A casa de Patr�cia, transformada em ilha pela enchente do c�rrego: 'Ficamos aqui segurando o que sobrou das enchentes para n�o ficar sem e ter de pedir', diz a mulher (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Santa Maria de Itabira – Da janela de madeira que fornece a �nica ilumina��o da casa sem eletricidade, Patr�cia da Silva, de 28 anos, observa sinais de alento. Uma revoada de p�ssaros ao longe, seguida de nuvens de poeira subindo atr�s dos montes s�o ind�cios de um comboio de volunt�rios em ve�culos 4x4 vencendo os 5 quil�metros de estradas destru�das de Santa Maria de Itabira at� a comunidade quilombola do Barro Preto.
Trazem �gua, alimentos, medicamentos, produtos de higiene e itens de necessidade b�sica perdidos depois das chuvas que devastaram a cidade, deixando 160 desalojados e seis mortos, no �ltimo fim de semana. “A gente n�o sabe quando vai chegar a ajuda. Ent�o ficamos aqui segurando o que sobrou das enchentes para n�o ficar sem e ter de pedir. Contamos muito mesmo � com a comunidade, que � unida”, disse a mulher, que mora com o marido e dois filhos.
A comunidade quilombola do Barro Preto � uma das mais afetadas da �rea rural de Santa Maria de Itabira, ficando praticamente isolada. Os �nibus do transporte p�blico n�o conseguem mais chegar at� l�, pois a estrada de terra e cal�amentos foi praticamente desintegrada por enxurradas. Apenas ve�culos com tra��o nas quatro rodas conseguem vencer todo o trecho, at� a ponte, onde a passagem ficou interrompida. Com isso, o fluxo de mantimentos e �gua � lento e inconstante para quem perdeu cobertores, colch�es e depende da ajuda da pr�pria comunidade.
“Por volta de 20 casas foram atingidas pelas enxurradas. Tiramos as fam�lias de l� e est�o com parentes e amigos, mas precisamos que a prefeitura traga a Defesa Civil para dizer se podemos voltar para essas casas. Nossa estrada acabou e a ponte n�o aguenta mais a passagem de carros. O c�rrego comeu os aterros e a cabeceira. Estamos praticamente isolados”, definiu a l�der comunit�ria Nilce Gon�alves da Silva.
A casa de Patr�cia � a mais isolada. A for�a do c�rrego que abastece a comunidade foi tanta que o manancial abra�ou o terreno dela, se dividindo em dois cursos e tornando a resid�ncia uma ilha. As �guas levaram o banheiro, parte do alpendre, arrancaram bananeiras do quintal, o poste de luz e os encanamentos. Troncos foram rolados para servir de pontes apoiados nas margens rec�m-escavadas no barro pela eros�o do c�rrego, mas os filhos de Patr�cia seguem atalhos pelo leito do manancial para chegar na comunidade.
Durante o temporal de domingo, as fam�lias da comunidade viveram momentos de terror. Do colo da m�e, com �gua at� a cintura, a �nica forma de salvar a pequena Ana, de 6 anos, foi pass�-la pela janela da casa inundada para que vizinhos a levassem para a rua. A tempestade da madrugada do �ltimo domingo trouxe �gua e lama para dentro da resid�ncia, pressionando a estrutura simples entre a cheia do c�rrego do Barro Preto e as enxurradas que desciam dos morros da zona rural de Santa Maria de Itabira.
“A gente j� estava no escuro, sem luz. Escutamos as paredes trincando. De repente, o c�rrego levou embora a minha cozinha. Sa�mos pela janela enquanto a parte de tr�s estava desabando. Todo mundo estava na rua, assustado. Minha filha chora at� agora. N�o dorme. Ningu�m dorme. S� rezamos para a chuva parar”, disse a m�e da menina, Jaqueline Silva Ara�jo, de 33.
O m�dico Ronald Dias ainda tenta limpar a casa: 'N�o tem uma s� pessoa que n�o conhe�a algu�m que teve preju�zos e sofrimento' (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
A dona de casa Maria de Lourdes Silva Marconi, de 57, conta que a uni�o da comunidade foi fundamental para salvar pessoas e pertences. “Acabou a luz e j� ficamos preocupados por causa das chuvas. Um menininho chegou aqui correndo e nos chamou pedindo socorro para ajudar a salvar a casa. Chegamos l� era pau e pedra em cima da casa. Tivemos de cortar as grades dos port�es para tirar fog�o, botij�o, a parede da casa caiu no c�rrego”, conta.
O munic�pio � um dos que mais sofre com as chuvas. Na �rea urbana, 500 casas foram atingidas, as principais vias ficaram cobertas de lama e tr�s pontes que permitem a passagem de um lado para o outro do Rio Girau comprometidas. Ontem, moradores continuavam a remover a lama que invadiu as casas, garagens e quintais. Equipes de defesa civil e da prefeitura ajudam a desobstruir vias, organizar o fornecimento de mantimentos e cadastrar os atingidos. Ainda falta �gua e alimentos prontos, uma vez que muitos flagelados perderam fog�es e n�o t�m condi��es de preparar os alimentos recebidos.
Solidariedade em toda parte
Apenas uma ponte permite o acesso entre o Bairro Cidade Nova e o restante de Santa Maria de Itabira, depois da cheia do Rio Girau. O movimento de caminh�es cheios de lama e m�veis destru�dos e dos carregamentos de mantimentos fazem dessa estrada um caminho de congestionamento constante, onde a chuva transforma tudo em lama�al e o sol traz poeira. Entrar ou sair � um grande desafio para habitantes e agentes de defesa civil.
Diferente dos demais locais devastados, esse � um bairro de classe m�dia alta. At� a casa do prefeito, Reinaldo das Dores Santos (PSD) foi invadida, teve um muro derrubado e v�rios estragos. “Estimamos que os preju�zos para a reconstru��o da cidade cheguem a R$ 10 milh�es. Foram ruas e muitas estruturas danificadas, as pontes e n�o temos sequer ainda os levantamentos da zona rural”, disse o prefeito.
O gerente de projetos Elisio Fonseca tentou resgatar o m�ximo de pessoas que p�de: 'Foi um grande mutir�o, com todos se ajudando' (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
M�veis caros e grandes, colch�es de tamanhos queen e king, TVs de 60 polegadas, refrigeradores de duas portas e adornoO gerente de projetos Elisio Fonseca, de 36 anos, tentou resgatar o m�ximo de pessoas que p�de s de requinte foram parar em pilhas de entulho arruinado pela lama nas portas das garagens das casas isoladas. O trabalho de limpeza do barro, lixo e detritos seguir� por muitos dias ainda, acreditam os moradores.
Como nos bairros menos privilegiados, a solidariedade possibilitou muitos salvamentos de vidas. quando as �guas do Rio Girau avan�aram e chegaram a mais de um metro e meio de altura. “A �gua estava invadindo a minha casa com muita rapidez. Deitei a geladeira para tentar bloquear a entrada da �gua e levei a minha sogra para a casa do vizinho, que tinha dois andares. Com ela salva, vesti um colete flutuante e comecei a pular os muros para tirar os vizinhos mais idosos de dentro de suas casas para ruas mais altas. Foi um grande mutir�o, com todos se ajudando. Agora, depois dos salvamentos, n�s ajudamos com a limpeza”, disse.
At� o m�dico da cidade, Ronald Garcia Dias, passou os dias limpando a casa depois de lama do Rio entrar na resid�ncia. “Eu estava em Conselheiro Lafaiete, quando um vizinho me ligou avisando que o rio transbordou e que minha casa estava debaixo da �gua. Vim correndo, na madrugada de domingo mesmo. Mas muitas barreiras ca�ram na estrada, e mesmo quando eram liberadas eu precisava me identificar para poder passar”, lembra Dias.
O preju�zo sofrido no interior do im�vel tamb�m foi grande e o trabalho de limpeza, segundo m�dico, dever� durar ainda mais de uma semana. “Limpar essa lama � muito dif�cil. Ela tinge tudo que encosta. Parece que quanto mais voc� limpa mais ela se desdobra e mais lama aparece. Vai ser um trabalho de muitos dias para todo mundo. Quando comprei essa casa, me disseram que nunca tinha sofrido uma inunda��o, que a �gua dos rios s� chegava perto mas nunca entrava na casa. Essa foi uma chuva muito fora do normal e todos na cidade est�o sentindo. N�o tem uma pessoa s� que n�o conhe�a algu�m que teve preju�zos e sofrimento”, disse.