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Estado de Minas LESTE DE MINAS

Wat� N�k: �ndios Krenak garantem direito sobre a pr�pria l�ngua; entenda

Reconhecimento obrigou funda��o a mudar nome de projeto, j� que o idioma � uma esp�cie de 'propriedade cultural' da etnia


13/09/2020 06:00 - atualizado 13/09/2020 08:39

Shirley diz que os Krenak são os falantes da língua originária e detentores dos direitos sobre ela(foto: Divulgação Instituto Shirley Djukurnã krenak)
Shirley diz que os Krenak s�o os falantes da l�ngua origin�ria e detentores dos direitos sobre ela (foto: Divulga��o Instituto Shirley Djukurn� krenak)
Um projeto das funda��es Geraldo Perlingeiro Abreu (FGPA) e Renova, denominado “Ra�zes e Asas do Uat� N�k” causou mal no povo Krenak, de Resplendor, MG, no Leste de Minas. Os Krenak ficaram furiosos com a utiliza��o de palavras de sua l�ngua no nome do projeto, sem que as funda��es tivessem solicitado deles autoriza��o para uso.

“Uat� N�k”, na l�ngua Krenak, significa Rio Doce. Mas o problema n�o era apenas esse. O professor Itamar Krenak, que leciona na escola da aldeia Resplendor, protestou contra a forma com as palavras foram grafadas. “Est� errado, o correto � Wat� N�k”, disse. Para encerrar a pol�mica, as duas funda��es proponentes trocaram o nome do projeto para “Ra�zes e Asas do Rio Doce”.

Logo que o projeto foi divulgado no Leste de Minas, o clima esquentou na aldeia Krenak. O guerreiro Douglas Krenak apimentou a pol�mica, e disse que havia algo mais que a grafia incorreta das palavras. “Al�m disso, o Rio Doce, para n�s, hoje, � um rio amargo”, disse, atribuindo o amargor � destrui��o do rio causada pela lama de rejeitos de min�rios que desceu o rio, vinda de Mariana, MG, em 2015, no “acidente-crime ambiental” como o seu povo faz quest�o de denominar o rompimento da barragem de Mariana.

Pol�micas � parte, o projeto da FGPA e Renova possui relev�ncia social. Prev� a mobiliza��o e o engajamento de jovens com idade entre 15 e 29 anos, para a elabora��o e execu��o de outros projetos que promovam mudan�as culturais capazes de alterar a realidade do territ�rio em que vivem,, em 20 munic�pios mineiros localizados na calha do Rio Doce: Bom Jesus do Galho, Bugre, Caratinga, C�rrego Novo, Dion�sio, Fernandes Tourinho, Iapu, Ipaba, Ipatinga, Marli�ria, Pingo D’�gua, Raul Soares, Rio Casca, Santana do Para�so, S�o Domingos da Prata, S�o Jos� do Goiabal, S�o Pedro dos Ferros, Sem Peixe, Sobr�lia e Tim�teo. 

O professor Itamar Krenak, de cocar, junto com o cacique Leomir, da Aldeia Atorã, e Douglas Krenak, não abrem mão de sua cultura(foto: Arquivo Atorã)
O professor Itamar Krenak, de cocar, junto com o cacique Leomir, da Aldeia Ator�, e Douglas Krenak, n�o abrem m�o de sua cultura (foto: Arquivo Ator�)
Na primeira fase do projeto, est� sendo aplicado um question�rio on-line. Essa � a fase de chamamento p�blico. “� muito importante, neste momento, conhecermos a juventude desta regi�o e que conhecimento ela tem do meio ambiente nos munic�pios de abrang�ncia do projeto”, comenta o pedagogo M�rio Taniguchi, um dos coordenadores, juntamente com a tamb�m pedagoga Ana Marta Aparecida de Souza Inez. 

A equipe t�cnica de facilitadores, que vai atuar na capacita��o dos jovens, � composta por pedagogos, bi�logos, psic�logos, comunic�logos, historiadores, fil�sofos e especialistas em empreendedorismo.

A etapa de forma��o e integra��o dos jovens contar� com uma carga hor�ria de 96 horas desenvolvidas por meio de semin�rios de integra��o, oficina de ideias, participa��o em f�runs da Bacia, elabora��o de projetos, dentre outros.  

“A proposta do projeto � estimular a cria��o de novos neg�cios e startups, tecnologias sustent�veis e inser��o de jovens no mercado, al�m de estimular o surgimento de novos formadores de opini�o que possam fazer a diferen�a em suas comunidades. Por isso, estamos convidando o maior n�mero de jovens a responderem ao question�rio e a participar do processo de sele��o que vem ocorrer em breve”, disse Ana Marta de Souza Inez.

"N�o nos convidaram"

A fase de chamamento p�blico do projeto ateou fogo nas rela��es entre os Krenak e a Funda��o Renova, financiadora do projeto. “N�o nos convidaram, n�o reparam os danos que nos causaram e ainda usaram palavras da nossa l�ngua”, disse Shirley Krenak, que elaborou um texto que � embri�o de um artigo cient�fico, fundamentando todas as alega��es do seu povo na defesa do direito do uso da l�ngua.

O texto foi redigido por ela e pelo advogado Jo�o Vitor de Freitas Moreira, do Instituto Shirley Djukurn� krenak.

Shirley e Jo�o Vitor afirmam, na fundamenta��o que constroem nesse texto, “que � de not�rio conhecimento que ap�s o desastre-crime de Mariana, em 2015, a vida na bacia Rio Doce nunca mais foi a mesma. Os la�os afetivos, os rituais � beira do rio, a pesca e as mais variadas formas de celebra��o foram abruptamente rompidas. Em site institucional, a Funda��o Renova n�o se preocupa em sequer mencionar os Krenak, muito menos traz informa��es sobre a hist�ria desse povo que abundam em v�rios formatos. � interessante a maneira como o v�deo institucional utiliza-se naturalmente dos termos nativos, alocando-os como dos Botocudos que ‘habitaram’, fator que os permitiria utilizar indistintamente as formas lingu�sticas nativas”. 

Os Borum Watú, Povo do Rio, no seu território em Resplendor, MG(foto: Arquivo Atorã)
Os Borum Wat�, Povo do Rio, no seu territ�rio em Resplendor, MG (foto: Arquivo Ator�)
Para Shirley Krenak, o projeto das funda��es, expropriou um significante e desconectou as duas palavras do seu significado. “N�o � por acaso que somos chamados de ‘Borum Wat�’, ou seja, Povo do Rio. Por�m, isso n�o parece importar aos formuladores da pol�tica de lideran�asque fazem aproxima��es de condi��es dicion�rias como se estive traduzindo cores do ingl�s para o portugu�s”, disse.

Sobre o direito ao uso da l�ngua que os Krenak afirmam ter, Shirley Krenak comenta que a fundamenta��o � baseada na Conven��o Internacional do Trabalho 169 (OIT 169), “ratificada pelo estado brasileiro e internalizada atrav�s do Decreto 10.088, que n�o deixa d�vida em rela��o aos assuntos que os ind�genas devam ser consultados quando sua cultura est� em jogo, e se resume a uma �nica palavra: todos”. 

No texto h� outro trecho esclarecedor: “� necess�rio regressar ao texto da lei vigente no Estado Democr�tico de Direito brasileiro para compreendermos que a viola��o pelo uso indevido da l�ngua nativa implica em viola��o jur�dica de direitos ind�genas”. Shirley explica que a fundamenta��o foi buscada na OIT 169. E tamb�m cita o Art. 215, par�grafo 1º, da Constitui��o Federal: “O Estado proteger� as manifesta��es das culturas populares, ind�genas e afro brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizat�rio nacional”.

Pescador no Rio Doce, que para os Krenak, atualmente, é Rio Amargo, desde que a lama desceu de Mariana, da barragem de Fundão(foto: Ailton Catão)
Pescador no Rio Doce, que para os Krenak, atualmente, � Rio Amargo, desde que a lama desceu de Mariana, da barragem de Fund�o (foto: Ailton Cat�o)
“Tudo o que somos e constru�mos em torno da nossa ancestralidade tem a for�a da nossa l�ngua tradicional. Somos os “borum krenak” falantes da l�ngua origin�ria krenak. Somos a ess�ncia do ser e a nossa l�ngua tradicional nos define como os guardi�es do universo sagrado”, desabafou Shirley Krenak.

Mudan�a de nome

A pol�mica em torno do nome do projeto fez a Funda��o Renova recuar no embate com os Krenak. Em nota, a Renova disse que “conhece que o projeto Uat� N�k foi proposto pela Funda��o Geraldo Perlingeiro Abreu e, entendendo que essa denomina��o tinha como objetivo valorizar a cultura Krenak, a equipe da Funda��o n�o viu impedimento nisso.

No entanto, ao ouvir que a comunidade Krenak se sente incomodada com a utiliza��o de palavras de l�ngua Krenak, a Funda��o Renova imediatamente providenciar� para que o nome seja removido da denomina��o do projeto”.

A Renova tamb�m informou que a Funda��o Geraldo Perlingeiro Abreu foi selecionada, por meio de edital, para fazer parte da a��o de Forma��o de Lideran�a Jovens da Funda��o Renova, destinada a jovens de 15 a 29 anos dos munic�pios atingidos pelo rompimento da barragem de Fund�o.

“O processo de di�logo entre a sociedade nacional e os povos ind�genas � necess�ria para entendermos em que medida fazer refer�ncia a seus s�mbolos possa ser indesej�vel. A Funda��o Renova ressalta que, em �ltima inst�ncia, � a palavra da comunidade que importa, em respeito � Conven��o 169 e outros referenciais de soberania de povos ind�genas”.


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