
O conselho para o recolhimento geral vem de um foli�o de 80 anos, Luiz M�rio Ladeira, o Jacar�. Um dos fundadores da Banda Mole – que em circunst�ncias normais teria desfilado ontem, decretando o grito de carnaval em BH –, uma das figuras mais emblem�ticas do carnaval da capital prepara-se para receber a vacina contra a COVID-19. Consciente, ele defende que a maior celebra��o, neste momento, � se cuidar para poder viver um carnaval sem precedentes no ano que vem. Com o tradicional desfile na Avenida Afonso Pena cancelado, Jacar� refor�a o coro dos blocos da capital, certos de que, com o n�mero crescente de casos de COVID-19 e de mortes, n�o h� clima nem seguran�a para a festa.
No entanto, mesmo enfrentando a falta de recursos, muitos dos blocos que surgiram para fazer renascer o carnaval de rua na capital planejam alternativas para n�o deixar a festa morrer. O Estado de Minas ouviu representantes dos grupos carnavalescos, entidades representativas do segmento, das escolas de samba e da Belotur para tra�ar um panorama de como fica a folia diante dessa pausa for�ada. “A gente n�o vai acabar”, decreta o historiador e carnavalesco Guto Borges, regente de diversos blocos de BH.
Nos pr�ximos dias, as ruas de Belo Horizonte repetir�o cenas de carnavais passados, quando a cidade era pura monotonia numa �poca do ano em que o melhor carnaval da cidade era na rodovi�ria, na estrada ou no aeroporto. Esse cen�rio come�ou a mudar em 2009, quando, mesmo sem ajuda do poder p�blico, belo-horizontinos decidiram desfilar irrever�ncia pelas ruas da capital e n�o pararam mais, tornando a festa de rua em BH uma das refer�ncias no pa�s.
Passados 12 anos desde que os foli�es decidiram colocar o bloco na rua no peito e na ra�a – inclusive contrariando decreto municipal da �poca, que restringia festas em espa�os p�blicos –, em tempos de pandemia os blocos voltam a se queixar de falta de suporte, o que dificulta, inclusive, a alternativa de promover atividades on-line. Mas, de novo, prometem resistir, superar e se reinventar. Este ano, por�m, os grupos t�m se posicionado publicamente a favor do distanciamento social e da vacina��o ampla da popula��o, inclusive com a publica��o de notas p�blicas.
O carnaval de 2020
O carnaval de 2020 chegou a ser associado – sem comprova��o – aos primeiros casos da COVID-19 no pa�s, embora a transmiss�o comunit�ria tenha sido confirmada pelo Minist�rio da Sa�de em fins de mar�o, cerca de um m�s depois do per�odo da festa, que ocorreu entre 22 e 25 de fevereiro.No ano passado, quando a folia se consolidava em BH depois de uma d�cada de crescimento do n�mero de foli�es nas ruas, os blocos foram surpreendidos com exig�ncias em rela��o aos trios el�tricos, o que chegou a amea�ar a realiza��o de v�rios desfiles e a de fato impossibilitar outros. Apesar do rev�s, a festa lotou as ruas da cidade de foli�es que mal podiam sonhar que, neste ano, o carnaval se tornaria um grande tbt, hashtag em ingl�s para throwback Thursday, que, em portugu�s, significa retorno � quinta-feira, e que se tornou nas redes sociais um marcador de boas lembran�as.
"Banda Mole, s� com todo mundo vacinado"
Aos 80 anos, Luiz M�rio “Jacar�” Ladeira, uma das figuras emblem�ticas do carnaval de Belo Horizonte, j� tem data para ser vacinado. A imuniza��o ser� no dia 19, no Rio de Janeiro, tr�s dias depois da ter�a-feira de um carnaval que n�o vai ser igual �quele que passou. Entusiasta da festa, ele defende o recolhimento no ano que seria o 46º desfile da Banda Mole, bloco que ajudou a criar. Para ele, est� corret�ssimo o cancelamento da festa como medida de controle da transmiss�o do novo coronav�rus. “Vamos fazer um supercarnaval em 2022 e esquecer 2021”, afirma, com a autoridade de quem est� ligado a um grupo que, no ano passado, levou cerca de 100 mil foli�es � Avenida Afonso Pena.
Os fundadores da Banda Mole, Luiz e Helv�cio Gaiola Trotta, defendem que o carnaval deve passar para o ano que vem, na �poca certa. Para eles, n�o adianta fixar outra data, em agosto ou setembro, como j� se cogitou. “S� tem Banda Mole quando o risco de contamina��o for zero – ou seja, com todo mundo vacinado”, afirma o Jacar�. “Um carnaval- tempor�o n�o vai funcionar. Cada local vai ter uma data. Vai ser uma bagun�a total”, considera.
Mesmo que se estabelecesse uma data �nica, ele acredita que seria um carnaval muito estranho. “Voc� vai transferir o Natal? Vamos comemorar mais para frente? N�o funciona. Nossa sugest�o � fazer um supercarnaval em 2022. Quem sabe at� com mais dias...”, projeta.
Um carnaval estrondoso em 2022
A ideia do cancelamento da folia este ano e um supercarnaval 2022 tem adeptos de peso. “O carnaval � contato. Ent�o, no contexto pand�mico, com o isolamento social, o maior rigor no cuidado com a intera��o dos corpos se faz t�o importante e nos solicita uma consci�ncia coletiva. � fundamental que a gente tenha essa responsabilidade, tamb�m coletiva, de suspender temporariamente esse estado de gra�a, que � o estado carnavalesco, em prol desse cuidado maior”, afirma o antrop�logo Rafael Barros, um dos fundadores do bloco Filhos de Tcha Tcha, parte do grupo de pioneiros na retomada da festa de rua na capital.
Ator de destaque para a realiza��o da festa, Rafa Barros destaca que os blocos t�m levado para toda a sociedade essa campanha e a reflex�o de que � fundamental suspender a festa este ano. “A gente precisa estar bem para viver essa catarse assim que poss�vel”, diz, em rela��o ao per�odo em que a pandemia estiver superada. E completa: “O carnaval que nascer� de todo esse confinamento, de todo esse sacrif�cio, h� de ser um carnaval hist�rico, estrondoso.” Para comprovar a previs�o, que � quase uma prece, ele lembra o carnaval vivido depois do controle da gripe espanhola, pandemia que marcou o in�cio do s�culo 20.
Da ferve��o na rua para o mundo virtual
“Em tempos normais, a uma hora dessas a cidade estaria fervendo de alegria, fosse noite ou fosse dia”, afirma o m�sico Di Souza, que ajudou a fundar os blocos Ent�o, Brilha!, Circulad�, � o Am� e Pisa na Ful�. E se n�o deu para ter para este ano nem ensaio de festa, os grupos partiram para debates e semin�rios virtuais. No �ltimo domingo de janeiro, por exemplo, o Brilha! fez a sua segunda live, e ainda avalia se ser� poss�vel promover alguma atividade remota nos dias em que deveria ocorrer a festa na rua.
Em meio ao isolamento necess�rio para conter o novo coronav�rus, os blocos publicaram nota em favor das �nicas medidas eficazes para evitar a transmiss�o da COVID-19: distanciamento social e vacina. Enquanto o primeiro vigora e a segunda ainda n�o chegou para a esmagadora maioria, os carnavalescos tentam, como d�, inventar maneiras de minimizar o impacto da desmobiliza��o sobre toda a cadeia produtiva por tr�s da festa.
“Durante todo o ano de 2020, os blocos v�m promovendo a��es virtuais para de alguma maneira manter contato com suas comunidades e seguir existindo, apesar da crise. Alguns realizaram debates e semin�rios remotos, outros fizeram shows via lives... Muitos se inscreveram em projetos ou tentaram alcan�ar o aux�lio emergencial, mas infelizmente apenas uma pequena parcela da comunidade carnavalesca foi atendida”, afirma Di Souza.
Antinegacionismo
Diante da impossibilidade do encontro na rua, os blocos prop�em a��es no ambiente virtual. “Teremos a��es nas nossas redes sociais de registro de mem�ria. Os integrantes falam sobre outros carnavais, outros cortejos do bloco”, afirma Nayara Gar�falo, fundadora do bloco afro Angola Janga.Fot�grafos foram convidados para fazer a curadoria de imagens nas redes sociais. “A campanha � de conscientiza��o de nosso p�blico para permanecer em casa. D� um pouco de desespero, pois carnaval � aglomera��o. Mas � importante a conscientiza��o das pessoas sobre a import�ncia do isolamento e da vacina nesse contexto de negacionismo”, resume. Nesse meio tempo, o bloco far� o lan�amento de um CD e um livro, um material para falar de cultura e da hist�ria afro-brasileira.
“A nossa primeira preocupa��o foi a seguran�a alimentar, psicol�gica e financeira de nossos integrantes”, afirma Nayara. No ano passado, durante a quarentena, o bloco se dedicou ao processo de forma��o dos integrantes e, para isso, criou um grupo de estudos com encontros remotos. “De modo geral, estamos muito focados na estrutura��o do grupo”, completa. O Angola optou por n�o fazer lives durante o carnaval para preservar a sa�de dos integrantes. Ela lembra que as lives que come�aram caseiras se tornaram superprodu��es, o que aumenta os riscos.

O Circulad�, bloco da Escola Percuss�o Circular, realiza as aulas de m�sica adaptadas para o formato digital. “Estamos criando arranjos, fazendo composi��es, fomentando a nossa metodologia e estudos ao longo do ano”, revela Di Souza.
Fundador do maior bloco do carnaval de BH, o Baianas Ozadas, G�o Cardoso afirma que o isolamento social impediu que a banda do grupo fizesse shows em 2020, o que obrigou os m�sicos a buscar outras atividades para se manter financeiramente. Por isso, o bloco n�o promoveu nenhuma live. Mas, se houvesse apoio do poder p�blico, acredita ele, os blocos poderiam ser um canal importante de informa��o sobre a COVID-19.
Festa sem dono
A Liga das Escolas de Samba far� live no dia 16, data em que desfilariam as agremia��es, para discutir sobre o carnaval no per�odo da epidemia e a postura do poder p�blico com o setor. “Ano passado, conseguimos ser o segundo carnaval do pa�s e era o carnaval da Belotur, do prefeito... Agora que estamos em pandemia, o carnaval n�o � de ningu�m. Mas a festa � da gente, que faz o carnaval de verdade”, argumenta o presidente M�rcio Eust�quio Antunes de Souza, ao defender suporte para quem depende da folia. “A COVID-19 bateu forte na periferia. A gente n�o vai sambar em cima do luto de ningu�m, mas � preciso planejar o futuro”, conclui.