiros da casa improvisada debaixo do v�o da ponte s�o moradores de um abrigo localizado no Bairro Jardim Alice. Disse que foram expulsos de l� por causa de confus�o. “Teve briga l� e fomos expulsos.”

Nascido em Governador Valadares, Santos disse que seus pais morreram h� anos. Seus dois irm�os foram para Belo Horizonte e a ele s� restou a rua. Contou que chegou a ser beneficiado por um programa de empregos da prefeitura, por meio de um trabalho da Secretaria Municipal de Assist�ncia Social. “Consegui emprego no setor de obras, mas l� as pessoas me olhavam atravessado, porque eu vim das ruas. Eu me senti discriminado e sa� de l�. Mas aqui est� melhor, at� engordei”, disse, em meio a uma gargalhada.
Na tarde de domingo, por volta das 13h, ele fazia algo inimagin�vel para quem mora em Governador Valadares. Estava esquentando �gua em uma lata. N�o era pra fazer comida. Era para tomar banho. “Tem um banheirinho ali atr�s, daqui a pouco vou l�." Ele disse que n�o se descuida da higiene, apesar de acreditar estar imune � doen�a. "Coronav�rus n�o pega em n�s, n�o. � ruim, hein?", brincou.
Atravessando a ponte

A ponte de S�o Raimundo, na BR 116, teto da popula��o em situa��o de rua, liga grande parte da cidade � regi�o da Ibituruna, onde est� um conjunto de bairros chamados de “Niter�i”, por estar do outro lado da ponte. Nesses bairros, no sop� da montanha, o frio tamb�m est� mudando h�bitos e dando uma contribui��o gigantesca ao isolamento social desses tempos de pandemia do novo coronav�rus.
Na Avenida Ibituruna, no Bairro Vila Isa, que d� acesso � estrada pavimentada que circunda as encostas, sobe e desce morros at� chegar ao pico, o frio expulsou a turma da cerveja gelada, que aos domingos ocupa os bancos e o gramado do canteiro central. N�o havia ningu�m. L� em cima, no Ibituruna, Cristina Sobreira, da Pousada da Serra, ligou o aquecedor. “� noite, o frio aqui foi de doer os ossos. Eu liguei o aquecedor e fiquei encapotada.” A pousada de Cristina est� no meio das nuvens. Na �rea pr�xima � pousada, h� quem use casaco para a neve, que por ser imperme�vel, esquenta o corpo e n�o molha os agasalhos de l�.
E vai esfriar ainda mais. O fot�grafo Ailton Cat�o, adepto do voo livre, consulta a previs�o pelo site windguru, usado pelos pilotos de parapente e asa delta para saber sobre as condi��es atmosf�ricas ideais para a pr�tica desse esporte. “Esse site recolhe informa��es de quatro fontes, organiza as tabelas e permite ao usu�rio um acesso �s temperaturas, considerando as especificidades de sua regi�o”, explicou. Resumindo: as tabelas mostram que Governador Valadares pode ter frio de 10°C na madrugada de ter�a-feira. Isso significa que, no pico do Ibituruna, a 1.123 metros de altitude, os moradores e h�spedes das pousadas v�o ter os 'ossos trincados' pelos 4°C previstos.
Em baixo, na plan�cie onde est� a maior parte dos valadarenses, o frio virou assunto nas redes sociais. Os memes est�o pipocando e divertindo a todos. At� memes desgastados, como o de um cachorro agasalhado, filosofando que “aqui t� t�o frio que at� o Djavan n�o encontrou um bom lugar para ler um livro”, arranca gargalhadas. Muitos afirmam que est�o “rindo de nervoso”, afinal, n�o � todo dia que Governador Valadares despenca de 40°C para 4°C.
