Na ra�a e na coragem: a luta dos brigadistas e volunt�rios contra as chamas
Movidos pelo amor � natureza e �s suas comunidades, combatentes superam limites na temporada de queimadas. 'Tem que ir at� onde o seu corpo aguentar', diz um deles
Brigadistas e volunt�rios lutam contra o fogo na Serra do Cip�: inc�ndio de grandes propor��es durou 10 dias, expondo os combatentes a rotina extenuante (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
A onda de calor que pairou sobre Minas Gerais tamb�m trouxe o “combust�vel” para alimentar as chamas que devastaram a vegeta��o em algumas localidades do estado. Em ocasi�es como essa, o Corpo de Bombeiros � sempre o primeiro a ser acionado pela popula��o. No entanto, a mobiliza��o na luta contra as labaredas tamb�m ganha aliados da sociedade civil, como brigadistas e volunt�rios. Alguns deles, inclusive, nem sequer t�m treinamento, mas, com a gana de ajudar e impedir que os inc�ndios devastem a natureza, superam os limites da t�cnica.
No inc�ndio que devastou a Serra do Cip�, na Regi�o Central de Minas, por 10 dias, o Corpo de Bombeiros estima que 16 mil hectares tenham sido consumidos pelo fogo. O preju�zo s� n�o foi maior porque militares, brigadistas contratados pelo Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade (ICMBio) e volunt�rios ajudaram na extin��o das chamas. Uma das pessoas que auxiliaram nos trabalhos foi o bi�logo Carlos Eduardo Benfica, que passou pelo menos seis dias atuando para apagar as labaredas.
Ao Estado de Minas, Benfica relatou que nunca havia visto um inc�ndio da propor��o do que atingiu a Serra do Cip� neste ano. Ele relatou os momentos dram�ticos na linha de frente do combate �s chamas. “� uma sensa��o de guerra. Literalmente, cada um lutando por sua vida. Mas eu diria que a gana, a ra�a, o tanto que voc� precisa se doar pela causa, o fato de que voc� precisa contar com todos ao seu lado e vice-versa, tudo isso � praticamente uma mentalidade de 'vamos ganhar a qualquer custo'. � uma coisa impressionante o tanto que esse inc�ndio conseguiu afetar”, disse o bi�logo.
Carlos Eduardo contou que as equipes na Serra do Cip� tiveram o aux�lio de brigadas de outras localidades, como da Serra do Capara� e do Parque Nacional da Serra dos �rg�os, al�m de aut�nomos e bombeiros militares folguistas. Apesar da ajuda extra, o bi�logo sentiu que a principal dificuldade na luta contra o fogo foi a log�stica, mais especificamente no gerenciamento de pessoas, uma vez que a comunica��o entre os combatentes era dif�cil.
Rog�rio (E) e os irm�os Djalma e Waldeir tentam descansar ap�s mais um dia no combate �s chamas na Lapinha da Serra (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
“Uma comunica��o onde o celular n�o pega direito e os r�dios s�o escassos dificulta bastante. Durante a noite, per�odo em que os helic�pteros e aeronaves n�o realizam atividades, por volta das 18h at� as 6h, ficamos sem apoio log�stico a�reo. Ent�o isso dificulta ver qual a dimens�o das chamas durante esse per�odo”, afirmou.
Num combate de grandes propor��es, como foi o caso na Serra do Cip�, a rotina de todos envolvidos, mesmo que de forma involunt�ria, sofre altera��es, principalmente no que diz respeito ao sono. Entre os turnos noturno e diurno, Carlos disse que chegava a dormir apenas duas horas, mas que o per�odo de descanso variava bastante.
“N�o tem padr�o. Foram seis dias. Teve dia em que consegui dormir seis horas, em outros, tr�s horas. E teve dia em que consegui dormir duas horas. Tem que ir at� onde o seu corpo consegue aguentar, mas, no geral, para pegar esses dois turnos, eu diria que voc� teria que dormir quatro horas, at� porque tem toda a log�stica de encerramento do noturno e inicia��o do diurno.”
Motivos
Quando s�o contratados, os brigadistas t�m a miss�o de estar prontos a qualquer momento para qualquer tipo de emerg�ncia dentro dos parques nacionais. Mas, afinal, qual a motiva��o para que volunt�rios entrem no meio da mata para combater o fogo? O principal sentimento, de acordo com as pessoas ouvidas pela reportagem, � o de pertencimento a determinado lugar.
Caso, por exemplo, de Waldeir Ferreira Domingos. Nascido e criado em Lapinha da Serra, em Santana do Riacho, na Regi�o Central do estado, o brigadista volunt�rio foi um dos que ajudaram a combater o fogo na regi�o, que teve in�cio na quarta-feira (7) e foi totalmente debelado no domingo (11). Sem qualquer tipo de treinamento, Waldeir se aventura em meio � vegeta��o para proteger o meio ambiente, sobretudo as nascentes.
“Na ro�a somos acostumados com tudo. Fogo para n�s � normal, j� vi meus pais apagando. Nunca fiz curso e n�o sou contratado por ningu�m. Sou volunt�rio, nativo daqui. Vi que nossas nascentes iriam queimar e fomos l� preservar e apagar o fogo, para n�o matar nossa natureza, os bichos. O fogo destr�i. N�o podemos deixar, temos que apagar”, disse.
Apesar de ter se acostumado com as chamas ao longo da vida, Waldeir relatou nunca ter visto antes um inc�ndio nas propor��es do que foi registrado na semana passada em Lapinha da Serra. Ao lado dos irm�os Djalma e Ilacir e do primo Rog�rio, o brigadista volunt�rio combateu o fogo com per�odos curtos de descanso.
“A gente n�o dormia, n�o. A gente descansava. Sabe aquela dormidinha boba? Fic�vamos em alerta olhando o fogo. Dormimos olhando o fogo, pois onde as chamas estavam n�s n�o conseguimos ir, que � l� em cima, na montanha. Ficamos na casa mais pr�xima. Se o fogo chegasse onde a gente conseguisse ir, combat�amos”, disse Waldeir, que n�o escondeu a tristeza ao relembrar das chamas tomando conta da vegeta��o. “O sol estava muito quente. O fogo passava perto de uma �rvore e queimava tudo. � muito triste. D� vontade de chorar”, lamentou.
Quem tamb�m atuou no combate �s chamas em Lapinha da Serra foi Thomaz Dayrell. O guia tur�stico, que mora h� 11 anos no local, usou o pertencimento como principal motiva��o para lutar contra o fogo. Necessidade que aumenta quando as chamas podem afetar at� mesmo o trabalho.
“Al�m de ter aquela tristeza como morador e uma pessoa da comunidade, eu sou prejudicado, tamb�m, porque trabalho com a natureza. Preciso que ela esteja cuidada. Esse tamb�m � um dos motivos pelos quais estou aqui (no combate). Hoje trabalho e vivo do turismo. As pessoas v�m aqui ver a natureza, n�o essa imensid�o de queimadas”, explicou.
Entre as dificuldades elencadas por Waldeir e Thomaz est� a falta de infraestrutura. � reportagem, Waldeir relatou que uma bomba de �gua chegou a falhar no meio do combate e foi necess�rio improvisar para apagar as chamas. J� Dayrell lamentou que n�o haja uma brigada contratada para atuar na preven��o de queimadas. “O que estamos fazendo aqui � remediando. Se fosse um trabalho bem-feito, continuado, se nossas nascentes fossem cercadas, isso tudo o que est� acontecendo tinha uma propor��o muito menor”, alertou.
Solidariedade
Militares, brigadistas e volunt�rios tamb�m contaram com o apoio da popula��o local em infraestrutura e alimenta��o. Em Lapinha da Serra, por exemplo, uma casa de apoio foi montada para atender a todos que participavam do combate �s chamas. L�, al�m dos quartos e banheiro, os homens tamb�m tinham alimenta��o dispon�vel. As dificuldades, nesse caso, s� surgiam quando os combatentes estavam em �reas de dif�cil acesso.
“Gra�as a Deus temos um grupo de bastante gente. Recebemos muitas doa��es. O grupo ajudou demais. Em quest�o de alimenta��o, foi tudo certo. Na quest�o da �gua foi complicado, pois est�vamos em uma �rea de dif�cil acesso. Na casa de apoio n�o faltou nada, nem para comer nem para beber. Foi muito bom. Tivemos muitas doa��es. Alimenta��o muito boa”, elogiou Waldeir.
O mesmo esp�rito de solidariedade foi destaque no combate ao inc�ndio na Serra do Cip�. Carlos Eduardo Benfica contou pelo menos 10 pessoas envolvidas no preparo da alimenta��o de quem estava na opera��o. As marmitas, por exemplo, eram entregues em pontos distintos, com direito a rapadura de sobremesa, embalada em saquinhos de papel.
"A log�stica desse combate foi digna de ter todo o m�rito. As marmitas estavam sempre contadas, os lanches estavam sempre separados. Voc� v� que eram separados com muito cuidado por pessoas que se importavam e que entendiam o que aquilo representava para quem estava combatendo no campo”, concluiu.
Bravos no calor da guerra
O rep�rter-fotogr�fico Leandro Couri acompanhou de perto a luta da Brigada Volunt�ria Guardi�es da Serra no combate contra o inc�ndio na Serra do Cip�, semana passada. Foram dias de trabalho �rduo na luta contra a f�ria das chamas que devastaram um dos santu�rios ecol�gicos mais importantes do Brasil. Veja neste ensaio algumas das cenas que marcaram a batalha destes guerreiros contra o fogo.