

A arte imita a vida, a vida imita a arte, e as duas, amigas �ntimas, despertam os sentidos para o encantamento, abrem as portas secretas da imagina��o e t�m o poder m�gico de divertir – sempre no rumo do conhecimento. Nesse caminho, trilhado com a percep��o de cada um, estudantes de uma escola p�blica de Caet�, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, tiveram uma atividade bem criativa nestes tempos de pandemia do novo coronav�rus: reproduzir em casa, com os recursos dispon�veis, quadros de artistas c�lebres de todos os tempos.
O projeto “Qual pintura famosa voc� seria?”, idealizado por duas professoras de hist�ria, gerou um concurso cultural, com vota��o popular, via internet, avalia��o por j�ri t�cnico, e cesta de chocolates como pr�mio. Os resultados surpreenderam as organizadoras diante do interesse dos alunos, envolvimento das fam�lias, sem falar na mobiliza��o comunit�ria.
As professoras Tatiane da Silva Mendes e La�s Maine dos Santos, da Escola Estadual Paulo Pinheiro da Silva, receberam, em modo virtual, 103 trabalhos de alunos do sexto ano fundamental (na faixa de 12 anos) ao segundo ano do n�vel m�dio (15 e 16 anos), mas apenas 63 concorreram, pois era imprescind�vel a autoriza��o dos pais devido � imagem da garotada.
Segundo Tatiane, a tarefa escolar foi precedida de trabalho te�rico sobre hist�ria da arte, sendo, na sequ�ncia, encaminhadas �s turmas sugest�es de quadros famosos, a exemplo da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, Mo�a com brinco de p�rola, do holand�s Johannes Vermeer, e Abaporu, da brasileira Tarsila do Amaral. “A surpresa foi que as releituras vencedoras n�o estavam entre nossas sugest�es.
Os alunos pesquisaram muito, caprichando na recria��o das obras. Procuramos levar movimento e aprendizado com um pouco de divers�o, al�m de reaproximar os alunos da escola neste tempo de pandemia”, explica Tatiane.


Para La�s, valeu a dedica��o dos estudantes, dispostos a aprender e tamb�m a revirar guarda-roupas, abrir gavetas e transformar objetos familiares em pura criatividade. “Todos os alunos da escola s�o participativos, se empenham e superam as expectativas dos professores, tanto nos projetos presenciais como no on-line”, acrescentou. Integrante do j�ri t�cnico, o doutor em hist�ria da arte Mateus Alves Silva ficou intrigado com a inventividade de um aluno, que escolheu O filho do homem, do belga Ren� Fran�ois Ghislain Magritte (1898-1967) – na pintura, uma ma�� verde parece flutuar diante de um rosto. (Calma, leitor, no fim deste texto o aluno vai explicar sua proeza. Vale esperar.)
Na avalia��o de Mateus, tamb�m graduado e mestre em hist�ria, contaram pontos a escolha das obras mais desafiadoras, a riqueza de elementos na releitura (postura, cen�rio etc.) e o esfor�o para se aproximar do original.
Barriga de travesseiro
Na casa de Yan Rodrigues Franco Stehling, de 13 anos, aluno do s�timo ano, houve empenho de todos na recria��o do quadro O bocejo, do franc�s Joseph Ducreux (1735-1802). O garoto n�o esconde sua admira��o pela obra – “Sou meio pregui�oso para acordar cedo” – e confessa ter curtido a prepara��o, que contou com ajuda da m�e, Karina Franco Stehling, do pai, Ricardo Stehling, e dos irm�os Cau�, de 15, e Matheus, de 23.Para a barriga proeminente do senhor retratado na pintura, o garoto usou um travesseiro; o casaco vermelho da m�e caiu como uma luva; e a touca veio na forma de uma toalha de rosto. “Com esse trabalho, comecei a ver a arte por outro �ngulo, trouxe um despertar”, afirma Yan, que manteve os �culos na foto enviada �s professoras e posou sem eles, na quinta-feira, para o Estado de Minas.


Primeiro lugar na vota��o t�cnica, Ana Clara Soares Gualberto, de 12, aluna do sexto ano, acertou em cheio ao recriar A leiteira, de Johannes Vermeer (1632-1675). Na quarentena, ela passou uns dias na casa do av� Armando, no Serro, no Vale do Jequitinhonha, e l� teve a feliz ideia de reproduzir a pintura da jovem despejando o leite numa vasilha. Na casa de uma amiga da fam�lia, a tia Neia, com objetos antigos, entrou em cena at� “uma camisola toda branca” da m�e da anfitri�.
Em vez de usar leite, para n�o haver desperd�cio, “tia Neia providenciou goma de tapioca”, revela Ana Clara ao lado dos pais, Ademir da Guia Gualberto e Cristiana da Silva Soares, e do irm�o, Pedro Victor, de 15. “Quem gosta de desenhar aqui em casa � o Pedro. Acho que vou estudar direito”, diz a menina, enquanto segura uma reprodu��o do quadro c�lebre.
Destaque na vota��o t�cnica, Kamily S�, de 15, aluna do 9º ano, informa que se sentiu tocada pelo quadro A saudade, de autoria do paulista Jos� Ferraz de Almeida J�nior (1850-1899). “Eu me identifiquei muito com a pintura, talvez por sentir falta dos meus amigos nestes meses de pandemia”, observa a adolescente.
Na composi��o do figurino para um momento dram�tico, em que uma mulher l� uma carta com o semblante de dor, Kamily recorreu ao vestido preto, ao xale e � echarpe da m�e, Luciene L�cia, e aos sapatos da irm�, P�mela, de 20. O pai, Neri Alves de S�, e a irm� ca�ula, K�tlyn, de 11, tamb�m participaram da cria��o. “Reviramos o guarda-roupa... A atividade escolar movimentou a casa, foi muito bom”, contou a m�e, lembrando que foram feitas muitas fotos para obten��o de uma aprovada pela fam�lia.
O segredo da ma��
Tamb�m destaque no j�ri t�cnico, A�rton C�sar Marques Augusto, de 15, aluno do primeiro ano do ensino m�dio, se espelhou no surrealista Magritte para recriar O filho do homem, usando um palet� emprestado por um amigo da m�e, Viviane de F�tima Marques, e chap�u e gravata alugados. “Sou um pouco envergonhado, n�o queria mostrar meu rosto, por isso o escolhi. Tamb�m acho esse quadro diferente, interessante e misterioso.” Ao lado da m�e e do irm�o Davi, de 8, o garoto conta que se divertiu muito durante a elabora��o, sentindo um gosto enorme pela hist�ria da arte.

E como voc� conseguiu manter essa ma�� suspensa no ar?, pergunta o rep�rter. “N�o foi t�o simples, houve v�rias tentativas. Primeiro, meu pai (J�lio C�sar Evangelista Augusto) sugeriu que eu espetasse um palito na fruta e o segurasse entre os dentes. N�o funcionou, pois ficava caindo. Ent�o, resolvi espetar um garfo e enfiar o cabo na boca. Deu certo, mas no in�cio senti enjoo, at� que me acostumei para a foto”. Viviane, que contribuiu ainda com um galho de mexerica, parabeniza a iniciativa das professoras: “Fiquei feliz. Foi muito produtivo, manteve a turma ocupada num tempo dif�cil para todo mundo”.