COVID-19 concentra recursos da pesquisa, e outras �reas importantes perdem
Fonte de esperan�a contra a turbul�ncia na sa�de, pesquisa � outra v�tima do coronav�rus. Asfixia de trabalhos sem rela��o com a pandemia � 2� baque na �rea em dois anos
Laborat�rios com distanciamento: em celeiros de estudos como o ICB/UFMG, presen�a de pesquisadores foi reduzida ao m�nimo indispens�vel (foto: Fotos: Gladyston Rodrigues/EM/D.a press)
A ci�ncia nunca esteve t�o em evid�ncia – n�o apenas como fonte mais confi�vel de informa��o sobre o novo coronav�rus quanto nas expectativas em torno da vacina que pode derrotar a pandemia. Mas a import�ncia de pesquisas que v�o muito al�m desse assunto e abordam uma gama enorme de produ��o, inclusive relativas a outras doen�as – algumas at� bem pouco tempo no centro das aten��es, como a dengue e a zika – acabaram ficando � sombra da COVID-19 e amargam um segundo ano de crise.
O trabalho nessa �rea � silencioso, mas ganhou holofotes no ano passado, quando o corte de bolsas e de financiamento amea�ou o futuro da ci�ncia no Brasil, que j� vinha titubeando diante da escassez de dinheiro e de materiais. Quando o pior parecia controlado, as pesquisas se viram novamente obrigadas a recuar. Est�o novamente � m�ngua, como consequ�ncia indireta da pandemia.
A exig�ncia de distanciamento social e a aloca��o de recursos para a busca do que h� de mais urgente no mundo todo – o tratamento e a vacina contra o coronav�rus – obrigaram laborat�rios ligados a outros temas a fechar as portas durante a pandemia ou a reduzir drasticamente o ritmo de trabalho.
Foi o que ocorreu na Funda��o Ezequiel Dias (Funed), em Minas Gerais, refer�ncia na pesquisa cient�fica a partir de venenos de serpentes, aranhas, escorpi�es e abelhas. As pesquisas em outras linhas continuam, mas com escala m�nima nos laborat�rios. Em um dos principais centros de pesquisa da Am�rica Latina, o Instituto de Ci�ncias Biol�gicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a realidade � ainda mais dura: 70% da estrutura parada, de acordo com professores.
A situa��o � complexa, nas palavras do professor Luiz Rosa, do Departamento de Microbiologia do ICB. Dividido em v�rios ramos da ci�ncia, biologia e sa�de, o instituto concentra cerca de 25% de toda a pesquisa da UFMG e tem 29% das patentes da universidade. � imposs�vel parar completamente grande parte desses estudos, sob pena de perder resultados, amostras, an�lises e investimento de tempo e dinheiro.
O ICB � frequentado por cerca de 2 mil pessoas diariamente, e ficou fechado por cerca de 15 dias, mas o que � prioridade m�xima n�o parou em momento algum, caso do biot�rio (que abriga camundongos) e do Laborat�rio de Microbiologia Polar e Conex�es Tropicais, do professor Rosa, coordenador de um dos projetos brasileiros na Ant�rtida. A ordem � priorizar o que tem urg�ncia e postergar ao m�ximo o restante.
“Tenho amostras rar�ssimas que vieram do meio do continente (Ant�rtida) e exigem que continuemos trabalhando, pois s�o micro-organismos que s� crescem em baixas temperaturas. Se algum equipamento falhar ou ocorrer qualquer outro problema, perdemos um trabalho de anos”, avisa.
No Departamento de Microbiologia, que engloba tamb�m a virologia, testes e diagn�sticos, tamb�m h� pesquisas relacionadas a Brumadinho e �s consequ�ncias do rompimento da barragem B1, que tiveram o ritmo diminu�do em virtude da necessidade de manter o distanciamento social, inclusive dentro dos laborat�rios. “Antes da pandemia, eu trabalhava todo dia, em tempo integral. Agora, para cumprir as normas e evitar aglomera��o de pessoas, s� na parte da manh�”, relata.
Poucos alunos t�m acesso ao Laborat�rio de Microbiologia Polar e Conex�es Tropicais, que trabalha com material da Ant�rtida � Amaz�nia, e a sele��o obedeceu a crit�rios rigorosos. Determinou-se que ficaria em casa quem vive com pessoas integrantes do grupo de risco, quem precisasse pegar �nibus para chegar ao c�mpus ou se deslocar em hor�rio de pico. Dos 20 estudantes de gradua��o a p�s-doutorado que trabalham com o professor Rosa, apenas dois est�o no local.
“O ICB � cheio, tem vida. Hoje, em torno de 30% do instituto est� aqui. � triste isso, mas entendemos a situa��o. Temos de nos proteger”, diz Luiz Rosa. Diante de tantos aspectos delicados, o ICB est� planejando retomada mais organizada. � esperada para os pr�ximos dias reuni�o para avaliar a possibilidade de aumentar a frequ�ncia �s depend�ncias da unidade. Poder�o ser adotadas escalas de trabalho para manter o distanciamento. “Retomar aos poucos, mas sempre acompanhando a evolu��o da doen�a”, ressalta o professor.
Tratado
A UFMG tem outros projetos na Ant�rtida, al�m da microbiologia, como os de medicina polar e arqueologia. Suspender os trabalhos, que come�aram em 2006, n�o afetaria apenas os pesquisadores. O Brasil faz parte de um tratado internacional, composto por 29 pa�ses, com poder de votar e vetar as decis�es sobre a Ant�rtida. “� o �nico f�rum do mundo em que o Brasil tem decis�o. Uma cl�usula do tratado � que o integrante deve fazer pesquisa sobre o continente. Ou seja, se pararmos a produ��o cient�fica, h� preju�zo em v�rios aspectos para o pa�s, inclusive no que concerne ao direito de o Brasil votar o futuro de 10% do planeta, que n�o pertence a ningu�m”, esclarece Rosa.
No laborat�rio de microbiologia, estudo de subst�ncias antivirais testa fungos da Ant�rtida � procura de micro-organismos com poder de combater doen�as como a leishmaniose, mal�ria, zika, chikungunya e dengue. A pr�xima etapa ser� incluir v�rus gripais, que far�o parte do painel de testes tamb�m da COVID-19, em parceria com o Instituto Ren� Rachou. “Se houvesse algum que fosse efetivo contra o coronav�rus, por exemplo, j� haveria um paliativo. Os trabalhos s�o cont�nuos, constantes e demorados. Quando aparecem doen�as, j� h� um arsenal por tr�s. A ci�ncia � silenciosa”, afirma. “Uma vacina demora de cinco a 10 anos pra ser desenvolvida. A da COVID-19 est� saindo r�pido porque j� havia uma estrutura que permite avan�ar a partir da vacina de v�rus similares”, exemplifica o professor.
O professor Luiz Rosa, do Departamento de Microbiologia, integra esfor�o
para manter estudos que n�o podem ser paralisados, sob pena de preju�zos irrepar�veis
“Gera��o COVID” e amea�a ao futuro
Os pesquisadores n�o est�o livres de outras consequ�ncias da COVID-19, que podem agravar uma velha amea�a. Al�m do trabalho comprometido, o futuro dos bolsistas � incerto. As ag�ncias nacionais e estadual de fomento � pesquisa prorrogaram as bolsas por at� seis meses, mas, como grande parte dos recursos que poderiam ser alocados em outras �reas do conhecimento foram investidos no combate � pandemia, o restante ficou em uma esp�cie de limbo.
“Estamos falando da pr�xima gera��o de pesquisadores que come�am a ser formados desde a gradua��o. Uma parte dela foi perdida no ano passado durante os cortes (de bolsa). Esse � um investimento na forma��o de futuros professores e pesquisadores do Brasil. Sem educa��o e pesquisa, como avan�ar enquanto na��o?”, questiona o professor Luiz Rosa, do Departamento de Microbiologia do ICB.
Em 2019, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cient�fico e Tecnol�gico (CNPq), que come�ou o ano com R$ 330 milh�es a menos no caixa, ficou sem dinheiro para pagar a remunera��o de pesquisadores. A Coordena��o de Aperfei�oamento de Pessoal de N�vel Superior (Capes) teve or�amento contingenciado, enquanto, h� exatamente um ano, o Minist�rio da Educa��o (MEC) anunciava o congelamento de 5.613 bolsas de mestrado, doutorado e p�s-doutorado da Capes no pa�s, que n�o mais estariam dispon�veis nos editais de pesquisa. A maior parte seria disponibilizada em setembro. Em Minas, 508 bolsas deixaram de ser oferecidas.
Mestrandos, doutorandos e p�s-doutorandos que estavam trabalhando sem remunera��o na expectativa de obter uma bolsa viram cair por terra a chance de consegui-la. Outros tiveram de voltar para suas cidades por falta de apoio financeiro e houve quem deixasse o pa�s para tentar realizar no exterior o sonho de ser pesquisador.
Luiz Rosa teme o in�cio do ano que vem, com a economia em queda e a retirada de recursos da sa�de e da educa��o para cobrir outros rombos. “Teremos garantidos recursos para educa��o e pesquisa para manter bolsistas? Caso contr�rio, essa ser� chamada de gera��o COVID, porque v�rios pesquisadores v�o se perder se n�o houver prote��o. E tamb�m n�o adianta manter bolsistas e alguns recursos se o MEC n�o der aporte de verba suficiente para manter a estrutura da universidade.”
Complexo do Instituto de Ci�ncias Biol�gicas tem 70% de suas atividades suspensas devido � pandemia
Verbas secaram para outras �reas
Na Funda��o Ezequiel Dias (Funed), a situa��o � a mesma de outros centros de ensino e pesquisa. Apenas laborat�rios de projetos relacionados � COVID-19 receberam verba de �rg�os de fomento. Nas outras �reas, re- cursos n�o chegaram at� o momento. A maior parte dos trabalhos � coordenada pela Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD), voltada para venenos, toxinas, virologia, imunologia, opoter�picos (tratamentos a partir de estruturas biol�gicas), biologia molecular, biologia celular, bioqu�mica de prote�nas, fitoqu�mica, fitoter�picos, nanotecnologia e tecnologia farmac�utica, al�m de estudos sobre a rela��o sa�de e meio ambiente. H� tamb�m pesquisas sendo conduzidas nas outras diretorias da funda��o – o Instituto Oct�vio Magalh�es e a Diretoria Industrial.
As atividades de laborat�rio n�o pararam, mas as presenciais foram reduzidas. Os projetos de pesquisa em andamento se mantiveram, mesmo de forma mais lenta devido � redu��o de pessoal para obedecer ao distanciamento. De acordo com a diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da Funed, S�lvia Lig�rio Fialho, em termos de produ��o cient�fico-tecnol�gica, os resultados se mant�m. As publica��es de artigos cient�ficos em revistas e jornais nacionais e internacionais neste ano, segundo a diretora, j� ultrapassaram as do ano passado.
Mas, mesmo conseguindo cumprir com todas as entregas, � preciso se adequar � nova situa��o, diz S�lvia. “A adapta��o ao regime de teletrabalho nos fez aprender a desenvolver nossas atividades em uma nova realidade. Alguns servi�os otimizaram a��es, devido � maior efici�ncia na realiza��o de reuni�es que antes demandavam deslocamentos.”