
Feita pela professora da Faculdade de Medicina da UFMG Cristina Alvim, a afirma��o certamente decepciona aqueles que, saturados do duro confronto com a realidade imposta pela pandemia de COVID-19, pedem � imprensa que “mude de assunto”. “Foquem nos recuperados”, cobram diversos brasileiros, bombardeados h� 11 meses por “alertas vermelhos”, c�lculos m�rbidos, entre outras manchetes desagrad�veis.
O grupo conta, inclusive, com a ades�o de famosos. O apelo mais recente partiu da atriz Rosamaria Murtinho, de 88, que foi ao Instagram em 2 janeiro pedir que os notici�rios que “parem de falar dos mortos” e passem a dar mais destaque aos recuperados. “N�s, idosos, ir�amos agradecer”, comentou a veterana. O governo federal refor�a o coro j� que, frequentemente, alardeia a soma de sobreviventes como prova de sucesso do combate ao v�rus.
Membro do Comit� Permanente de Acompanhamento das A��es de Preven��o e Enfrentamento do Novo Coronav�rus da UFMG, Cristina Alvim pondera que o cansa�o � compreens�vel, mas avisa: “� um equ�voco achar que o n�mero de recuperados da COVID-19 � algum tipo de alento. N�o � um par�metro a se comemorar, muito pelo contr�rio. Tudo o que ele indica � que a epidemia, no Brasil, n�o foi conduzida com foco na prote��o das pessoas. Negar essa realidade n�o vai nos transportar para fora dela”.
Adoecimento

“Precisamos entender a din�mica da doen�a. J� sabemos que, em m�dia, 81% dos infectados manifestam quadro leve, 14% apresentam sintomas graves e 5% v�o para a UTI. A taxa de letalidade mundial est� em torno de 2%. O que isso significa? Que, se houver 100 infectados, haver� 81 pacientes superficialmente afetados, 14 com dificuldades respirat�rias, 5 casos de interna��o em UTI e 2 mortos. Esses n�meros aumentam proporcionalmente, � medida que a popula��o adoece. Quando temos milh�es de contaminados, sim, a grande maioria evolui bem. Mas, paralelamente, temos centenas de milhares de mortos e uma s�rie de desdobramentos para o sistema de sa�de”, esclarece a especialista.
Nesta segunda-feira (11/1), o Brasil alcan�ou a marca de 8,13 milh�es de infectados, o que posiciona o pa�s como terceiro no ranking mundial de contamina��es, superado apenas pelos Estados Unidos (22,4 milh�es) e pela �ndia (10,4 milh�es). Os mortos passam de 203 mil. Os dados s�o do Minist�rio da Sa�de e da universidade americana Johns Hopkins.
"Outra consequ�ncia nefasta de termos chegado a esse ponto � que os mais vulner�veis ao v�rus - idosos, pobres, negros, pessoas com comorbidades e com acesso restrito ao sistema de sa�de - sofreram e morreram mais. Esses p�blicos s�o os que menos se recuperam. A mim, soa desrespeitoso comemorar que um �ndice gen�rico como o de recuperados alcan�ou altos patamares, quando sabemos que, entre negros e pobres, por exemplo, a m�dia de mortes � superior � nacional", afirma Cristina.
O cen�rio foi constatado por institui��es de pesquisa como a PUC-Rio, a Fiocruz e o Grupo DOR. Um estudo publicado em maio de 2020 por pesquisadores das tr�s institui��es concluiu que negros brasileiros t�m 38% mais chances de morrer pelo novo coronav�rus na compara��o com brancos.
Sequelas
Outra quest�o levantada pela m�dica � a de que muitas pessoas continuam doentes mesmo ap�s se recuperarem da infec��o, j� que ela pode deixar sequelas se estendem por meses, comprometendo a qualidade de vida. Um estudo publicado na �ltima sexta-feira (8/1) no peri�dico brit�nico The Lancet sugere que o evento � mais frequente do que se possa imaginar.
A pesquisa acompanhou 1.655 pacientes internados entre janeiro e maio do ano passado em Wuhan, na China. A conclus�o foi de que 76% apresentaram complica��es decorrentes da COVID-19 seis meses ap�s a hospitaliza��o, tais como: diabetes, insufici�ncias renais, problemas circulat�rios, ansiedade, depress�o, al�m de doen�as cardiovasculares e cerebrovasculares.
"Entendo que as pessoas est�o precisando de boas not�cias, mas precisam enxergar que, quando falamos de sa�de p�blica, a fun��o do estado n�o � nos deixar adoecer e depois comemorar que sobrevivemos. � oferecer recursos para promover a sa�de, para nos manter saud�veis. E h� pa�ses que desempenharam bem esse papel", argumenta a professora.
Um dos exemplos citados pela pela m�dica � o Jap�o. Com 126 milh�es de habitantes, o pa�s registrava, at� a tarde desta ter�a-feira (12), menos de 4 mil mortes pela COVID. A profissional de sa�de atribui os n�meros brandos � condu��o adequada da pandemia pelas autoridades japonesas, com “discurso claro e consistente direcionado � popula��o de que a situa��o � grave e exige comprometimento com as medidas de controle da virose".
Mortalidade

Uma delas � a taxa de mortalidade por milh�o de habitantes. Trata-se do n�mero de �bitos dividido pela popula��o total, multiplicado pelo valor de 1 milh�o. Segundo o Minist�rio da Sa�de, a taxa brasileira � de 964 mortes/milh�o de habitantes. O �ndice � o sexto maior do mundo, conforme o painel da Johns Hopkins, que monitora 173 na��es.
“Esse �ndice d� uma ideia, ainda que bem vaga, de quantas mortes poder�amos ter evitado. Quando h� esfor�os concentrados em evitar que a popula��o adoe�a, o sistema de sa�de consegue acolher melhor os pacientes, evitando assim que eles morram por falta de leitos, respiradores, entre outros insumos. Muitas brasileiros portanto, certamente poderiam ter se juntado ao grupo dos recuperados, mas morreram em filas de leitos para COVID”, reflete Cristina.
Para os ansiosos por uma boa not�cia, a pesquisadora elenca a que considera mais esperan�osa. "Sem d�vida, a vacina!".
Para os ansiosos por uma boa not�cia, a pesquisadora elenca a que considera mais esperan�osa. "Sem d�vida, a vacina!".