Moda e g�nero: entenda os tabus que cercam os trajes masculinos
Ap�s s�culos de hist�ria, mundo da moda ainda reflete preconceitos de g�nero tra�ados no per�odo p�s-industrial. Mas a linha fica cada vez mais t�nue
Linha entre masculino e feminino na moda est� cada vez mais t�nue (foto: Emannuelly Gomes/Divulga��o)
Roupas “de mulher” e “de homem”: tais termos ainda existem? Ou buscam, apenas, cobrir certos preconceitos ligados � moda masculina? Diante da palavra “moda”, imediatamente, pensamos em pe�as de vestu�rio, desfiles e tend�ncias. Tais refer�ncias comp�em mesmo o conceito. Trata-se, por�m, de termo com defini��o bastante vasta, para muito al�m das superf�cies.
“A moda � um estilo de vida, comportamento e autoconhecimento. � o coletivo e a diversidade. Ela est� presente em nossas vidas, desde o momento em que acordamos, at� a hora de dormir”, comenta Edvan Silva, administrador da p�gina @homem_atual, que conta com mais de 30 mil seguidores no Instagram.
E ele tem raz�o! A palavra moda prov�m do latim modus, que significa “costume”, e seu surgimento remonta ao in�cio do Renascimento europeu. O voc�bulo diz tanto sobre as vestimentas quanto sobre os estilos de vida. Moda se revela como grande forma de express�o, como linguagem verbal e n�o verbal: � cultura, e, al�m de tudo, o reflexo do comportamento. Por meio dela, podemos externar nossa identidade.
Al�m de tudo, quando nos referimos � moda, sempre – ou na maioria das vezes – pensamos no sexo feminino. Mas por que ela parece s� ter rela��o com a feminilidade? Ou, de outro modo: por que h� t�o pouca representatividade sobre o assunto no “lado” masculino? Por fim: por que h� um tabu t�o grande, j� que cada pessoa tem estilo pr�prio?
Certamente, os preconceitos j� foram maiores. Apesar disso, ainda existem. A designer de moda Fl�via Virg�nia est� entre os que acreditam que h� tabus em rela��o �s roupas “para homens”. Segundo ela, por�m, com a ajuda das redes sociais, as pessoas t�m hoje possibilidades de trocas muito maiores. E existe a vontade de muitos se destacarem em meio ao que j� existe. “Isso d� maior abertura ao tema. No entanto, ainda assim, � um palco para diversos tabus, principalmente em rela��o � sexualidade das pessoas”, comenta.
Evolu��o
Apesar dos preconceitos, a moda acompanha tamb�m os homens ao longo da vida e cada vez mais desperta interesse entre eles (foto: Emannuelly Gomes/Divulga��o)
A hist�ria da moda remonta a s�culos e s�culos. Por que, ent�o, a grande maioria das pessoas, na atualidade, ainda pensa que ela � s� para mulheres? Homens tamb�m n�o se vestem, gostam de se cuidar e se importam com a apar�ncia? “No mundo p�s-industrial, houve separa��o entre g�neros, o que ocorreu, de maneira muito espec�fica, no que se refere � est�tica pessoal. Foi posto na esteira do g�nero feminino a rela��o mais direta com o autocuidado, a beleza e os padr�es, ao passo que, aos homens, resguardou-se o lugar do trabalho”, analisa Fl�via Virg�nia.
Para o estilista Ronaldo Fraga, a tem�tica envolve v�rias quest�es. Mesmo que, em grande parte do mundo, as pessoas misturem roupas – o que pode ser chamado de “moda sem g�nero” –, no Brasil, isso ainda pode ser um problema. “Aqui, esse tipo de roupa ainda � coisa de bolha. Um homem de saia, de vestido, ou de bata longa ainda � um tabu muito grande”, diz o estilista.
Recentemente, o cantor brit�nico Harry Styles estampou a capa da renomada revista Vogue vestido com saia e looks que parte da sociedade, provavelmente, classificaria como “roupa feminina”. Seu ensaio causou tanto fasc�nio nos admiradores quanto desconforto entre os mais “conservadores”.
“Se voc� deixar de usar um look apenas por ser 'roupa feminina', est� abrindo m�o de todo um universo incr�vel. Acho excitante que, no momento atual, voc� possa vestir o que quiser, sem se preocupar em ser x ou y. As linhas est�o cada vez mais borradas”, declarou o cantor e ator, em entrevista � revista Variety.
J� deu para notar que a moda contempor�nea n�o tem g�nero. O estudante Gabriel Linds, de 19 anos, concorda com essa tend�ncia, ao defender o esp�rito democr�tico: “Hoje, a gente v� que est�o em alta n�o apenas a moda feminina mas tamb�m a masculina. A coisa muda. Todas as pessoas t�m seu estilo, usam o que gostam, aquilo o que as faz se sentir bem”.
Gabriel diz ser influenciado pela sociedade, mas tamb�m costuma basear seu estilo em gosto particular. Essa jun��o, certamente, � outra forma de definir a moda, j� que ela n�o precisa ser, necessariamente, aquilo que est� em voga, ou o que � tend�ncia nas revistas e passarelas. Pelo contr�rio, ela est� em ser quem voc� �, independentemente de qual seja seu gosto ou estilo.
Outra quest�o conflituosa no mundo fashion s�o as cren�as de que a moda � elitizada. Realmente, por um longo per�odo na hist�ria, preocupar-se com vestimentas, acess�rios, padr�es de beleza e comportamento era exclusividade daqueles que tinham dinheiro. Tal concep��o mudou, junto com a consolida��o de novos sistemas econ�micos, pol�ticos e de costumes.
A confirma��o dessa mudan�a est� na grande influ�ncia, cada vez mais est�vel, das popula��es perif�ricas. Ronaldo Fraga – que, apesar de ter o masculino como coadjuvante em suas cole��es, est� no ambiente da moda – percebe a tend�ncia e ressalta: “Curiosamente, a evolu��o do masculino na moda brasileira e no mundo vem, justamente, da periferia. Os rappers evoluem cada vez mais e nos trazem cores. Nova gera��o, novas formas”.
Do Rei Sol ao pluralismo
A moda passou por diversas transi��es. Inicialmente, se dirigia a certa classe social abastada. Em seguida, estendeu-se a jovens trabalhadores, e logo passou a transpor ideias da alta-costura, por um pre�o acess�vel. Depois, as marcas viram a necessidade de escolher seus p�blicos por meio de outros crit�rios, e a moda se tornou popular. Entender tal hist�ria pode esclarecer o comportamento da sociedade a respeito desse tema, e como isso interfere no julgamento que muitos t�m sobre a moda masculina. Al�m disso, pode-se compreender os reflexos na rela��o dos homens com as vestimentas.
Desde muito tempo, a moda europeia � par�metro para o restante do mundo. Na �poca dos monarcas, as roupas eram sin�nimo do poder masculino. Assim, quanto mais deslumbrante, maior seu poder. Mas, antes disso, as vestimentas eram simples, com poucas roupas, ou at� mesmo pe�a �nica, com prioriza��o da praticidade. Foi ent�o que o rei Lu�s XIV, da Fran�a, colaborou com o auge da luxuosidade, o que culminaria no que hoje conhecemos por alta-costura. O Rei Sol, como ele se autodenominava, foi uma das primeiras grandes refer�ncias da moda.
Com a Revolu��o Francesa, surgiu uma nova classe social: a burguesia. Por conseguinte, as roupas extravagantes deixaram de ter relev�ncia, j� que a ostenta��o poderia confundir os burgueses com aristocratas e lev�-los � morte. Assim, as vestimentas simples e pr�ticas ganharam destaque e o trabalho se tornou o valor do homem.
Logo no in�cio do s�culo XIX, surge o dandismo, que apresentava uma moda discreta, voltada � alfaiataria, o que caracterizava o novo arqu�tipo de homem: o her�i rom�ntico, cavaleiro perfeito, que vive intensamente, com o cl�ssico e s�brio estilo “chique urbano”.
A sobriedade nas vestimentas masculinas aumentou ainda mais com a Revolu��o Industrial, e a discrep�ncia em rela��o �s tend�ncias femininas ficou maior. Elas esbanjavam volumes, cores, brilhos e acess�rios. J� eles usavam cores acinzentadas, cortes retos e poucos acess�rios.
Entre esses poucos complementos usados pelos homens, havia a gravata, a cartola e o rel�gio de bolso – caso a pessoa pertencesse a classe social elevada. Naquela �poca, a barba bem cortada e o uso de acess�rios diferenciavam os homens ricos dos menos abastados.
Foi no per�odo p�s-guerra, quando aumentaram os �ndices de consumo e o rock nasceu, que emergiram novas perspectivas para os trajes masculinos. Havia, ainda, a dimens�o tradicional, com tra�os das culturas passadas, mas os jovens adotaram um visual revolucion�rio, com cal�a jeans, camiseta e jaqueta de couro. A partir da�, a cultura musical passou a interferir diretamente no comportamento masculino e no seu no guarda-roupa.
Nos anos 1960, o tradicional se tornou mais sutil. Trata-se da �poca da cal�a boca de sino, de cores vivas, estampas psicod�licas e bordados. J� na d�cada seguinte, as refer�ncias do rock'n’roll e do movimento punk vieram com for�a. Camisetas de banda ou, at� mesmo, com estampas de protesto, cabelo raspado na lateral, cal�as rasgadas e tachas faziam parte da tend�ncia. � importante ressaltar que, tamb�m na d�cada de 1970, o movimento pelos direitos LGBT come�ou a ganhar for�a e a mostrar seu poder de consumo.
As roupas masculinas tornaram-se mais largas nos anos 1980, para complementar o look . Os homens usavam rel�gio, muitos colares e pulseiras, numa clara interven��o do movimento rap. J� na d�cada de 1990, foi a vez das vestimentas casuais, da t-shirt com estampa de personagens por dentro do jeans, e do All Star colorido. Ainda nessa �poca, as pessoas come�aram a adotar tatuagens e piercings.
Dos anos 2000 at� hoje, a liberdade toma conta do universo da moda, que passou a reinterpretar estilos passados. � um per�odo de pluralismo, informa��o e globaliza��o, na esteira das novas tecnologias, o que resulta em grande volatilidade dos estilos e na intensifica��o do comportamento de consumo. Esse cen�rio abriu espa�o para uma nova forma de masculinidade: o metrossexualismo. Agora, n�o s�o os monarcas que ditam o que deve ser usado – nem apenas a influ�ncia musical –, mas, sim, os famosos, blogueiros e influencers.
Apesar de, atualmente, termos maior liberdade para olhar e transformar a pr�pria ideia do que seja a moda, ainda h� muito a evoluir. Por fim, como destaca Ronaldo Fraga: “Cabe uma pitada de transgress�o! No geral, independentemente de serem homens ou mulheres, as pessoas devem entender que a moda, por ser libertadora, pode se revelar a chave da caserna.”
*Alunas do UNI-BH
Mat�ria vencedora do Desafio de Reportagem, oficina realizada pelo UNI-BH em parceria com o Estado de Minas e Portal Uai
Crescimento entre eles
O setor da moda � um dos que mais crescem no mundo. Pesquisa realizada pelo Sebrae, em julho de 2019, apontou que o consumo masculino nessa �rea cresce 14% ao ano. Tal aumento � maior at� que o feminino, com 8% de expans�o. Outro fator que merece destaque: por causa da influ�ncia da comunica��o digital e da tend�ncia do e-commerce, a porcentagem de homens que consomem produtos ligados � moda � de 40%. – o que demonstra como eles t�m se preocupado com a apar�ncia.