
O Instituto de Tecnologia em Imunobiol�gicos (Bio-Manguinhos) da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz) passou o s�bado envasando o primeiro lote do ingrediente farmac�utico ativo (IFA) da vacina contra a COVID-19 desenvolvida pela institui��o em parceria com o laborat�rio AstraZeneca, a Covishield. Ser�o processadas cerca de 400 mil doses de pr�-valida��o, que seguir�o para o controle de qualidade interno do instituto. O insumo faz parte do lote com 90 litros de IFA recebido pelo Bio-Manguinhos/Fiocruz h� uma semana, no dia 6, e que s�o suficientes para a produ��o de 2,8 milh�es de doses. Ainda est�o previstas mais duas remessa este m�s. Outro produtor de imunol�gicos brasileiro, o Instituto Butantan, de S�o Paulo, recebeu, na quarta-feira (10/2), 5,6 mil litros de IFA da CoronaVac, desenvolvida em parceria com a farmac�utica chinesa Sinovac, que permitir�o a produ��o de 8,7 milh�es de doses do imunizante. No �ltimo dia 4, outros 5,4 mil litros de IFA, suficientes para 8,6 milh�es de doses, foram entregues � institui��o.
Nos dois casos, a movimenta��o envolveu muita negocia��o e ansiedade, j� que o Brasil ainda n�o produz esses insumos. Como ocorreu com termos como pandemia, curva epidemiol�gica e m�dia m�vel, a sigla IFA, at� ent�o desconhecida da maior parte dos brasileiros, entrou para o vocabul�rio dos notici�rios e da popula��o. Mas, afinal de contas, o que ela significa e por que o Brasil depende tanto da importa��o desse tal de IFA?
Insumo farmac�utico ativo (IFA) � o componente principal para produ��o de vacinas. Imunizantes como a CoronaVac e a Covishield s�o produtos farmacotecnicamente constitu�dos que cont�m, entre outras subst�ncias qu�micas, o IFA, explica o qu�mico industrial Ubiracir Fernandes Lima Filho, doutor em vigil�ncia sanit�ria pelo INQCS/Fiocruz e membro da Comiss�o Qu�mica Farmac�utica do Conselho Regional de Qu�mica de S�o Paulo (CRQ-4).
O insumo � uma mol�cula complexa (macromol�cula) derivada ou quimicamente semelhante ao micro-organismo invasor particular, causador de doen�a. A mol�cula � reconhecida pelo sistema imunol�gico dos indiv�duos submetidos � vacina e promove uma resposta, chamada de bioss�ntese de imunoglobulinas espec�ficas, que os protege de uma doen�a associada �quele invasor.
O IFA est� presente em qualquer medicamento.Trata-se daquela subst�ncia respons�vel por sua atividade, o que faz o produto ser eficaz, o que consegue gerar a capacidade terap�utica de um medicamento, como pontua Ubiracir. Em cada medicamento tem-se uma subst�ncia diferente. Para a novalgina, por exemplo, um analg�sico bem conhecido, o IFA � a dipirona; para o ansiol�tico Lexotan � o bromazepan; para a Vitamina C, o �cido asc�rbico; na Aspirina, o �cido acetilsalic�lico; no Doril, tamb�m o �cido acetilsalic�lico, al�m de paracetamol e cafe�na.
No caso das vacinas, o tipo de IFA � determinado conforme a tecnologia empregada. Os principais s�o: vetor viral, v�rus inativado, adenov�rus, �cido nucleico (RNA), e � base de prote�nas (fragmentos espec�ficos dos v�rus). Em cada f�rmula, o IFA chega a ter entre 85% a 95% de peso, em import�ncia relativa.
"� o principal componente, e n�o h� substitutos. Justamente porque sem o IFA o medicamento n�o funciona. Se troca um pelo outro, produz-se um medicamento diferente, j� que � o que o caracteriza. E, ausente na f�rmula, trata-se de placebo", ensina Ubiracir.
A diferen�a entre o IFA aplicado a medicamentos sint�ticos e os usados para vacinas, neste momento principalmente contra o coronav�rus, � ligada ao tamanho e � complexidade das mol�culas, elucida o especialista. "No caso de medicamentos que utilizamos comumente, s�o subst�ncias qu�micas pequenas, com peso molecular relativamente baixo. Nas vacinas, s�o subst�ncias qu�micas altamente complexas, os chamados biopol�meros, que cont�m v�rias unidades de amino�cidos (prote�nas), alguns ligados a a��cares (glicoprote�nas)", ensina.
O termo IFA, continua Ubiracir, refere-se apenas a medicamentos. Quando consideradas outras formula��es comuns da vida cotidiana, trata-se de "subst�ncia ativa", um conceito similar – subst�ncias qu�micas respons�veis pela atividade daqueles produtos. O lauril �ter sulfato de s�dio, por exemplo, pode ser encontrado em produtos de limpeza, como os detergentes.
Em diversos cosm�ticos, como sais de banho, cremes para tratamento de acne, produtos esfoliantes, m�scaras para c�lios, tinturas de cabelo, sabonetes l�quidos, produtos para limpeza facial, removedores de maquiagem, xampus de adultos e crian�as, em sabonetes l�quidos para o corpo e em pastas de dente s�o encontradas outras subst�ncias qu�micas que s�o respons�veis, em cada produto, por suas atividades. Ainda sobre cosm�ticos, em condicionadores, por exemplo, outra subst�ncia presente s�o os quatern�rios de am�nio, como subst�ncias/ingredientes ativos. "Na gasolina, uma mistura de hidrocarbonetos de baixo peso molecular, e nas tintas, por exemplo, os corantes", diz Ubiracir.
Segundo o qu�mico, frente ao tempo para se avaliar e comprovar seguran�a e efic�cia de uma vacina, o processo de obten��o e desenvolvimento de uma determinada subst�ncia candidata a IFA �, em geral, relativamente mais curto. "No Brasil, estamos tentando estabelecer a fabrica��o interna dos IFAs para os imunizantes para o coronav�rus. J� temos expertise na produ��o de IFAs para outras vacinas utilizadas no controle de v�rias doen�as. Temos pesquisadores altamente capacitados para desenvolver o IFA para a COVID-19, n�o s� na Fiocruz ou no Instituto Butantan, mas em diversos outros centros de pesquisa. Ainda n�o h� investimento suficiente. Para avan�armos nessa tecnologia, � necess�rio mais tempo e mais recursos, mas temos cientistas", pondera.
A produ��o dos imunizantes no Brasil, por ora, depende do suprimento de IFA importado de diferentes fabricantes chineses, explica o engenheiro qu�mico e mestre em Engenharia Qu�mica Wilson Zeferino Franco Filho, tamb�m membro da comiss�o de qu�mica farmac�utica do CRQ-4 . "Temos profissionais altamente especializados e condi��es de transformar esse insumo em vacinas. H� for�a de trabalho para isso: f�bricas, t�cnicos, qu�micos, farmac�uticos, bioqu�micos. Ali�s, o Brasil j� teve seis unidades produtoras de vacinas, e hoje conta com duas que est�o lutando para entregar o imunizante da AstraZeneca e a CoronaVac. O que falta no pa�s � priorizar os investimentos em ci�ncia, sa�de e na ind�stria farmac�utica", pontua.
Atualmente, o IFA que vem da China para abastecimento na Fiocruz parte de uma f�brica na cidade de Wuxi, e o insumo para a vacina do Butantan vem de uma f�brica em Wuhan, onde o primeiro caso de coronav�rus no mundo foi detectado. Segundo Wilson, ambos foram inspecionados e aprovados pela Anvisa. Para o engenheiro qu�mico, a produ��o nacional dos IFAs tem uma import�ncia estrat�gica no sentido de resultar na capacidade de resolver problemas com grandes viroses, como � o caso da COVID-19, internamente.

Quando a produ��o de insumos est� condicionada ao fornecimento externo, h� quest�es tamb�m contratuais, o que agrava a depend�ncia e a falta de protagonismo na resolu��o interna desses problemas, inclusive em rela��o aos custos das vacinas estabelecidos pelos fornecedores estrangeiros, explica. "Precisamos ser independentes. A quest�o � focar e investir na capacidade estrat�gica de eliminar o v�rus. Por enquanto, somos capazes de produzir vacinas at� um certo limite, e resolver isso � fundamental", diz. No caso da gripe, compara, o Brasil � autossuficiente na produ��o de vacina, n�o depende de outros pa�ses.
Wilson lembra que, recentemente, o Grupo Uni�o Qu�mica iniciou localmente o desenvolvimento da vacina russa contra a COVID-19, a Sputnik V, a partir de um lote-piloto do IFA. Com as adequa��es na planta farmac�utica em Bras�lia, a expectativa � produzir 8 milh�es de doses por m�s no pa�s. "No seu devido tempo e com as devidas autoriza��es da Anvisa, iniciaremos a produ��o em escala industrial e comercial", explica Rog�rio Rosso, diretor de neg�cios internacionais do Grupo Uni�o Qu�mica.
A Blau Farmac�utica, ind�stria brasileira do segmento hospitalar, tamb�m inaugura em seu complexo industrial de Cotia, em S�o Paulo, uma planta dedicada � produ��o de IFAs biotecnol�gicos. "Acabamos de dar um grande passo na verticaliza��o de IFAs biotecnol�gicos no Brasil", destaca Marcelo Hahn, CEO da Blau Farmac�utica.
Al�m disso, uma nova f�brica do Instituto Butantan est� em constru��o na Zona Oeste de S�o Paulo, o que vai permitir produzir a vacina sem depender de insumos importados.